Por que uma lista de denúncias contra bandas gerou debate na web?

O Catraca Livre entrou em contato com todos os nomes citados na lista de denúncias; veja as respostas

23/08/2017 18:12 / Atualizado em 07/05/2020 10:31

Na semana passada, o relato da escritora Clara Corleone sobre uma suposta relação abusiva que teve com o guitarrista da banda Apanhador Só, Felipe Zancanaro, desencadeou uma série de denúncias compartilhadas nas redes sociais a respeito de casos similares com músicos de outros grupos.

Diante da repercussão, a estudante de jornalismo do Rio Grande do Sul, Carolina Vicari, de 19 anos, administradora da página no Facebook “Apoie a Cena“, compilou textos de mulheres que afirmaram terem sofrido abusos e/ou machismo por parte de artistas de outros grupos — muitos deles que, inclusive, têm letras sobre feminismo no repertório.

A lista induziu outras mulheres a compartilharem relatos envolvendo artistas
A lista induziu outras mulheres a compartilharem relatos envolvendo artistas - Getty Images/iStockphoto

Sem revelar a identidade das supostas vítimas, a lista no Medium, “Bandas brasileiras com denúncias de atitudes machistas“, reúne imagens de textos denunciando 21 artistas e bandas, como Criolo, Francisco El Hombre e CPM 22. “A veracidade que temos dos fatos é a partir dos prints e dos relatos”, alerta a jovem.

A onda de denúncias ganhou ainda mais força com a criação da hashtag #MeuArtistaSecreto, com a qual usuárias das redes sociais escreveram depoimentos impactantes sobre casos de abuso sexual, agressão e estupro, que também envolvem homens famosos.

Ao Catraca Livre, Carolina contou que a ideia para criar a lista surgiu ao ver algumas imagens dessas histórias no Twitter. “Resolvi fazer algo que pudesse ser compartilhado no Facebook, como a plataforma Medium, para dar maior alcance. Quando postei, começaram a surgir mais denúncias via inbox e fui acrescentando”, afirma.

Em apenas cinco dias, o conteúdo já teve mais de 400 mil visualizações. “Muitas meninas vieram me procurar para fazer denúncias ou acrescentar bandas, e comecei a perceber a importância disso, pois estava finalmente entrando em discussão a imagem da mulher no meio musical”, diz. “Em nenhum momento eu quis que as bandas se sentissem odiadas ou acabassem”, completa.

A reportagem entrou em contato, por e-mail e pelas páginas oficiais no Facebook, com todos os artistas ou bandas citados no texto.

Em nota, a banda Vespas Mandarinas afirma que os integrantes não estão isentos de errar, mas não têm conhecimento do caso relatado. “Mesmo assim nos colocamos a disposição para o diálogo, para o entendimento, e para o aprendizado, sempre!”, ressalta o texto.

Procurados, Lê Almeida, Matanza, Ratos de Porão, Beach Combers, CPM 22, Inquérito, Lotus, Amsteradio, Phill Veras e Paquetá não responderam à solicitação até a publicação desta matéria.

Abaixo, reunimos as declarações enviadas a respeito das denúncias. Confira:

Apanhador Só 

A banda não enviou uma nota oficial. Mas, logo após a denúncia, os integrantes publicaram um texto no Facebook. Veja abaixo:

“Lamentamos profundamente tudo o que aconteceu e está acontecendo. Diante dessa difícil situação, resolvemos suspender as atividades da banda por hora. Embora pesarosos, achamos que essa situação pode ser construtiva pra que siga se discutindo questões importantes sobre machismo – que estamos dispostos a rever e modificar cada vez mais em cada um de nós. Assim que for possível, nos pronunciaremos melhor sobre o assunto.”

Francisco, el Hombre

“Quando o relato saiu, em 2016, a banda se posicionou e se manifestou a respeito do ocorrido. Todos os integrantes estão abertos ao diálogo.”

Criolo

A assessoria de imprensa do músico afirmou que não irá se pronunciar a respeito do caso.

Não Ao Futebol Moderno

“Bom, pra começar que o relato sobre nós foi feito por um homem, e não tem nenhum relato de alguma mulher que foi prejudicada por algum integrante da banda. segundo que o que foi dito não condiz com a realidade, pois foi totalmente desvirtuado de contexto e motivado mal intencionadamente por picuinhas pessoais.”

Gabriel Sá

“O relato foi considerado irreal por não haver provas. As devidas medidas judiciais foram tomadas para que se tomassem as providências mais corretas em relação ao que fora citado na publicação e o caso foi considerado finalizado confirmando a inocência do músico.

Não concordamos com absolutamente nenhum tipo de comportamento machista, abusivo e/ou agressivo em qualquer sentido. Defendemos a necessidade de dialogar a respeito e entendemos perfeitamente que todos tem o direito de questionar. Responderemos e defenderemos o resultado final, moral e até mesmo judicial dessa situação enquanto for necessário.”

Esteban Tavares

“É bem simples. Eu não concordo com a posição da dra citada. Não usei vírgula, usei uma unidade de medida; jargão popular. É só uma questão de ler de acordo com as regras da gramática. Sobre outros assuntos, serão tratados na Justiça, pois não existem; não fazem o menor sentido.”

Carne Doce

“A Carne Doce não valoriza o jornalismo que se pauta em posts de internet com acusações irresponsáveis, infundadas, não apuradas. Um ‘posicionamento’ imediato, com exigência de prazo, como o Catraca Livre nos pede por email, só legitimaria algo sem compromisso com a verdade e que não merece seriedade”.

Bixiga 70

“Quanto ao Bixiga 70, medidas judicias (em sigilo) estão em andamento e qualquer exposição ou publicação pode ser prejudicial para ambas as partes.”

Ortinho

“Sobre as minhas infelizes palavras pronunciadas durante um show no passado, que não representam a minha verdade, as minhas desculpas públicas foram amplamente divulgadas pela grande mídia na época do ocorrido. Só posso dizer à nova geração de artistas que temos que ter muito respeito com o próximo, não só na nossa vida pessoal, mas, principalmente, quando estamos com um microfone na mão.”

Nicolas Não Tem Banda

“Pra quem não nos conhece e tem interesse em saber um pouco mais sobre a banda e os integrantes da banda, pode mandar uma mensagem no Facebook ou venham conversar com a gente em um dos nossos ensaios que são abertos e acontecem toda sexta-feira a tarde, mas fora os ensaios, se você vive em SP ou está só de passagem, pode conhecer o prédio onde residimos com uma centena de pessoas fantásticas, a OCUPA OUVIDOR 63, assim a gente sai um pouco da internet, conhece várias histórias e pessoas interessantes antes de formar sua opinião.

A vida é um ato de evolução, não de condenação, creio que as pessoas que buscam apurar os fatos procuram os dois lados da história, nos sentimos gratos e estamos dispostos a resolver qualquer mal entendido seja ele pessoalmente ou na Justiça.”

Vespas Mandarinas

“Apoiamos e achamos legítimas muitas causas progressistas. Não estamos isentos de errar, também não nos julgamos moralmente superiores a ninguém e nem somos donos da verdade.

O fato, porém, é que não temos conhecimento do caso relatado envolvendo nosso nome, mas mesmo assim nos colocamos a disposição para o diálogo, para o entendimento, e para o aprendizado, sempre!”

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  • Denúncias

A advogada Isabela Guimarães Del Monde, cofundadora da Rede Feminista de Juristas, explica que, para realizar uma denúncia na Justiça, não existe nada de específico, no aspecto jurídico, quanto ao fato de o agressor ser um homem famoso.

“No entanto, vivemos ainda sob a cultura do machismo que, de modo global, coloca em dúvida o depoimento da vítima. E têm sido comuns os casos de mulheres enfrentarem processos por cometimento de injúria, calúnia ou difamação ao realizarem a exposição dos homens agressores”, ressalta a advogada.

Para Isabela, é preciso acabar com essa cultura que deslegitima os depoimentos das mulheres. “Ao relatar o que aconteceu, a vítima está realizando seu processo de cura de todas as violências que sofreu, bem como alertando outras pessoas a respeito das práticas de violência realizadas por um agressor.”

De acordo com ela, dados estatísticos revelam que falsas denúncias de violência de gênero praticamente não existem na Justiça. “Um dos motivos pelos quais eles não existem é justamente porque as mulheres encontram muito baixo acolhimento na aparelhagem de segurança pública, no Ministério Público e no Judiciário”, diz.

“Não é a mulher que precisa se proteger, mas sim a sociedade garantir que ela possa falar e ser acreditada e ter seu caso devidamente investigado e processado. De todo modo, recomendo às vítimas que se atentem ao relato claro, direto e objetivo dos fatos, como feito no caso da banda Apanhador Só, evitando utilizar palavras ofensivas para descrever o agressor”, finaliza.

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