Refugiado sírio resgata gastronomia árabe em Pinheiros

Gastronomia para mim sempre foi um modo de confraternização, um momento sagrado

A sabedoria milenar da cozinha árabe foi o que garantiu ao sírio Bassem Koussa a chance de recomeçar a vida em São Paulo. Aos 32 anos, 7 deles no Brasil, o jovem chegou no Aeroporto Internacional de Guarulhos com apenas R$ 100 no bolso e as incertezas na condição de refugiado.

Formado em arquitetura, Koussa encontrou nos segredos da gastronomia síria o caminho para a sua reconstrução pessoal.

Dos dias em que observava sua mãe preparando pratos para festas de casamento na pequena vila de Ain Hilaquim até se tornar imigrante no Brasil, o jovem sírio combinou dois elementos indispensáveis para sobreviver na maior cidade da América do Sul: ensinamentos familiares e a paixão pela cozinha. “A gastronomia significa muita coisa na minha vida. Para qualquer árabe. Em nossa cultura comida reúne família. Raramente um homem árabe não sabe cozinhar. Mas no meu caso é diferente porque tenho paixão pela cozinha. E minha mãe sempre cozinhou muito bem. Faz um kibe assado na brasa, que é a especialidade dela. Todo mundo na minha vila convidava ela para as festas por causa dessa receita. Não tem igual. Quando a via na cozinha me dava muita vontade ser igual a ela. Ela é meu exemplo. ”

No Brasil desde 2015, Bassem Koussa amplia o restaurante Zingo & Ringo e aposta numa equipe formada por refugiados sírios e palestinos – Divulgação

Dividido entre a esperança de uma nova vida longe da guerra e a saudade da família e dos amigos, Koussa recorda o misto de sentimentos que viveu ao pisar no Brasil pela primeira vez em quinta-feira fria e chuvosa de setembro de 2015. “Estava muito feliz por finalmente chegar ao Brasil. Um lugar onde não sinto medo de bombas ou de perder gente. Conquistei minha independência.  Ao mesmo tempo senti medo, tristeza, do que poderia passar. Da fome, da dificuldade de trabalhar, aprender uma nova língua. Tristeza por deixar família, amigos, trabalho. Cheguei praticamente do zero. E em São Paulo se você não tem dinheiro vai parar na rua. ”

Sem saber português, sem emprego e lugar para viver, juntou as primeiras economias trabalhando em eventos de gastronomia árabe e outros bicos que apareciam. Suficiente para pagar os primeiros meses de aluguel e se adaptar à correria da rotina paulistana. “A importância da cozinha pra minha vida no brasil foi fundamental. E trabalhar na cozinha é uma coisa que me agrada muito. Vou para a cozinha quando quero relaxar. ”

Zingo & Ringo 

Após quatro anos vivendo no Brasil e com algum dinheiro, Bassem conseguiu alugar um pequeno espaço na Rua Fradique Coutinho em sociedade com um amigo. Juntos, abriram em 2019 o restaurante Zingo & Ringo, recriando receitas e a tradição de uma gastronomia enraizada na confraternização. A parceria não seguiu nos meses seguintes, mas Koussa manteve o estabelecimento funcionando até o início da quarentena. Adaptado à nova realidade, passou a oferecer os pratos por delivery e, mesmo com todos os percalços, sobreviveu à pior crise econômica dos últimos anos.

Gastronomia para mim sempre foi m modo de confraternização, um momento sagrado. As receitas e toda a minha experiência vêm de minha mãe – Divulgação

Com a reabertura gradual da economia, e retomada do movimento no restaurante, o jovem sírio resolveu apostar em um novo capítulo de sua história. Do modesto comércio na Vila Madalena levou Zingo & Ringo para um dos pontos mais disputados da cena gastronômica de São Paulo, a Rua dos Pinheiros, no número 537.

Em um espaço mais amplo, moderno e com decoração inspirada na estética síria, Koussa retomou as lições das aulas de arquitetura para emprestar elementos industriais como concreto e metais, tradicionais na cultura árabe, ao novo restaurante. Destaque para os lustres de vidraçaria e cobre que dão um visual contemporâneo ao lugar.

Com boa parte da equipe formada por sírios e palestinos, o cozinheiro ressalta que sua prioridade é, além de abrir as portas para refugiados, não repetir as condições a que foi submetido quando chegou ao Brasil.  “Tento fazer o meu máximo pra ajudá-los porque passei o que eles estão passando. Principalmente quando acaba de chegar. Então, faço o máximo possível para contratá-los. E tento evitar que eles passem o que passei. Trabalhar sem registro, horas extras não pagas, muita coisa que sofri e não aceito que vivam isso no meu restaurante. ”

Atualmente, cerca de 4 mil sírios vivem no Brasil segundo levantamento divulgado pela ONU  – Divulgação

Arte e aulas para refugiados

No auge dos 32 anos, Koussa coleciona experiências e jornadas que também fazem dele um nômade por convicção. Arquiteto, voluntário da ONU e hoje à frente da cozinha de seu restaurante, não gosta de rotina, nem quer um trabalho fixo e ressalta não haver limite para os seus sonhos. Para o futuro, que também é presente para quem tem pressa de viver, o jovem refugiado ressalta a importância do apoio a sírios e libaneses. “No espaço novo criei um espaço, uma galeria para apoiar refugiados que tiram fotos, são artistas. Comecei com uma refugiada síria, Yara Ozman, que vive em Florianópolis. Ela viajou para Síria e fez muitas fotos, que imprimi e exponho nesse cantinho. Coloco os quadros para a venda e reverto o valor para o artista. Assim consigo dar apoio financeiro. To pensando em fazer uma parceria com uma escola pra gente abrir aulas de português grátis pra refugiados e aulas de árabe, com professores refugiados que consigam se comunicar um pouco em português”.

Sabores e aromas

Com um cardápio generoso, Zingo & Ringo tem como carro chefe o Fattah em três opções – carne, frango e falafel; um prato tradicional da cozinha árabe para ocasiões festivas que mistura castanhas, grão de bico, coalhada, tahine, zaatar e pão sírio (R$ 49,90). Outros  destaques são: Kebab de Shawarma – peito de frango assado na chapa, cortado em cubos e enrolado no pão sírio com alface, tomate, picles e molho de alho (R$ 27,99);  Kebab de Falafel – bolinhas de falafel , alface, tomate, pepino, picles e molho de tahine enrolados no pão sírio – vegano (R$ 24,99). Outra opção tradicional bem executada é o Kibe assado na brasa recheado com carne, nozes e temperos sírios, de proporção generosa é servido com batata rustica e tabule (R$ 49,99).

Kibe assado na brasa, inspirado na tradicional receita familiar de Koussa – Divulgação
Créditos: Photographer: Marcio Shaffer
Kibe assado na brasa, inspirado na tradicional receita familiar de Koussa – Divulgação

A casa ainda oferece saborosas porções de hummos, falafel, baba ghanush e coalhada seca além de uma generosa variedade de esfihas (R$ 9,99).

Fechando o cardápio o restaurante apresenta um irresistível menu de sobremesas com ingredientes delicadamente manuseados. Entre as opções imperdíveis estão: Atayef de Nata – pequenas panquecas recheadas de nata e umedecidas com calda de açucar, limão e água de rosas (R$ 17,99); Noites do Líbano – pudim de sêmola coberto com nata, chantilly e castanhas (R$ 17,99); Halawi de Queijo – charuto de semolina, mozarela e água de flor de laranjeira com recheio de creme de leite, castanhas e calda de açúcar (R$ 16,99).

Para conhecer um pouco mais sobre o restaurante, acesse a página do restaurante no Instagram.