Surge a ELÁSTICA, jornalismo sem parcimônia e fora do lugar do comum

Propondo liberdade para o jornalismo e para a arte, site busca um olhar fresco e subversivo para temáticas sociais contemporâneas

Em um mundo que se reinventa e ressignifica o exercício do diálogo a cada instante, comunicar é um ato de constante transformação. E qual o papel do jornalismo nessa história ? Ainda que a pergunta sugira inesgotáveis respostas, talvez a mais assertiva delas seja “refletir a sociedade cheia de questões que enfrentamos hoje”.

O palpite é do jornalista Artur Tavares, editor-chefe da Elástica, projeto que nasce para revelar o mundo dos anos 20 no século 21.

Que surge da urgência de se falar sobre arte, política, tecnologia, psicodelia, sexo e espiritualidade, com a importância e a profundidade que os temas exigem. Sobretudo no obscurantismo do Brasil de 1964. “Tratar tudo pela média e com parcimônia rouba parte do colorido das coisas. Os temas importantes não podem ser abordados em tons pastéis.”

”Tratar tudo pela média e com parcimônia rouba parte do colorido das coisas. Os temas importantes não podem ser abordados em tons pastéis.”

Ele explica que Elástica se propõe a fazer um jornalismo fora do comum, partindo da criação de uma nova linguagem e identidade visual, na busca por análises mais consistentes dos fatos. Do que acontece no Brasil e no mundo. “Nesse primeiro momento vamos olhar para o estado da nossa sociedade. Para o que são essas chamadas populações marginais, à margem, que se for pegar índices de censos (pesquisa para calcular populações), a gente percebe que essas minorias não são minorias, né ? E que tão, aí, submetidas a esse recorte, retrato histórico, sendo que são essas minorias que, de fato, são a engrenagem. E é isso que a gente vem mostrar, trazer histórias de pessoas, que nas suas  mais diversas áreas, fazem acontecer. Que estão buscando um caminho melhor, uma sociedade mais igual, mais justa, mais agradável de se viver.”

Ainda de acordo com Tavares, a vocação da Elástica está na construção de um jornalismo afetivo, que acolhe os leitores e cria um sentimento de pertencimento aos assuntos em questão. “Buscamos reunir essa comunidade que se identifica com aquilo que a gente escreve, retrata na arte, aproximar essa relação entre o leitor e o veículo de imprensa. O principal naõ é só a linguagem em si do site, como ele é feito, mas essa persona que o site tem. de conversar com os leitores, de ser carinhoso, tratar as pessoas com afeto, os personagens, isso é o principal dessa experiencia que tem sido a Elástica.”

Para dar voz à sociedade dos anos 20 no século 21, Tavares enfatiza que a inspiração vem da própria equipe que compõe o projeto. “A gente partiu de uma ideia que é: como transmitir o que a sociedade vive hoje. O que ela anseia. o que toca as pessoas. E olhando pra dentro da nossa equipe, nas nossas conversas, nós percebemos que cada um de nós é uma pessoa diferente. Tem gostos diferentes, pratica coisas diferentes, espiritualidades diferentes, sexualidades. Então, criar esse recorte, na verdade, foi ouvir cada um da equipe para ter uma base confortável pra falar sobre os assuntos. A formula é ouvir o que elas tem a dizer. Cada um tem sua história de vida, onde ela se insere em um lugar específico. Seja a psicodelia, a espiritualidade, a gastronomia, e nisso vai ter alguma história importante pra alguém.”

À margem, sim. Minoria jamais

Falar de pessoas consideradas à margem envolve um grande peso, destaca Tavares. Justamente por abordar a rotina de uma maioria que não encontra lugar na imprensa brasileira. “Nós começamos a trabalhar na revista em novembro do ano passado. E a gente não imaginava que aconteceria uma pandemia ou que surgiriam essas eferverscências contra o racismo o fascismo. E de repente o que era um sonho nosso, na tentativa de dar voz, e eu nem gosto de desse termo dar voz, porque eles sempre tiveram voz, se tornou o momento ideal para isso. Era uma reflexão que a gente fazia lá atrás, sobre como abrir espaços para essas pessoas que são muito ricas intelectualmente em suas vidas. Para que expusessem isso, seus entornos, e o que era uma ideia, virou uma necessidade nesse momento. As reações estão aí para quem ver. mas como fazer isso de maneira responsável ?”.

“Dizem que o país é conservador, mas não entendemos a maioria com uma única identidade sexual ou religiosa. Desde seu nascimento, a Elástica trata de pessoas que são consideradas à margem como fundamentais para a compreensão do mundo que vivemos”, diz Artur.

Para ele, uma forma de encontrar este caminho é dando protagonismo a esses lugares e abrir espaço para seus repórteres, fotógrafos e artistas. “Adianta pouco a gente dizer que vai abrir espaço, permitir a voz, só que, aí, vou eu lá no movimento negro falar alguma coisa. Eu sou branco, não moro na periferia. Que autoridade eu teria ? Quando o periférico, o LGBT, o negro, deixarem de ser apenas fonte, aí, sim, terão a representatividade preenchida. Quando se tornarem agentes do próprio discurso e esse é o ponto principal da construção responsável e verdadeira do conteúdo.”

Quebrando paradigmas

Ao refletir sobre como mercado de trabalho é ocupado, Tavares chama atenção para a quebra da zona de conforto. E que, para mudar o cenário excludente da área de comunicação, é necessário um esforço de construção coletiva. A começar por si mesmo. “Estamos aprendendo também a responsabilidade sobre o que é fazer a coisa certa. Existem diversos exemplos, como no Washington Post, que pratica um modelo de ‘5050’, dividido entre homens e mulheres que produzem conteúdos. Para isso, levam em conta metrificações constantes que visam manter a igualdade de gênero. A gente tem que se policiar em nossas escolhas para conseguir quebrar o monopólio do profissional formado na faculdade, que que fica 15 anos numa redação e que tem a vida estabelecida. São essas questões de atenção. Na verdade, as experiências que tivemos com nossos colaboradores, as agências É Nóis aqui de São Paulo, e o Data_Labe, lá do Rio, que traz notícias da Maré, são as melhores possíveis. Textos impecáveis, feitos por jovens, que tem garra pra fazer a coisa e quer mostrar seus trabalhos. E o principal: tem verdade nos textos, porque eles vivem aquilo. Então, fazer esse movimento de transição de quem você tá pautando, investindo na economia colaborativa, criativa, é muito gratificante. Eu estou lendo coisa nova, não estou lendo meus amigos, jornalistas que já conheço, são jornalistas com uma visão nova. É muito gratificante e, ao mesmo tempo, tão simples. Basta mudar o mindset para saber que tem gente boa em qualquer lugar. E tem gente que precisa muito para mostrar que é boa. Quem não tem ‘quem indica’, mas tá batalhando.”

Jornalismo como arte e vice-versa

Um dos principais artifícios da Elástica está na linguagem visual e sua liberdade criativa. Tavares lembra a importância do fomento artístico para a sua proposta e cita o histórico semanário O Pasquim, criado em 1969 pelo cartunista Jaguar, que tinha como principal arma a transgressão gráfica: munida de humor, criatividade e muito sarcasmo para enfrentar os duros dias de ditadura.  “O jornalismo tem a história de se relacionar com a arte. A comunicação não é só a palavra. Uma boa manchete de jornal só é muito boa se tem uma foto incrível junto da notícia. Enquanto a publicidade precisa de imagens pra vender seus produtos. Antigamente, num tempo nem tão distante, a gente tinha grandes fotógrafos, cartunistas, a exemplo do Pasquim, e tudo isso é uma lição que fica. O fomento artístico é importante pra nós, ainda mais nesse mundo virtual, quando temos uma tela na nossa cara 24 horas por dia. É ótimo poder  fazer isso, ter liberdade de chamar ilustradores que a gente gosta, fotógrafos, videomakers e permitir que eles façam seus trabalhos. Ainda mais agora, em tempos de pandemia, é muito importante fazer o mercado girar, manter vários profissionais trabalhando e produzindo de maneira tão frutífera.”

“Pensamos em um fotógrafo ou ilustrador que de alguma forma se conecte com o tema e o convidamos para criar junto, é uma forma de valorizar e gerar uma sinergia criativa”, explica Kareen, diretora de arte da Elástica.

A diretora de arte da revista, Kareen Sayuri, tem um longo currículo à frente de projetos editoriais como as revistas Menú e Playboy.

Apesar disso, é a primeira vez que assume a direção de arte de um projeto inteiramente virtual. Diante do inédito desafio, ela destaca sua fascinação pela entrega da informação como o grande impulso para a criação artística. “O design editorial entrega a informação da melhor forma possível. E eu tenho uma fascinação com isso: como informar, como entrega aquele texto ou ilustrar aquilo. O design vem pra alinhar isso. O que a gente mais pensa são as hierarquias da informação.”

Liberdade e sentimento são dois aspectos indispensáveis para a elaboração do projeto gráfico da revista. Para isso, Kareen explica que pensou em uma proposta onde o comum não tem espaço. “A gente pensou em algo que fosse pensado além do básico, do que todo mundo entrega. Como a gente não é um site de notícia quente, conseguimos diferenciar. Ter mais tempo e liberdade para usar a nosso favor. Uma das coisas que se destaca na arte em si é algum sentimento. Sempre procuramos algo que cause algum tipo de sentimento. Pode ser estranheza, risada, se sentir desconfortável. Algo de humor, meio ácido às vezes e coisas incomuns. Além disso, queremos dar espaço a pessoas trans, gordas, indianas, chinesas, coreanas e negras, claro, que estão fora do padrão comum de beleza. Na Elástica, a gente não tem espaço pro comum. Não faz sentido no que a gente quer falar.”

Kareen reflete que Elástica ocupa lugares incomuns, abrindo caminhos para novas fronteiras de um jornalismo ainda hoje pouco habitado. “Cansamos desse jornalismo que vem de um olhar de cima. E esse é o problema. Ele não evoluiu, continua sendo feito por homens mais velhos, héteros, que vem de condições melhores. É por isso que hoje temos tantos influenciadores, porque você quer entrar no Instagram e se identificar com isso de alguma forma. Se sentir confortável e o jornalismo pecou nisso. No sentido de que são sempre as mesmas pessoas. E dentro dessa mudança que a gente pensa entra o desejo de fazer algo mais democrático, mais livre, e fazer com que as pessoas se identifiquem. E a forma que a gente pensa pra arte também sai desse lugar. Não dá pra ter espaço pro heteronormativo. Nossa ideia é tornar as coisas comuns dentro de uma identificação pra quem quer que seja.”