Por que a universidade está deixando os estudantes doentes?

Pressões da vida acadêmica e busca por sucesso profissional têm desencadeado depressão e casos de suicídio entre jovens em todo o Brasil

Por: Redação

“Entrei em depressão fazendo cursinho para entrar em medicina. Desenvolvi sintomas iniciais durante o ano, com toda a pressão que temos de enfrentar para conseguir uma vaga. Alimentava-me mal, dormia mal, morava longe dos meus pais. Durante um mês, tive vestibulares todos os fins de semana e nos últimos chorei muito depois de terminar a prova. Eu não estava aguentando mais, meu desgaste psicológico era imenso.”

O depoimento acima foi escrito e enviado à Catraca Livre por uma estudante de 18 anos, do Paraná. Outros 2.130 alunos que são ou já foram universitários e vestibulandos também responderam ao questionário disponibilizado pelo site. 99% disseram que já passaram por quadros de estresse e ansiedade por conta da universidade. Além disso, 73,5% afirmaram que foram diagnosticados com depressão durante o vestibular e nos últimos semestres do curso. A pesquisa foi realizada em 2017.

Um quadro preocupante que nos leva a questionar: por que os alunos estão adoecendo tão cedo no ensino superior? Segundo os relatos recebidos, a estrutura atual da vida acadêmica, repleta de pressões para a escolha do curso e para ter um diploma, ameaça do desemprego e fracasso profissional têm desencadeado a depressão, a ansiedade e o uso excessivo de medicamentos, de modo que a saúde fragilizada dos universitários se conecta com as causas de suicídios no meio acadêmico em todo o Brasil.

O artigo português “Ideação suicida na população universitária” explica que “a associação entre a ideação suicida e a depressão não é inesperada, dado que uma das manifestações dos comportamentos depressivos está ligada aos desejos de morte, o que leva a tentativas de suicídio frequentes […], algo que se identifica quando se evidencia de forma mais intensa a visão negativa do mundo e do futuro.”

  • Ao longo deste texto, você verá galerias de imagens com os depoimentos colhidos pela reportagem. Do total de pessoas que responderam ao questionário durante o mês de fevereiro de 2017, 1.092 têm entre 18 e 22 anos. Os participantes da pesquisa estão concentrados em estados como São Paulo (862); Minas Gerais (190) e Rio de Janeiro (152).

Aumento da taxa de suicídio entre jovens universitários

Não é raro lermos notícias de jovens que tiraram a própria vida durante a graduação. Na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), por exemplo, em apenas duas semanas no primeiro semestre de 2017, foram registradas duas mortes e uma tentativa de suicídio de alunos da instituição. Na USP, houve ao menos seis casos de tentativa de suicídio entre estudantes do quarto ano do curso de medicina, em abril do ano passado.

Para a professora Maria Júlia Kovács, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP), há também outros fatores determinantes que podem caracterizar e agravar sentimentos depressivos e ideações suicidas neste público. “Acresce-se a história de vida dos estudantes, características de personalidade e, em alguns casos, transtornos psiquiátricos e uso de drogas”, disse a especialista à Catraca Livre.

Segundo o Mapa da Violência, estudo feito a partir de dados oficiais do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, de 2002 a 2012 aumentou a taxa de suicídio entre adolescentes (dos 10 aos 19 anos) no Brasil, chegando a 792 casos. Em 2014, foram 2.898 suicídios de jovens de 15 a 29 anos – faixa etária que compreende a fase universitária.

O tabu e o silêncio

O estudo “Suicídio de universitários: o vazio existencial de jovens na contemporaneidade” publicado pela professora de psicologia Elza Dutra, em 2012, pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), alerta que “no que se refere, especificamente, a ideação e tentativas de suicídio de estudantes universitários, a produção científica no Brasil ainda se mostra bastante incipiente, considerando-se a significativa estatística de suicídio de jovens”.

Os números, apesar de alarmantes, seguem invisibilizados. Falar sobre suicídio e transtornos mentais ainda é um enorme tabu. A consulta com um psicólogo ou psiquiatra deveria ser tão natural quanto uma visita ao ginecologista ou cardiologista. No entanto, em abril de 2017, um fenômeno interessante aconteceu. O tema suicídio alcançou o ápice de buscas no Google por conta da série da Netflix, “13 Reasons Why” (“Os 13 Porquês”), e da viralização do perigoso jogo virtual “Baleia Azul”.

Não falar sobre não minimiza o sofrimento. De acordo com um levantamento divulgado em 2016 pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), que entrevistou 939,6 mil alunos brasileiros, três em cada dez estudantes de universidades federais brasileiras (o que corresponde a 30,45%) já tiveram atendimento psicológico pelo menos uma vez na vida.

Grupos e núcleos de prevenção

Buscar ajuda profissional é sempre a melhor recomendação. Diante de relatos parecidos como os que você leu até aqui, universidades e movimentos estudantis têm criado núcleos de apoio, atendimento e conscientização com o objetivo de prevenir e oferecer orientação sobre a depressão, o suicídio e demais doenças relacionadas.

A Frente Universitária de Saúde Mental, organizada por alunos de diversos cursos da USP, luta por instalações e manutenção de serviços de acolhimento dentro das faculdades e sugere uma mudança curricular que tenha em suas diretrizes a saúde mental do aluno.

Em 2018, a instituição paulista passou a oferecer ferramenta unificada de assistência psicológica para os estudantes, com a criação do Escritório de Saúde Mental. Além disso, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, uma série de atividades sobre o tema foram articuladas nos últimos meses. Para setembro, estão agendadas inúmeras palestras a respeito do assunto.

Também em São Paulo, o Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP receberá mais 100 palestras abertas, no mês de setembro. A programação está disponível neste link e traz informações sobre tratamentos e pesquisas, cujo mote é combater o estigma associado aos transtornos mentais.

Outro exemplo é a Liga Acadêmica de Saúde Comunitária (LASC), criada por acadêmicas de psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em Minas Gerais.

Também é possível solicitar ajuda no Centro de Valorização da Vida (CVV), que realiza apoio emocional e prevenção ao suicídio de forma gratuita, sob total sigilo, por telefone (número 141), e-mail, chat e Skype 24h todos os dias. Há, inclusive, uma cartilha com informações úteis para ser ajudado e saber como ajudar outra pessoa (clique aqui).

  • Leia também: