‘O Dilema das Redes’: 5 motivos para você não assistir ao doc da Netflix
Pelo bem de sua saúde mental, não assista; continue na sua bolha de estupidez e ignorância, vai ser muito melhor para você
Nas duas últimas semanas, não foram poucas as pessoas que me recomendaram assistir a “O Dilema das Redes”, um novo documentário da Netflix. “Eu saí do Instagram”, “desativei todas as notificações do meu celular” e “vou dar um tempo com as redes sociais” foram as afirmações que mais escutei depois que amigos e parentes chegaram até mim com suas percepções do filme.
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E não é por menos. O documentário entrevistou engenheiros, executivos e idealizadores do Google, do Facebook, do Instagram, do Youtube, do Pinterest, do Twitter, etc., e eles são unânimes ao afirmar que o uso dessas redes é prejudicial tanto quando pensamos do ponto de vista individual, quanto do coletivo. Muitos deles, inclusive, sequer permitem que os próprios filhos acessem as redes sociais. Imagina: os criadores, os executivos do negócio não querem que a família usem… do próprio negócio! Alguma coisa tem aí.
Mas além disso, “O Dilema das Redes” faz refletir que o uso aparentemente inocente que se faz das redes sociais pode ter impactos catastróficos, e que muito dificilmente essa realidade poderá ser mudada, porque ela atende aos interesses dos maiores bilionários do mundo.
E é por isso que eu venho até aqui te dar cinco motivos para você simplesmente não dar o play. Não cair na hype. Não ser convencido a assistir ao filme da vez. Sabe por quê? Porque você vai mudar sua percepção de como atua nas redes sociais. E QUEM QUER ISSO, NÉ?
Motivo 1 – Você começa a entender que não passa de um produto para as redes sociais
Isso, mesmo. Você não é o cliente. Afinal, que dinheiro você, pessoa física, gasta ao acessar Facebook? Quanto você pagou na última vez em que marcou alguém no Instagram, ou quando retuitou o último meme do dia? Exatamente: nada. Sua conta no banco continuou intacta após horas e horas de scroll, de like, de compartilhamento em cada uma dessas redes. Então, como você pode se considerar um cliente delas se não gera lucro a elas?
Você é produto. Os clientes são as outras empresas que investem dinheiro nas redes sociais e pagam para ter todas as informações sobre você, sobre sua personalidade, sobre a forma como você atua nas redes, para mostrar o anúncio ideal delas para você. Elas são os clientes, e elas estão pagando pela sua atenção, pela sua privacidade, sem que você queira ou saiba disto.
Afinal, que poder um sapato tem de permanecer em uma loja quando um cliente tem dinheiro e vontade de levá-lo para casa, né?! Então, nesta situação, você é o sapato.
Uma vez que você entende essa informação, você também entende que a manipulação por trás desse simples anúncio que aparece vez ou outra na sua linha do tempo tem toda uma estrutura para te convencer a continuar navegando nas redes sociais. Afinal, quanto mais tempo ali, mais anúncios aparecem pra você, e mais as redes lucram. Os conteúdos recomendados e as notificações que chegam ao seu celular são apenas algumas das estratégias para que você se esqueça um pouco de viver “lá fora” e continue on-line. Ou você achava que eles estavam realmente preocupados em te mostrar a última foto que o seu primo louco postou?
Não, tudo tem uma lógica que envolve dinheiro. Jaron Lanier, um dos principais precursores da realidade virtual no mundo, vai além. No documentário, ele afirma que as redes sociais têm a capacidade de conduzir o seu comportamento da forma que ela achar mais conveniente. “O produto é a gradativa, leve e imperceptível mudança em nosso comportamento e nossa percepção”.
Nas palavras de Shoshana Zuboff, professora aposentada de administração de negócio pela Harvard Business School, “trata-se de um mercado que negocia exclusivamente o futuro do ser humano”. “O Dilema das Redes” mostra exatamente isso: o que você faz nas redes sociais é premeditado ou até mesmo instigado pelos robôs. E assim você passa a perceber que a sensação de autonomia e poder sobre o uso dessas redes é falsa.
Motivo 2 – Você começa a se questionar quanto tempo perde por dia nas redes sociais
E aí você vai checar. Mas você não quer perceber que passa mais tempo dando like no Instagram do que conversando com amigos, lendo um livro ou tocando violão, sabe? É um choque de realidade muito grande.
Por curiosidade, fui ver quanto havia gasto na última semana. Minha média diária de uso do Instagram (e só do Instagram!) bateu os 41 minutos, levando em consideração que eu praticamente não pude usar o celular durante três dias dos sete analisados. Ou seja: minha média diária naturalmente seria bem maior.
Para checar é bem simples, basta seguir estas recomendações. Mas, antes, deixo aqui meu “boa sorte”.
Segundo Chamath Palihapitiya, um dos primeiros executivos sênior do Facebook, “queremos descobrir como te manipular psicologicamente o mais rápido possível, para em seguida te dar uma injeção de dopamina.” Por isso o ciclo vicioso.
Motivo 3 – Você percebe que o Show de Truman é real – e você é o Truman
Essa é uma análise que o próprio documentário faz, mas decidi me apropriar dela aqui. Será que não somos capazes de mudar a realidade porque não sabemos da realidade, ou porque simplesmente a aceitamos? Essa é a reflexão feita por “O Dilema das Redes”, e que vale a pena destacar.
Motivo 4 – Você se dá conta do poder destruidor das fake news – e que você é tão responsável quanto qualquer terraplanista
Como não há uma regulamentação sobre o uso das redes sociais, elas se tornaram terra de ninguém. Inclusive, o documentário mostra bastante da luta de Tristan Harris, ex-designer ético do Google e atual CEO do Center for Humane Technology, em persuadir congressistas norte-americanos sobre os malefícios do uso indiscriminado das redes sociais.
E você acaba percebendo que não há muita diferença entre você, pessoa normal, e um terraplanista, porque ambos alimentam um sistema que está ali para enriquecer qualquer um que nele investe. Segundo Harris, as fake news têm um poder de velocidade de disseminação seis vezes maior que as informações verdadeiras, e as redes sociais não estão preocupadas se aquilo se trata de fake news ou de verdade. Elas se importam com o quanto de cliques você dá. “É um modelo de negócio que lucra com a desinformação”, disse Harris.
O documentário aborda muito rapidamente as últimas eleições presidenciais do Brasil e dos EUA, que elegeram Jair Bolsonaro e Donald Trump, respectivamente. As fake news foram decisivas para isso.
Motivo 5 – Você percebe que isso precisa acabar, mas não é interessante que acabe
Ao final do documentário, depois de tanta informação sobre como as redes sociais usam e manipulam nossos dados para o lucro delas, você percebe que a única saída razoável para isso seria que elas acabassem, ou que o modelo de negócio das redes sociais se transformasse abruptamente. Mas o modelo de negócio das redes sociais é basicamente um reflexo do capitalismo ao qual estamos inseridos. Ou seja… precisaríamos rever o capitalismo?
Sim, precisaríamos rever o capitalismo. Essa busca frenética pelo lucro e o louvor ao dinheiro e ao status está nos deixando doentes, nos levando a cometer suicídios cada vez mais e a enriquecer apenas uma pequena parcela da sociedade. Antes que digam que estou fazendo “apologia ao comunismo” (hahaha), estou criticando o capitalismo. Ponto.
Então, é isso. Basicamente você termina “O Dilema das Redes” pensando: “tá tudo errado, eu sou um produto, eu não tenho autonomia alguma sobre o que eu faço nas redes sociais e a tendência é que tudo piore”. Pelo menos, foi a sensação que eu tive, e eu simplesmente não recomendo que você a tenha.
A ignorância é uma delícia, desfrute dela. Continue na sua bolha de não checar o que compartilha, continue na sua estupidez de achar que, por você se considerar superior aos outros, não estaria fomentando a máquina megalucrativa de fake news que há por trás disso tudo. Continue na inocência de que dar uns poucos likes por dia não afeta em nada a realidade do mundo. Vai ser muito melhor para a sua saúde mental.
PS: este texto contém ironia. ASSISTA A “O DILEMA DAS REDES” O QUANTO ANTES!