Sebrae e MP capacitam vítimas de violência doméstica
"A proposta não é abordar a violência, mas falar de solução e de autonomia às mulheres", afirma a promotora Fabíola Sucasas
A capacitação profissional e o empreendedorismo são fortes aliados na conquista da autonomia financeira pelas mulheres. No caso daquelas que são vítimas de violência doméstica, isso pode ajudá-las a romper o ciclo de abusos e agressões ao ter possibilidades de sair de casa ou denunciar o parceiro. Foi a partir dessas premissas que o Ministério Público de São Paulo se uniu ao Sebrae-SP para traçar um projeto com foco na rede de enfrentamento desses casos por meio da oferta de oportunidades.
O convênio do MP com o Sebrae surgiu em 2017, a partir das demandas de um projeto criado pela promotora de Justiça Fabíola Sucasas na área da saúde, intitulado PVDESF – Prevenção da Violência com a Estratégia de Saúde da Família. “Esta parceria surgiu vislumbrando o fomento e o aprimoramento dessa rede de enfrentamento já existente, fazendo o Sebrae como um braço importante para oferecer meios com os quais as mulheres possam sair do ciclo de violência”, afirmou a promotora, em entrevista à Catraca Livre.
De acordo com Sucasas, a violência doméstica não é só considerada uma violação aos direitos humanos, mas também um sério problema de saúde de médio e longo prazo, e isso, por sua vez, acarreta um obstáculo ao desenvolvimento social e econômico, seja porque as mulheres perdem dias de trabalho, são impedidas de ter um emprego ou por outros motivos que reduzem seus ganhos em até 15% em consequência dos abusos.
- Projeto forma vítimas de violência doméstica para trabalhar na construção civil
- Governo lança programa para mulheres cadastradas no CadÚnico
- Inscrições abertas para capacitação do protocolo “Não se Cale”
- Mulheres vítimas de violência doméstica ganham prioridade no Bolsa Família
“A desigualdade está atrelada à violência de gênero no cenário econômico. E a violência doméstica atinge pessoas que têm ou não condições financeiras e que são ou não empreendedoras”, enfatiza a promotora.
O projeto
Para atingir o objetivo central do projeto, as duas instituições começaram a promover uma série de atividades para dar vazão a informações já disponibilizadas pelo Sebrae, mas, desta vez, com foco na mulher.
A primeira medida foi incluir um capítulo sobre empreendedorismo feminino na cartilha distribuída gratuitamente por agentes da saúde vinculados ao PVDESF. No material, é abordada a independência financeira, a capacitação e gestão de negócios e ofertas de cursos técnicos. Também são destacados os endereços de todos os postos de atendimento e escritórios do Sebrae para que as mulheres possam obter mais informações. Até o momento, já foram distribuídas mais de 55 mil cartilhas — disponíveis, ainda, em inglês, espanhol e francês para as imigrantes.
O segundo passo foi criar grupos específicos de mulheres para receberem cursos de capacitação. A iniciativa ainda está em fase de desenvolvimento, pois é preciso entender a rede de enfrentamento e suas demandas específicas. Como o Sebrae já tinha o curso Super MEI, os responsáveis pelo projeto organizaram uma turma apenas com cerca de 30 mulheres e ofereceram a elas cursos técnicos. “As participantes deste grupo, em 2018, fizeram cursos de salgaderia e chocolateria na região central da capital paulista. Também oferecemos eventos na região de Perus e Guaianases.”
Aos poucos, a união dos órgãos tem evoluído, o que culminou na criação do programa Mil Mulheres, lançado pelo Sebrae em 2019, que tem a promotora Fabíola Sucasas como embaixadora, ao lado da ex-modelo e empresária Luiza Brunet e da confeiteira e empreendedora Desirée Mendes. A iniciativa, totalmente gratuita, foi pensada para capacitar mulheres em situação de vulnerabilidade social. Com duração de cinco dias, o curso aborda temas como gestão, empreendedorismo, empoderamento feminino e negócios de impacto social. O projeto, que está em uma fase de aceleração, já impactou mais de 2.000 mulheres. Para participar, elas devem se inscrever por meio de links criados pelas instituições locais parceiras.
“A proposta não é abordar a violência, mas falar de solução e autonomia às mulheres, e, por isso, elas saem bem confiantes”, explica.
Os próximos passos da parceria entre o Ministério Público e o Sebrae são ampliar a disseminação das informações das cartilhas em determinadas regiões, onde serão feitas capacitações técnicas territorializadas, aumentando o número de atingidas.
Empreender como forma de autonomia
Segundo a promotora, o enfrentamento da violência de gênero se estende por quatro pilares: assistência à mulher, prevenção da violência, proteção à vítima e repressão das situações de agressão e abuso.
“O fato é que não há pilar que sustente esse combate à desigualdade de gênero se não pensarmos em oportunidades para que elas, no mínimo, passem a ser empreendedoras de suas próprias vidas. Ou seja, enquanto elas não se entenderem como capazes de sair do ciclo de violência, o passo a ser dado será muito mais difícil”, explica.
E por que o empreendedorismo é importante nesse cenário? Para Ana Fontes, fundadora da Rede Mulher Empreendedora, é o momento em que a mulher tem a chance de criar um negócio que faça sentido e de ganhar independência financeira.
“Quando ela é dona do próprio dinheiro e tem controle sobre suas finanças, a chance de se manter em um círculo de violência diminui absurdamente, pois passa a não depender mais do companheiro”, ressalta Ana Fontes.
Fabíola Sucasas diz que o empreendedorismo tem um primeiro viés, que é político, uma vez que está ligado à autonomia e conquista por espaços. O segundo viés é o fato de estar vinculado ao próprio planejamento que a mulher precisa estabelecer para uma mudança em sua vida. “Até que ponto ela vai ganhar essa autonomia financeira se não tem um planejamento?”, afirma.
A capacitação para o empreendedorismo trata da necessidade do planejamento, de foco e de objetividade. Por isso esse primeiro viés vai mexer com o olhar das potencialidades próprias de cada mulher na construção de uma autonomia em sua vida.
O outro viés busca trazer oportunidades para que elas desenvolvam e gerem seus negócios, para que possam acessar cursos de ferramentas e planejamento e para que tenham orientação sobre como desenvolver suas ideias e formalizar pequenos empreendimentos.
A promotora enfatiza que tudo relacionado ao enfrentamento da violência doméstica é um processo. “O empreendedorismo e a autonomia financeira também estão dentro de um planejamento, assim como a vítima vai precisar ter uma rede de apoio para encontrar o lugar para morar e sair do ciclo de violência”, finaliza.
Campanha #ElaNãoPediu
Nenhuma mulher “pede” para apanhar. A culpa nunca é da vítima. A campanha #ElaNãoPediu, da Catraca Livre, tem como objetivo fortalecer o enfrentamento da violência doméstica no Brasil, por meio de conteúdos e também ao facilitar o acesso à rede de apoio existente, potencializando iniciativas reconhecidas. Conheça a nossa plataforma exclusiva.