Por trás de tanta brincadeira, a história real da palhaça Lola
Luciana Viacava sofreu um acidente de carro, perdeu a visão e, através de uma jornada de autoconhecimento, descobriu sua verdadeira vocação: ser palhaça.
Respeitável público! Com vocês, a impressionante, cativante e interessante história da maravilhosa, cremosa e inigualável palhaça Lola Brígida!
Ops! A palhaça não né, gente? É a história dela. Ah, vocês entenderam, vai? A história da palhaça Lola vai fazer você rir e chorar, vai cutucar sua humanidade por conta de toda sua veracidade!
Dos seus 1m60 e tantos de altura de pura formosura, a palhaça Lola encanta crianças e lhes enche de esperança com seu olhar penetrante e seu sorriso cativante. Mas nem só de risos é feita a vida de um palhaço. Algumas situações, às vezes causam um verdadeiro estardalhaço. Antes da Lola nascer, tem uma pessoa que precisa ser apresentada: a Luciana Viacava. Então, senta que lá vem a história:
Com 21 anos, ela era uma jovem estudante de comunicação, que assim que terminou a faculdade conseguiu seu primeiro emprego de verdade. Nessa época, a nossa palhaça Lola ainda não era nem um embrião. Ela passou na entrevista para ser assistente de elenco do SBT e escolher quem fica fora e quem entra em uma novela. Depois de seis meses de trabalho, sua chefe foi embora, e ela virou a coordenadora de elenco oficial. Parece um sonho, #sqn. “Era uma loucura. Era muito trabalho, o dia inteiro. A gente ficava lá até meia-noite, numa salinha fechada, era muito intenso”, comenta Luciana.
A moça tão novinha um dia, voltando duma festinha, dormiu um instante, só que isso foi ao volante. Na descida, ela quase perdeu sua vida, quando bateu contra uma árvore. Naquela época, não se usava cinto de segurança pra valer, infelizmente. Este detalhe fez com que o vidro do pára-brisa se quebrasse em sua face. “O acidente foi muito louco, eu fiquei super lúcida, mas eu não tava enxergando nada. Eu tinha cortado os dois olhos na verdade, um se salvou, o outro não. Hoje não enxergo nada do olho esquerdo.” O carro deu perda total, fim, game over.
“O médico contou que meu rosto estava destruído”
Depois de 10 horas na mesa de cirurgia e agonia de toda a família, o médico veio conversar. “Ele contou que meu rosto estava destruído.” Daquele dia em diante, ela passaria a ver o mundo de um jeito diferente da gente: do ângulo de apenas um dos olhos. Com isso, lá se foi a noção de profundidade e começou então toda a dificuldade: colocar água num copo, se tornou um desafio, era bem mais fácil encher um barril. Colocar a linha na agulha então? Não! Esquece, difícil demais.
Ela teve de voltar muitas vezes ao hospital para remexer aqui, costurar acolá e tentar remediar o que tinha acontecido com seu olho. Naquele momento, foi um choque ter de aceitar que era assim que ela deveria continuar. O acidente deixou marcas não só no seu rosto, mas na sua vida e lhe trouxe muito desgosto. Além disso, “o medo de ser rejeitada também porque você é estranha, você tem uma coisa estranha no rosto”. Naquela época, mesmo com toda sua destreza, os padrões de beleza limitavam sua carreira: “Tinha um olho que já me impedia de cara de fazer várias coisas como televisão, talvez até cinema”.
Dirigir então? Ah, meu amigo, não, não, não, nem pensar, ela ficava adiando a hora de retomar. Mais de um ano depois do acidente que um amigo insistente incentivou que ela voltasse ao volante para superar o medo constante. “No começo, foi muito difícil, parece que tem um fantasma que te acompanha de certa forma. Mas eu voltei e agora eu dirijo tranquilamente”. Por conta do olho, ela só precisa virar um pouco mais o pescoço.
Com o tempo, ela teve de aprender a aceitar que seu olho perfeito nunca mais seria daquele jeito. Demorou esse processo de aceitação e pra ela chegar à seguinte conclusão: “Eu vou ter que ser feliz desse jeito porque é assim que ficou, então é assim que eu vou ter que viver e ser feliz. Não vou ficar sofrendo por isso, porque isso já tá dado, agora o resto eu vou ter que conquistar”. Por isso ela decidiu: “Eu vou procurar coisas que me deem prazer, que me deem alegria, que sei lá, eu goste de fazer“.
Ela retomou uma lembrança da infância e sem muita pretensão começou sua iniciação ao teatro. “Só que daí eu comecei a adorar e a me envolver nisso”. Por acaso, ou não, porque dizem por aí, que nada é por acaso, Luciana, que fazia uma oficina de teatro aqui e outra acolá, fez uma de “clown” que mudaria sua vida e lhe daria um novo ponto de partida. “Essa oficina foi muito importante pra mim. Porque foi realmente aí que eu falei: ‘Nossa, eu quero fazer isso da vida!”.
“O palhaço é único e intransferível”
Acendeu uma luzinha na vida dela que seria capaz de iluminar mais do que uma janela: “Palhaço é assim: quando você começa a aprender, a primeira coisa é você se aceitar como você é e ser querido como você é. Tem uma coisa de liberdade, de poder ser de qualquer jeito. Sabe assim: quanto mais você, melhor?” Vale dizer, lembrar e reforçar que: “O palhaço é único e intransferível”. O primeiro contato foi assim, era uma liberdade de ser. Tipo: “Nossa, eu posso ser ridícula assim e é legal?’ Eu não preciso esconder meus defeitos, eu não preciso fingir que eu sou outra coisa, então isso foi muito potente, essa descoberta. Tem uma coisa de validação do seu ser“.
Pouco a pouco e a após percorrer uma longa jornada a palhaça Lola Brígida foi sendo construída. Naquela oficina, ela deixou de lado a confusão e descobriu sua vocação: fazer graça e ser palhaça. “Quando você está em cena, quanto mais você mesmo você for, melhor. Às vezes, você não sabe muito o que fazer, você fica sem graça e aí que o povo ri. Deixa vir uma espontaneidade que daí provoca o riso. Eu tinha prazer quando as pessoas davam risada”.
Daí por diante, começou o esboço do que viria a ser a palhaça Lola Brígida. Luciana que já havia dado aulas de francês, foi estudar teatro na França e na Itália para se aperfeiçoar Quando voltou, se inscreveu num processo seletivo dos Doutores da Alegria. Ela adorava e dava muita risada dos doutores em besteirologia. Acompanhava o trabalho deles desde a escola de teatro profissionalizante, quando viu uma notícia no jornal sobre as apresentações do Midnight Clowns.
Mas não pense que vida de palhaço é sempre engraçada, não. Deveria ser, como a de todo mundo, mas não é. Para trabalhar no Doutores da Alegria, como todo trabalho tem que dar um duro danado. “A seleção dos atores até hoje é assim: a pessoa manda currículo. Dos currículos selecionados, você faz dois dias de oficina e mostra suas habilidades: toca, canta. Aí depois eles selecionam algumas pessoas para irem até o hospital. É um teste prático mesmo. Aí você faz o teste no hospital e pode ser que você passe ou não. Eu fiz três vezes esse teste”.
A seleção para os Doutores da Alegria não é mole não. Até parece uma vaga de Medicina na Fuvest de tão concorrida. Pra você ter uma ideia, hoje, de 250 inscritos, 25 pessoas são escolhidas para a oficina de onde sairão 12 para o teste no hospital, e seis serão escolhidos. “Tem muita gente boa, mas não dá pra acolher todo mundo. Então, um que tem uma coisinha a mais às vezes passa”.
Depois de fazer o teste por três vezes no Doutores da Alegria, finalmente a palhaça Lola conquistou seu lugar ao sol. Ela conta: “A primeira vez que você entra no hospital é muito difícil porque você vê coisas que você nunca viu. Quando você vê uma criança [internada] é duro mesmo”.
Calma, nem tudo é tristeza, minha gente, pelo contrário, tem muita coisa nesse trabalho que deixa a gente contente: “Apesar de tudo, a gente se diverte muito porque é gostoso quando a gente brinca. O palhaço, por natureza, brinca, e a criança também. É aí que eles se conectam, na brincadeira. A criança, por mais doente que esteja, se ela tiver um fio de coisa viva, vai querer brincar, nem que seja só com o olhar”.
Desde o dia do teste até hoje, se passaram 14 anos. A Lola e outros palhaços visitam hospitais com frequência, espalhando alegria e diminuindo a sofrência. Da enfermaria até a UTI, eles vão fazendo palhaçada para levar alegria à criançada. Hoje, inclusive, a Lola participa do processo de seleção de novos palhaços. Além de um montão de espetáculos. Ela já trabalhou em circo, teatro e fez até uma expedição pela Amazônia com outras palhaças.
Para Lola, eles se tornaram sua família: “Doutores da Alegria mudaram muito minha vida porque, além de um trabalho, que é uma coisa que eu gosto muito de fazer, eu ganhei muitos amigos e um marido”.
É isso mesmo, minha gente! A cumplicidade foi tanta com um dos palhaços que, de parceiro de trabalho, ele foi promovido a namorado e, depois, a marido. Juntos há 10 anos, Lola ficou perdidamente apaixonada pelo Dr. Montanha, que, do alto de seus 1m52, se tornou o grande amor da sua vida. Own <3 Olha eles aí dirigindo a Kombi:
O fantástico, mirabolante e contagiante Doutores da Alegria fundado em 1991, arranca sorrisos de pessoas em situação de vulnerabilidade e risco social. Mais de 1 milhão de visitas já foram feitas para crianças hospitalizadas, seus acompanhantes e os profissionais de saúde. A organização sem fins lucrativos presta este serviço sem custo em hospitais. Ele é mantido por doações de pessoas e empresas que acreditam nesse importante trabalho.
Há mais de 25 anos, a ONG ocupa um importante papel na sociedade brasileira, inserindo arte e cultura no contexto da saúde e trazendo resultados significativos. Os Palhaços Besteirologistas comprovam o ditado popular: “rir é o melhor remédio”.
Pode até não ser o único, mas já ajuda bastante. Uma avaliação feita pelo Instituto Fonte mostra que há evidências clínicas de melhora no quadro dos pacientes e não só deles, mas também nas relações entre médico e paciente e profissionais de saúde. Além das visitas frequentes em hospitais, a ONG também realiza palestras em empresas, espetáculos, conta com uma escola e um programa de formação de jovens palhaços, entre outras atividades. Assista ao vídeo e saiba mais sobre os Doutores da Alegria:
https://www.youtube.com/watch?time_continue=359&v=sOq9JKsTUnM