Projeto adapta sessões de cinema para crianças com autismo e busca apoio: ‘é bem difícil encontrar patrocinadores’

Desde 2015, o Sessão Azul busca promover cinemas mais inclusivos para pessoas com TEA; conheça o projeto e saiba como participar de uma sessão

10/04/2025 18:21 / Atualizado em 15/04/2025 10:56

Ir ao cinema pode parecer um programa simples para muitas famílias, mas para quem convive com o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), a experiência pode se tornar desafiadora.

Foi justamente observando essas dificuldades que nasceu o Sessão Azul, um projeto que adapta sessões de cinema para crianças com autismo.

O projeto Sessão Azul surgiu em 2015
O projeto Sessão Azul surgiu em 2015 - Acervo pessoal | Sessão Azul

Em entrevista à Catraca Livre, Leonardo Bittencourt Cardoso, sócio administrador do projeto, conta que a iniciativa surgiu quando ele e a psicóloga Carolina Salviano perceberam a exclusão vivida por muitas famílias.

Após anos escutando, observando e vivenciando experiências de famílias de pessoas com TEA, identificamos vários casos em que muitas vezes elas deixavam de ter um convívio social maior por receio ou em, alguns casos, até vergonha da reação do autista em situações que para ele talvez não sejam tão confortáveis”, pontua.

Criação e desafios do projeto

Criado em dezembro de 2015, o projeto Sessão Azul foi inspirado no CineMaterna, voltado para mães com bebês. A diferença é que, nesse caso, a proposta foi adaptar sessões de cinema especialmente para pessoas com autismo e seus familiares.

Antes de colocar em prática, eles testaram a proposta com um grupo de pais no consultório e perceberam que havia uma demanda real por esse tipo de acolhimento. “Eles adoraram a ideia e seguimos em frente”, lembra o gerente de projetos. Neste ano, o projeto completa 10 anos de existência.

Através da Sessão Azul, as famílias de crianças e adolescentes com distúrbios sensórias ganham opções de lazer e entretenimento, com ambientes que sejam mais confortáveis e livres de olhares de desaprovação e preconceito.”

Atualmente, o projeto está presente em redes como Kinoplex – a primeira a apoiar a ideia -, Cinemais, Cineart e outras. Além das salas de cinema, também realiza atividades adaptadas em outros locais, como o AquaRio, no Rio de Janeiro, em parceria com o Grupo Cataratas.

Segundo Leonardo, algumas parcerias foram encerradas nos últimos anos: “infelizmente após a pandemia perdemos parceiros importantes.”

Esse é exatamente o maior desafio da iniciativa: conquistar novos parceiros e retomar colaborações com aqueles que já estiveram ao lado do projeto no passado.

Nossa maior dificuldade é fazer com que os estabelecimentos culturais comprem a ideia e permitam a realização das nossas sessões”, afirma.

Outro desafio é garantir patrocínio. “Já tivemos o projeto aprovado até pela Lei Rouanet no passado, porém não encontramos nenhum interessado para poder captar os recursos para sua execução.”

O que torna a Sessão Azul diferente?

As sessões de cinema são adaptadas da seguinte forma:

  • não possuem trailers comerciais;
  • têm a luz da sala levemente acesa;
  • volume reduzido;
  • os filmes são sempre dublados e em 2D. “Atualmente focamos mais no público infantil e adolescente“, conta Leonardo.
  • o público tem liberdade para se movimentar, falar e reagir da maneira que se sentir mais confortável, sem restrições. “Durante a sessão […] a plateia pode andar, dançar, gritar ou cantar à vontade”, explica.

Além disso, há a presença de voluntários capacitados para acolher e orientar os responsáveis durante a experiência.

Sessão Azul promove sessões de cinema adaptadas em diversas cidades
Sessão Azul promove sessões de cinema adaptadas em diversas cidades - Acervo pessoal | Sessão Azul

O objetivo é que essa experiência no cinema complemente o acompanhamento terapêutico da criança, incentivando a participação ativa dos pais no processo de desenvolvimento.

As sessões funcionam como uma espécie de treinamento para as crianças na adaptação ao ambiente do cinema. E também para os pais, para orientá-los em como lidar com as dificuldades de adaptação da criança a um novo ambiente, de forma que auxiliem diretamente para realizar e facilitar essa ambientação.”

Apesar do foco em crianças com distúrbios sensoriais, as sessões são abertas a todos. “Todos são muito bem-vindos às Sessões Azuis, pois é com a ajuda de todos que conseguiremos desenvolver a verdadeira inclusão e socialização.”

Impacto na vida de pessoas com autismo e seus familiares

Marcella Ribeiro, mãe de Gustavo, de 6 anos, que está no nível 2 de suporte, participou de uma sessão no Shopping RioSul (RJ) neste mês de abril.

Ela é só elogios ao projeto e conta à Catraca Livre que foi a primeira vez de Gustavo no cinema: “Eu, como mãe atípica, não sabia se poderia um dia levá-lo ao cinema, pois infelizmente a sociedade ainda não entende as diferenças, e o respeito e a aceitação estão longe de acontecer. Muitas vezes tentamos fazer algo com ele e nos decepcionamos muito.”

“É claro que tivemos alguns desafios durante o filme… Gustavo não fica muito tempo sentado, mas isso não foi um problema pois pudemos fazer coisas que normalmente não temos liberdade para fazer. Nós nos sentimos muito a vontade de cuidar do nosso filho sem o julgamento de outras pessoas que muitas vezes nos machucam com um simples olhar de reprovação”, pontua.

Segundo Marcella, o filho, que tem autismo não verbal, recebeu o carinho dos voluntários da iniciativa e ficou à vontade durante o filme. “Pudemos usufruir de um momento muito especial com nosso filho.”

“Não tem preço. Vocês fizeram a diferença na minha vida e na vida do meu filho. Ficamos muito felizes, emocionados e gratos por proporcionarem esse momento para nossa família. Respeito e inclusão sendo praticados na sua forma mais bonita”, disse ela em um recado para o Sessão Azul.

Marcella e seu filho, Gustavo, na Sessão Azul no dia 5 de abril
Marcella e seu filho, Gustavo, na Sessão Azul no dia 5 de abril - Acervo pessoal

Leonardo não esconde que esse retorno das famílias tem sido emocionante: “ver toda esta gratidão e amor só nos fazem crer que estamos no caminho certo. Outro retorno que temos tido também são das próprias crianças que sem nenhuma explicação nos abraçam durante as sessões, como se quisessem dizer obrigado.”

Ainda conforme o sócio do projeto, o impacto vai além da diversão e de novas opções de lazer.

“Com ele conseguimos conscientizar também a sociedade e entidades públicas da importância de adaptação de todos os espaços, de forma que seja confortável a todos. Por conta da Sessão Azul, várias leis foram criadas para que hajam eventos adaptados periódicos para nosso público.”

Leonardo e outros voluntários do projeto
Leonardo e outros voluntários do projeto - Acervo pessoal | Sessão Azul

Como ficar por dentro das sessões?

Os interessados podem acompanhar a programação pelo site www.sessaoazul.com.br ou nas redes sociais (@sessaoazul).

As sessões são sempre com meia-entrada e, quando possível, gratuitas — com inscrições feitas pela plataforma Sympla.

E para quem deseja apoiar o projeto, seja como parceiro ou patrocinador, o contato pode ser feito pelo e-mail [email protected].

 

Abril Azul

O projeto Sessão Azul retrata que inclusão se faz na empatia e, principalmente, em ações concretas. E ainda mostra que um simples passeio ao cinema pode transformar vidas inteiras.

Durante todo o mês de conscientização do autismo, a Catraca Livre prepara artigos sobre causas, diagnósticos e estudos, além de histórias de pessoas com TEA. Confira todos os conteúdos clicando aqui.