Publicitária lança romance e doa a centros de acolhida em SP
Marah Mends escreveu “Elefantes têm medo de formigas” e discute racismo, homofobia e violência policial na obra
Com uma agenda que passa por escolas, centros de acolhida e saraus, a escritora Marah Mends lançou em junho o livro “Elefante têm medo de formigas”.
A obra que sai pelo selo independente “Edições é da hora” tem como personagens principais Tião, Joana e Pedro, traz uma metáfora entre as classes sociais, gênero, racismo, homofobia e discute temas como violência policial e do Estado.
Para Marah Mends, que integra um coletivo de arte marginal há seis anos e organiza saraus mensais junto às pessoas em situação de rua e em centros de acolhida, a obra é um grito de resistência que aborda as desigualdades sociais e ela teve como inspiração as escolas, as unidades da Fundação Casa, os presídios e o povo de rua. É também, para esse público, sobretudo, que ela escreveu. Cerca de 70% dos exemplares serão doados a escolas públicas, presídios e unidades da Fundação Casa, além de bibliotecas públicas, comunitárias e centros de acolhida.
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Questionada sobre a destruição, especialmente em centros de acolhida, Marah explica: “Frequento, mensalmente, há mais de seis anos os centros de acolhida fazendo as ações dos saraus. Há um grande público dentro dos centros de acolhida que curte à beça ler e em todo sarau, perguntam se a gente tem livro para dar pra eles. Doar os livros lá é para incentivar a leitura, motivar a leitura, facilitar a leitura. Mas também é para fazer viajar, descontrair, rir, chorar, xingar, criticar, passar o tempo. Quem vive em centro de acolhida é como viver em uma prisão semiaberta. Um mundo cheio de regras muitos particulares. Há muita solidão nisso. O livro é um companheiro. Ler é libertação…”.
Ainda de acordo com a autora, a temática do romance dialoga com o que vivem as pessoas que estão em situação de rua. “O romance traz à tona lixos culturais que precisam diariamente de diálogo para serem desconstruídos: o racismo, a homofobia, a transfobia, o machismo, a guerra, o abandono, o desrespeito. Protagoniza gente da gente, as formigas na sociedade, que lutam ideologicamente – às vezes, sem saber – contra a covardia dos elefantes privilegiados. O livro trata também da importância da ancestralidade, do estudo como estudo, pra causar reflexão”, destacou Marah.
A entrega dos exemplares será feita pessoalmente pela autora, que pretende visitar oito escolas da rede pública de ensino da cidade de Arujá (SP), entre elas a Edir Paulino, onde ela estudou. Já nas unidades de segurança pública, a entrega será combinada com a ajuda do coletivo Poetas do Tietê.
Processo criativo e temática
Este é o terceiro romance da autora, que já lançou “O povo de rua resiste” e “Amarguras de uma paixão”, e foi escrito aos poucos, sendo engavetado, relido e reescrito. Na estética, traz diálogos ágeis e linguagem simples, direta. Ela explica a escolha: “me agrada a simplicidade das intenções, dos diálogos, da poética que é possível tirar de uma borboleta que boa. A linguagem informal está no meu cotidiano pessoal, social e no cotidiano da maioria das pessoas que seguem comigo. Nesta simplicidade, é possível se fazer entender, aguçar, inquietar e eu gosto quando é assim na escrita. Meu processo criativo segue essa estrada. Talvez seja uma característica”, disse.
Indagada sobre os temas que envolvem o romance, Marah afirma que se devem às estatísticas, sobretudo relacionadas ao racismo, no Brasil. “É um dos países mais racistas do mundo. Não é à toa que foi o último da América do Sul a ‘abolir a escravidão’, mas o pulso ainda sangra, a ferida ainda está aberta. Também é o país onde mais se mata pessoas LGBTs (uma a cada 19 horas). Apesar de todas as outras pautas que podem ser discutidas para compor a dramaticidade de um romance, a ideia ainda é causar reflexão e também dialogar através da escrita sobre este tema, especialmente nas escolas, prisões e centros de acolhida”, contou.
Marah revela também que abordar tais temas foi um desafio que ela mesma se colocou enquanto escritora e ser humano. As questões raciais e de gênero têm sido uma constante nos saraus que participo e aprendo ouvindo, observando, conversando, compartilhando. O que me inspirou a escrever sobre questões de gênero foi a convivência em saraus com as mulheres trans da Casa Florescer – um centro de acolhida para mulheres trans em situação de vulnerabilidade social. Qual é a cor da maioria dos prisoneiros e prisioneiras? Qual é a cor da maioria das pessoas que dormem nas calçadas? Não é mi mi mi. São estatísticas, a desigualdade tá aí na nossa cara. E na escrita vai ter também”, completou.