Professoras brasileiras contam como é ensinar português na Austrália

Elas dão aulas nas cidades de Melbourne, Sydney e Perth. A língua portuguesa é a 9ª mais falada do mundo.

A Austrália é um país multicultural e andando pelas ruas é possível se ouvir diversos idiomas e sotaques. Segundo o Australian Bureau of Statistics, quase 30% dos atuais cidadãos australianos nasceram fora do país. Outro fator que também contribui para esta multiculturalidade tem a ver com o país ser uma das principais rotas do mundo os para estudantes internacionais. Em 2019, antes da pandemia, eles representaram um lucro aproximado de $40 bilhões para o país e, atualmente, há milhares de estudantes estrangeiros esperando que as fronteiras se abram novamente para que eles possam aterrizar no território australiano.

As professoras Renata, Luciana e Rita
Créditos: Imagem de Divulgação
As professoras Renata, Luciana e Rita

Para você ter uma ideia, uma das maiores empresas de comunicação e jornalismo do país, o grupo SBS, oferece notícias e conteúdo em 68 idiomas, incluindo a língua portuguesa. Ainda segundo o Australian Bureau of Statistics, na última década, entre 2010 e 2020, o número de falantes da língua portuguesa praticamente dobrou na Austrália, não apenas de imigrantes que chegaram no país, mas também no interesse dos australianos em aprenderem a língua portuguesa.

Mas como será que é dar aulas de português num país estrangeiro? Para descobrir, conversamos com três professoras brasileiras que estão fazendo exatamente isso neste momento, seja em aulas presenciais ou on-line. Conheça um pouco das histórias da Luciana, Rita e Renata – e leia também 10 curiosidades sobre a língua portuguesa no final das entrevistas.

A professora Luciana Veloso “Poder ensinar o português para pessoas que são apaixonadas pelo meu país me traz um orgulho imenso”
Créditos: Arquivo pessoal
A professora Luciana Veloso “Poder ensinar o português para pessoas que são apaixonadas pelo meu país me traz um orgulho imenso”

Luciana Veloso, 26 anos, nascida no Rio de Janeiro
Professora na Portuguese Classes Melbourne
Vive atualmente em Melbourne, estado de Victoria

A vida que eu deixei no Brasil

Me mudei para a Austrália em janeiro de 2018, porque tinha me formado na faculdade no Brasil e queria um novo desafio na minha vida. Eu não conseguia mais me ver tendo a rotina que eu tinha e, com a violência no Rio de Janeiro aumentando, eu decidi me mudar para um país mais seguro e que pudesse me proporcionar experiências novas.

Eu trabalhava como professora de inglês no Brasil num curso renomado, mas quando vim para a Austrália, o meu diploma de faculdade em Letras – Português/Inglês – não era o suficiente aqui, então fiz o CELTA, um certificado de Cambridge que te permite dar aulas de inglês em qualquer país do mundo. Foi assim que eu comecei a dar aulas de inglês profissionalmente aqui.

De professora de inglês para professora de português

A Austrália recebe muitos alunos internacionais em busca de aprenderem o inglês aqui, mas com a pandemia e as fronteiras fechadas, em 2019 eu perdi muitas horas de trabalho como professora de inglês. Mas aí um dia eu vi um anúncio no Facebook de uma escola de português procurando professores. Aí me cadastrei e no mesmo dia a dona da escola entrou em contato comigo. Fiz um teste em português e fui contratada na mesma semana. Foi aí que eu decidi investir meu horário exclusivamente às aulas de português.

Qual o perfil dos meus alunos

Atualmente, eu dou aula para adultos de várias nacionalidades, porém, a grande parte é composta por australianos. A maioria tem relacionamento com brasileiros, entretanto, os motivos vão além disso! Tenho alunos fascinados pela cultura brasileira, amam samba, capoeira, música brasileira e o nosso povo. Muitos alunos também já moraram no Brasil e gostariam de voltar no futuro, sem contar os que nunca foram ou não têm relação alguma com o nosso país, mas que sonham em visitar um dia. Também tenho alunos que têm amigos brasileiros e que querem entender mais sobre a cultura deles. Por fim, alguns alunos também têm descendência brasileira ou portuguesa e que querem se reconectar com suas origens e aprender a nossa língua.

Condições de trabalho na Austrália

Se você for trabalhar em uma escola regular, sem dúvidas as condições são melhores. A Austrália tem o maior salário mínimo do mundo, além dos benefícios cobrirem férias, aposentadoria e licenças de saúde. Entretanto, professores de idiomas que não dão aula em escolas regulares, mas sim em cursos de idiomas, são considerados “casuais” mesmo trabalhando em horário integral. Ao trabalhar como “casual” a hora paga é um pouco maior, mas nem sempre temos os benefícios garantidos que eu mencionei. Em relação a valorização da profissão, é impressionante a postura que os australianos têm, porque eles realmente respeitam os professores e são gratos pelo o que nós fazemos.

O prazer em poder ensinar português para os gringos

Morar fora não é fácil. A gente se acostuma com uma cultura nova e às vezes acaba se esquecendo das nossas origens por diversos motivos. Falamos um outro idioma o dia todo, fazemos amizades com pessoas de outros países e começamos a replicar aspectos culturais que não são nossos. Eu sentia muita falta desse contato com o português e com coisas que me fazem ser brasileira. Poder ensinar o português para pessoas que são apaixonadas pelo meu país me traz um orgulho imenso, porque mesmo com tantos problemas, precisamos reconhecer o quão especial é o nosso país. Eu me sinto honrada em poder ser essa ponte entre o Brasil e esses alunos curiosos que querem aprender mais sobre a cultura brasileira. Eu me sinto mais em casa, mesmo morando do outro lado do mundo, e isso ameniza a minha saudade.

A doutora em Linguistica Rita Ferraro “Vejo com gratidão a oportunidade de ensinar português na Austrália. Fico maravilhada quando os alunos falam e escrevem em nossa língua”
Créditos: Arquivo pessoal
A doutora em Linguistica Rita Ferraro “Vejo com gratidão a oportunidade de ensinar português na Austrália. Fico maravilhada quando os alunos falam e escrevem em nossa língua”

Rita Ferraro, 50 anos, nascida no Rio de Janeiro
Professora na University of Sydney
Vive atualmente em Sydney, estado de New South Wales

A vida que deixei no Brasil

Quando morava no Brasil presenciei algumas cenas de violência e preconceitos que me marcaram.  Quando tive a oportunidade de vir para a Austrália, foram as tais cenas que mais pesaram na balança, colaborando para a minha decisão. Não foi uma decisão fácil porque eu era feliz no Brasil, tinha amigos, uma família unida, uma vida confortável. Outra grande dificuldade foi convencer meu filho a vir, com 10 anos na época.  Tive que fazer um trato com ele. Se em 2 anos ele não se adaptasse à Austrália, nós retornaríamos ao Brasil. Este mês faz exatamente 21 anos que estamos morando na cidade de Sydney.

Como me tornei professora de português em uma universidade da Austrália 

Literalmente, eu cresci na universidade. Meu pai era professor universitário e minha mãe secretária executiva na mesma universidade. Desse modo, quando eu não podia ir à escola por algum motivo, ou nas minhas férias, eu ia para o trabalho deles. Eu fiz faculdade e a pós-graduação em Letras (português e espanhol), depois um doutorado na Espanha com uma bolsa de estudos e ensinei espanhol e português durante 3 anos na Espanha. Em 2000, vim para a Austrália e fui contratada por duas universidades para criar cursos de linguística, de espanhol e também de português para alunos daqui.

Qual o perfil dos meus alunos

A procura por cursos de português deriva, geralmente, de razões afetivas. A maioria dos alunos têm cônjuge ou amigos brasileiros. Às vezes, há também o interesse profissional. Eu já recebi alunos australianos que eram professores em trabalho de voluntariado em favelas cariocas, ensinando profilaxia – medidas preventivas contra as doenças para a população. Houve uma época em que também recebi muitos alunos de capoeira. Uma dessas alunas foi para a Bahia conhecer a sua roda de capoeira, se apaixonou pela cultura brasileira e mora lá há mais de 6 anos.

Condições de trabalho

O pagamento por hora de serviço, em dólar, é bom. Se você é um professor “casual”, ou seja, não tem vínculo empregatício com a instituição, normalmente vai precisar ensinar em outros lugares para completar a sua renda. Com muita sorte, pode conseguir dar aulas três vezes por semana. Agora, se você é professor e quer trabalhar com crianças ou adolescentes com algum tipo de deficiência, a oferta é ampla, já que não há necessidade de ser da área de saúde para este tipo de função. Tudo depende da matéria que se ensina, do lugar, da demanda e da oferta.

Doutora em Linguística, professora de universidade e autora de livros

Eu geralmente comparo o português com o inglês para que os meus alunos compreendam melhor o idioma. Esta é uma boa oportunidade para os australianos, já que eles não aprenderam sua própria gramática na escola. Foi pensando nesses alunos que escrevi dois livros bilíngues, ambos que estou segurando na minha foto. Eu incorporei nesses meus livros uma gramática dosada, simples e exemplificada, com os exercícios que deram certo, adaptados para esse público-alvo, testados em sala de aula. Eu fico maravilhada quando os alunos falam e escrevem em nossa língua, e também quando eles descobrem suas nuances. Vejo com gratidão a oportunidade de ensinar português na Austrália.

A professora Renata Garcia
 “A minha profissão faz com que eu me aproxime do Brasil de alguma forma e não esqueça das minhas origens”
Créditos: Arquivo pessoal
A professora Renata Garcia
 “A minha profissão faz com que eu me aproxime do Brasil de alguma forma e não esqueça das minhas origens”

Renata Garcia, 34 anos, nascida em São Paulo
Professora no Projeto Cabana
Vive atualmente em Perth, estado de Western Australia

A vida que eu deixei no Brasil

No Brasil, eu já tive experiências dando aulas de inglês e português para crianças na rede particular, no Sesi e também na rede Estadual. Foram experiências bem diferentes e incríveis num total de 3 anos de trabalho. Sempre digo que aprendi mais do que ensinei, e carrego esses alunos até hoje no meu coração. Porém, em 2017 eu decidi acompanhar o meu marido, pois ele veio estudar aqui na Austrália. Eu curti a ideia e quis vir para experimentar algo novo. No início tentei novas profissões, mas acabei sendo professora aqui também.

Por que me tornei professora

Eu gostava muito de ler e criar, sempre fui uma pessoa criativa. E quando pensei numa profissão, ser professora de português unia essas duas coisas. Eu ganhei do meu pai em 1996 o livro “Uma Professora Muito Maluquinha” e sempre dizia que queria ser uma professora maluquinha como aquela do livro. E esse sonho se realizou.

Como me tornei professora de português na Austrália

Chegando aqui na Austrália eu trabalhei como babá, como professora de natação, como garçonete e também cantava em barzinhos e festas brasileiras. Aí, após a maternidade, voltei a dar aulas de português para crianças no Projeto Cabana, uma organização sem fins lucrativos com foco em cultura, alfabetização, dança, música, teatro, artes e a língua portuguesa envolvendo todas essas atividades. Além disso, tenho também um projeto de roda de música para bebês.

Qual o perfil dos meus alunos

Eu trabalho com crianças e adultos. As crianças, filhos de brasileiros mas nascidas aqui, geralmente fazem aulas de português por vontade dos pais, para que cresçam gostando e cultivando a cultura brasileira e a língua portuguesa. Já os adultos geralmente são casados/namoram com um brasileiro (a) e desejam aprender para se comunicar com a família do(a) parceiro(a). Já tive também um aluno australiano que queria ser geólogo no Brasil e estava aprendendo português pra poder se mudar para lá.

Condições de trabalho

Embora financeiramente a Austrália ofereça um salário melhor do que no Brasil, e considerando que o professor trabalha antes, durante e depois da aula dada (planejamento, aula em si e correções/ feedback), acredito que os professores deveriam ser melhor remunerados por aqui. Quanto à valorização social, acredito que aqui na Austrália os professores são mais respeitados e valorizados do que no Brasil.

Como me sinto sendo professora de português na Austrália

Eu sinto muito orgulho em poder difundir a cultura e a linguagem do meu país de origem, mesmo estando fora do Brasil. Resumidamente, a minha profissão faz com que eu me aproxime do Brasil de alguma forma e não esqueça das minhas origens.

10 curiosidades sobre a língua portuguesa

Países falantes da língua portuguesa
Créditos: Imagem de Divulgação
Países falantes da língua portuguesa

1- No total, 9 países no mundo tem a língua portuguesa como oficial: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné-Equatorial, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Portugal e Timor-Leste.

2- Não há dois países falantes da língua portuguesa que façam fronteira um com o outro, pois todos ficam geograficamente distantes uns dos outros.

3- A língua portuguesa é o idioma mais falado no hemisfério sul do planeta, isso devido a posição geográfica do Brasil, que atualmente possui mais de 213 milhões de habitantes segundo o CENSO 2021.

4- três datas diferentes em que o mundo comemora a língua portuguesa:

– 5 de maio: Comemoração oficial da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP)
– 10 de junho: uma homenagem ao poeta Luiz Vaz de Camões comemorada, principalmente, em Portugal.
– 5 de novembro: Comemoração instituída por uma lei brasileira em homenagem ao político e escritor Ruy Barbosa.

5- Machado de Assis foi o primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras, de 1897 até 1908.

6- A língua portuguesa, falada no Brasil, herdou um vasto vocabulário das línguas indígenas.
Exemplos: catapora, carioca, tocaia, pindaíba, mingau, pipoca,  jacaré, mandioca, açaí, canoa, capim.

7- Português é a 9ª língua mais falada do mundo.

8- A maior palavra da língua portuguesa é Pneumoultramicroscopicossilicovulcanoconiotico. Ela possui um total de 46 letras, e foi registrada em 2001 no dicionário Houaiss. O significado desta palavra se refere a uma pessoa que possui uma doença pulmonar causada pela inspiração de cinzas vulcânicas.

9- O português faz parte das línguas latinas, assim como o espanhol, francês, italiano e romeno, todos idiomas modernos que evoluíram do Latim.

10- O brasileiro nunca entrará num acordo linguístico se o correto é biscoito ou bolacha.


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Por Felippe Canale

Jornalista parceiro da Catraca Livre