“O pixo é o que tem de mais conceitual na arte contemporânea”

Entrevistamos Cripta Djan, o pixador mais influente (e fluente) da cidade, para entender o que o movimento do pixo (com X mesmo) pensa sobre arte, política e a diferença entre pixação e grafite

Por: Felipe Blumen

“Acho íntegro o cara que tem um trabalho na rua ter também um trabalho no mercado da arte. Mas o grande erro dos grafiteiros não foi quando o grafite entrou para o circuito das galerias, foi quando eles fizeram o contrário, transformaram a rua em galeria. Foi quando eles começaram a ganhar para pintar na rua. Aí você tá abrindo mão do que legitima seu trabalho, que é pintar na rua de forma ilegal, transgressora. É por isso que o que tem de mais conceitual na arte contemporânea hoje é o pixo.”

Quem explica isso é Ivson Silva, mais conhecido como Djan Ivson, ou como Cripta Djan, o homem que, aos 20 anos, já era um dos pixadores mais conhecidos da cidade. E é em seu local de trabalho em que ele me recebe para falar sobre pixação, grafite, políticas públicas, arte, transgressão, mercado, dinheiro, futuro e mais algumas coisas.

Durante a conversa, Djan se posiciona contra a iniciativa da Prefeitura de São Paulo de convidar grafiteiros para formar uma espécie de política pública do grafite; defende a entrada da arte de rua no mercado da arte, mas critica os grafiteiros que se apropriam da linguagem do pixo; e conta como uma guerra de egos entre pixadores se transformou na arte transgressora mais conceitual do século 21 – podendo virar também a mais politizada.

Confira a entrevista.

Catraca Livre: O que é o pixo em São Paulo hoje?

Djan Ivson: A maioria dos moleques ainda quer ser pixador. Na minha época, tinha que ralar mais, colocar o seu nome em todos os lugares. Hoje tá mais tranquilo. Ainda tem um choque de geração, mas não tem mais agressão, violência entre os pixadores. A morte dos nossos amigos nos uniu bastante, amadureceu o movimento. Essa geração é mais madura, tem mais conhecimento, tem internet para se politizar. Ainda é pouco, mas o caminho é esse. Já passamos da fase da violência e da fase da disputa de espaço. Agora é um momento novo, do pixador politizado. Esse é o futuro do pixo. Se for para sair na rua, é para fazer alguma ação coletiva, que vai ter repercussão. Mas a polícia tá com um procedimento cada vez mais violento com a gente.

Criar um diálogo com a prefeitura não é uma forma de evitar essa repressão violenta?

Não tem como evitar. A gente tá sujeito em todo rolê. Saiu de casa com tinta, tá sujeito. Por isso que hoje em dia é só protesto, porque pelo menos vamos estar correndo risco por algo que vai fazer barulho, em prol de alguma coisa. Não tem mais brincadeira, porque numa dessas você pode ficar lá preso. A polícia está forjando formação de quadrilha, furto. Os meninos são pegos pixando e assinam 157.

Então o que você pensa dessa iniciativa da Prefeitura, de criar uma comissão com os grafiteiros para evitar esses casos?

É uma bosta. Correr com o poder público é abrir mão da sua liberdade. Não vejo isso como conquista, você pintar num espaço que foi determinado pra você pintar. Os grafiteiros, infelizmente, transformaram o grafite em um emprego. Eles não estão preocupados com conceito, não têm nenhum discurso político. O trabalho dos caras é decorativo. Eles querem criar assumidamente o antídoto do pixo.

O grafite como antídoto institucional do pixo?

Depois que nós atacamos a Belas Artes, a Choque Cultural disse que não tinha preconceito com nenhum tipo de expressão urbana. Aí a gente descobriu que eles estavam vendendo uns quadros com a estética do pixo, usando grafiteiros que pagavam de pixador, mas que nunca pixaram. Aí o Rafael [confira o box “Os ataques: Belas Artes”] falou “Se o cara tá gozando com nosso pau, vamos dá uma batida lá”. Nós pixamos o muro do cara e ele chamou a polícia. Aí é fácil, né? “Pixação é legal, mas não no meu muro.” O Rafael desmascarou a Belas Artes e depois ele desmascarou a Choque Cultural. Ele virou pra mim e falou: “O grafite virou um antídoto contra a pixação, Djan. É a cura do pixo!”.

Qual o papel dos grafiteiros nisso?

Eles não querem ser o antídoto, mas acabam sendo e não tão nem aí. Eles querem ganhar o deles e ponto. Eles acham que é conquista, mas não é, porque os caras só vão atrás deles quando é do interesse, quando não é do interesse eles são presos igual a gente. Vai lá pintar o muro sem autorização, você vai ser tratado que nem nós. Os caras se acomodaram, eles não querem correr risco. Eles querem pagar de transgressor, mas mas pintando seguramente. Eu não sou contra ninguém ganhar dinheiro com arte, mas tem que ser com o que você faz de verdade, e não com o que você fala que faz.

Como é a relação dos grafiteiros e pixadores hoje?

Até essa época dos ataques a gente se dava muito bem. Mas, nós desmascaramos a academia, a galeria e faltava a rua, faltavam os grafiteiros. Nós queríamos atropelar tudo que fosse autorizado e financiado. Não tem como você correr com a polícia e com o crime, você tem que se decidir. Os caras corriam com o Estado e queriam ficar correndo com a rua? O Estado combate a rua, irmão. Nossos interesses entraram em conflito. Por isso a gente separou o joio do trigo, rachou de vez.

Mas, assim como os grafiteiros, hoje você ganha a vida no mercado da arte. Como é isso?

Eu faço telas que refletem o que eu faço na rua, mas com uma roupagem apropriada para o mercado. É um desafio, uma forma de estar invadindo, como foi entrar na arte contemporânea. A ideia é valorizar o pixo e eu espero que meu trabalho abra as portas para os pixadores no mercado da arte. Porque, olha só, o pixador não vai trabalhar com o poder público na rua. O grande erro dos grafiteiros não foi entrar para o circuito das galerias, foi quando eles fizeram o contrário, transformaram a rua em galeria. Foi quando eles começaram a ganhar para pintar na rua. E aí você tá abrindo mão do que legitima seu trabalho, que é pintar na rua de forma ilegal, transgressora.

Na ilustração, os ataques à Choque Cultural (no topo) e à Bienal. Clique na imagem e leia a reportagem em quadrinhos feita por Alexandre De Maio e Carloscarlos.
Na ilustração, os ataques à Choque Cultural (no topo) e à Bienal. Clique na imagem e leia a reportagem em quadrinhos feita por Alexandre De Maio e Carloscarlos.

Você não pretende expor em galeria, então.

Pretendo fazer exposições, mas não em galeria. Talvez numa ocupação, numa residência artística. Por enquanto eu tô vendendo só para colecionadores. Eu quero levar o pixo ao nível de arte erudita. É isso, sabe. É isso o que a gente tá fazendo desde 2008. A gente tá elevando o papel do pixo, cravando o pixo na história do reconhecimento humano organizado.

E se você conseguir fazer isso, o que pode render?

Minha meta é ajudar o pixo. Fazer vídeo, organizar manifestação. Se eu chegar na condição financeira que Osgemeos tem hoje, por exemplo, vai dar para cuidar tanto da minha família quanto do movimento. Minha ideia é criar uma espécie de ONG. Usar o pixo para introduzir o pixador no conhecimento político, filosófico e artístico. As vezes o cara tem vocação para outras coisas da arte. Eu tô cansado de ver só playboy nesses meios, quero ver os manos da favela também. Assim nós teremos vários Djans e Rafaéis. É isso que eu quero, tá ligado.