Por que o vídeo do Porta dos Fundos na Netflix está incomodando tanto?
O "Especial de Natal" trouxe à tona um Jesus Cristo gay que não quer seguir as palavras de Deus, mas será que os críticos fervorosos entenderam a metáfora?
Acompanho o Porta dos Fundos desde 10 de setembro de 2012, quando a Odete (Julia Rabello) disse, na cara do próprio marido, o Mario Alberto (Antonio Tabet), que queria foder com o time da Nigéria, o exército de Israel, o Michael Phelps e mais uma penca de gente. Aprendi, naquele dia, o que era bukkake. Foi realmente especial.
A partir de então, tentei não perder nenhum vídeo do canal. Discussões sobre machismo, racismo, LGBTfobia, política, religião, e tantas outras temáticas pertinentes foram abordadas, em geral, de uma forma leve e bastante condizente com à triste realidade brasileira. E me fez rir. Uns mais que outros.
Apesar de adorar o “Porta”, confesso que estava com uma preguicinha de ver o “Especial de Natal” lançado na Netflix, pois tinha outras séries na frente. Mas, foram tantas as críticas de grupos religiosos e personalidades políticas, que fui obrigado a deixar meus planos de lado só para assistir e tirar a limpo essa história toda.
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O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) fez um tweet criticando o fato de, na trama, Jesus Cristo ser gay e se recusar a pregar a palavra de Deus.
Mas vamos analisar esses dois pontos do episódio – provavelmente, os que mais despertaram a fúria de religiosos.
No vídeo, Deus (Antonio Tabet) representa a interpretação do homem sobre a Bíblia, ou seja, pastores, padres, líderes religiosos que fazem da Escritura Sagrada um instrumento de poder, e não de comunhão e paz entre os povos. É praticamente um Deus pagão, cínico e mau-caráter.
Já Jesus Cristo (Gregório Duvivier) reflete o que seria o verdadeiro ideal cristão de “amar ao próximo como a ti mesmo”. Um homem bondoso, até um pouco ingênuo e… gay.
O fato de Jesus Cristo ser gay é mais uma provocação do tipo: “ué, e se ele fosse gay, mesmo? Qual seria o problema?”. Foi interessante imaginar sob essa perspectiva e sair um pouco da realidade heterossexual dominante de sempre.
Já ao final da trama, Jesus se nega a princípio a seguir as ordens de Deus, pois acredita que elas vão contra seu entendimento de como o mundo deveria ser: um lugar de paz e amor.
O episódio todo foi uma grande metáfora sobre como a hipocrisia tem reinado hoje em dia, num momento em que ser a favor da liberação das armas é uma atitude “mais cristã” do que defender o amor entre duas pessoas do mesmo sexo, por exemplo.
O “Porta” coloca em cheque os dogmas do cristianismo, e indaga se as pessoas estão seguindo mais a palavra de Cristo ou a palavra do homem.
Por isso, aos cristãos que se predispuserem a assistir ao “Especial de Natal”, sugiro antes um momento de reflexão pessoal: você tem sido um cristão em suas atitudes, ou apenas da boca para fora? Dependendo da sua resposta, é melhor ir assinar a petição e ver “Friends” de novo.