Em atividade sobre igualdade, crianças aconselham Emily do BBB
A Escola de Ser, de Goiás, foi reconhecida pelo UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) como instituição pioneira ao trabalhar a desconstrução dos estereótipos de “feminino” e “masculino” na infância e promover uma educação que prioriza a equidade de gênero.
Em seu projeto pedagógico, a escola se preocupa em transmitir para crianças a partir dos seis anos a importância de uma nova sensibilidade que estimule e reconstrua a igualdade perdida entre meninos e meninas – clique aqui para ler a nossa reportagem completa sobre a instituição.
Uma das diretrizes da escola é colocar a criança em um papel protagonista, portanto, as atividades são planejadas não somente para, mas com elas. E todas consideram o contexto real em que as crianças vivem, aproveitando pautas urgentes e sensíveis.
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Esta semana, durante uma atividade sobre desigualdade de gênero, foi proposta às crianças uma assembleia para discutir o próximo tema a ser discutido. Eis que os pequenos sugeriram um dos assuntos mais presentes nas redes sociais nos últimos dias: o relacionamento potencialmente abusivo de Marcos e Emily, integrantes do Big Brother Brasil 2017. Então, veio o desafio: como os professores poderiam reverter a negatividade do assunto – que, de uma forma ou de outra – , chega até as crianças, a favor da educação?
Entenda o caso – Depois de uma discussão entre o casal Marcos e Emily, foi levantada a hipótese de violência doméstica. A Polícia Civil do Rio de Janeiro instaurou um inquérito sobre o caso e foi convocada para avaliar pessoalmente se houve agressão física. Após constatada a lesão corporal, a produção do programa decidiu pela expulsão de Marcos do reality, na noite de segunda-feira, 10.
A atividade foi a seguinte: a partir de algumas questões elaboradas pela professora, os alunos – com idades entre sete e 12 anos – deveriam simular uma conversa sobre igualdade e aconselhar os dois participantes. Com isso, a proposta é incentivar uma reflexão sobre a violência psicológica e física e também o questionamento do modelo abusivo de relacionamento.
“BBB claramente não é um programa para crianças. Mesmo que não queiramos assistir BBB, as notícias sobre os acontecimentos da “casa” aparecem o tempo todo em outras mídias: Facebook, Instagram. As inserções diárias sobre o BBB em outros horários da programação da Globo são constantes, de modo que, mesmo o mais desligado dos espectadores acaba tendo contato com as notícias envolvendo os participantes. Embora a qualidade do programa seja questionável, é possível que as escolas e as famílias revertam essas informações em abordagens positivas com crianças e adolescentes, fazendo-os analisarem as situações, desconstruírem modelos não saudáveis de relações e construírem novas possibilidades de serem e se relacionarem num ambiente não machista”, explica a psicóloga e coordenadora pedagógica da Escola, Nathalia Borges.
Entre as respostas, apareceram posicionamentos sensíveis, empáticos e maduros de seres em formação em relação às disparidades de gênero e os papéis sociais do homem e da mulher. Confira algumas:
- Para Marcos:
“Isso que você fez foi muito errado, e não vai levar a lugar nenhum” – Guilherme, 12 anos
“Olha, você pode ser um cirurgião plástico, mas você não manda em ninguém” – Michele, 8 anos
“Não é possível, um homem crescido devia saber que isso é extremamente proibido” – Karol, 12 anos
- Para Emily:
“Ele não é sua família. Sua família está lá fora, preocupada com você” – Michelle, 8 anos
“Emily, denuncie, você é capaz” – Maria Eduarda, 8 anos
“Uma pessoa nesse tipo de relacionamento sofre muito, mas depois da tempestade sempre vem o arco-íris” – Guilherme, 12 anos
E o que isso tem a ver com as crianças?
Partindo do princípio de que elas habitam o mesmo mundo em que este tema está latente, faz parte do trabalho pedagógico acolher as inseguranças e dúvidas dos pequenos, e assim prepará-las para lidar com os desdobramentos de questões sensíveis ao convívio social.
“As crianças aprendem a dar nome às violências, aprendem a argumentar, a sentir empatia, a se colocar no lugar do outro, a pensar em formas de resolução de problemas, a quebrarem mitos envolvendo a culpabilização da vítima, assim como percebem como o machismo afeta a qualidade de vida de todas e todos mas, principalmente das mulheres”, explica Nathalia.
“O saldo da atividade foi positivo. Com ações simples assim, é possível, de forma didática, dar nome a essas violências, visibilizá-las, e desmistificar conceitos sobre o amor romântico”, conclui.
O próprio fato de as crianças se mostrarem ativamente interessadas em falar sobre o tema já reacende uma série de questões, como os referenciais adultos que fatalmente fazem parte do universo da criança, por mais que os pais tentem evitar, a hiperexposição da criança a conteúdos inadequados, e como os pais, professores e cuidadores podem lidar com tudo isso da maneira mais saudável.
“É claro que se deve contar aos filhos tanto histórias feias quanto bonitas. Toda criança deve receber o mapa e o treinamento para penetrar as florestas claras e sombrias do mundo. Omitir que há violências, más opções e grandes paixões que subjugam a mente, e não ensinar à criança como proteger sua alma, a enfraquece”, defende a psicanalista americana Clarissa Pinkolas Estés, no livro “Contos de Grimm”.
Apesar de a autora estar se referindo especificamente à relação da criança com a literatura de ficção, o mesmo pensamento pode ser transferido para as narrativas da vida real, pois ambas as questões culminam em uma mesma lógica: quanto mais a criança conhecer sobre o mundo, melhor preparada ela estará para viver nele.
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