PMs invadem audiência pública sobre direitos humanos na Unifesp
Os policiais reivindicavam a mudança da nomenclatura 'Ditadura Militar de 1964' para 'Revolução de 1964' e a retirada da 'discussão de gênero nas escolas'
Policiais militares invadiram uma audiência pública no campus Baixada Santista da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) na noite da última sexta-feira, dia 11, e hostilizaram professores, alunos e técnicos. O encontro foi organizado para discutir o Plano Estadual de Educação em Direitos Humanos de São Paulo.
De acordo com comunicado da Adunifesp (Associação dos Docentes da Unifesp), o campus foi ocupado por quase uma centena de PMs, “muitos fardados e inicialmente armados”, que defendiam a exclusão de conteúdos relativos aos direitos humanos do currículo das escolas.
Os policiais reivindicavam, entre outras coisas, a mudança da nomenclatura “Ditadura Militar de 1964” para “Revolução de 1964” e a retirada da “discussão de gênero nas escolas”. Ao tomarem conhecimento da ação violenta, muitas pessoas tentaram integrar a audiência, mas foram coagidas e impedidas de participar, sob a justificativa de que não estavam presentes desde o início.
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“Ouviram-se frase macabras, como ‘Depois morre e não sabe o porquê!’ ou ‘Quando precisarem da polícia, chamem o Batman’. Além disso, um grupo de militares e seus apoiadores começou a fazer cartazes com ‘Bolsonaro 2018′”, diz a nota.
Quando o texto-base do Plano Estadual de Educação em Direitos Humanos foi à votação, ocorreu um “verdadeiro espetáculo de horror”.
“Depois de perderem uma proposta, militares agrediram verbalmente professores e estudantes, chamando-os – mais uma vez – de ‘vagabundos’. Nas votações subsequentes, intimidaram-nos fazendo pessoalmente a contagem dos votos e filmando, fotografando e olhando de modo ameaçador cada um que votava contra a posição deles”, completa o texto.
O grupo dos militares conseguiu aprovar na audiência a supressão de qualquer referência a direitos humanos no plano estadual, a eliminação de item que obrigava o Estado a garantir a permanência e combater a evasão escolar de minorias e também foi suprimida a obrigação de formar agentes de segurança pública com base nos princípios dos direitos humanos.
“A Adunifesp-SSind entende que este ato abusivo e autoritário se insere num movimento maior de ataques à democracia e aos direitos humanos em curso em nosso país”, declara a associação. “Repudiamos veementemente o modo como ocorreu a votação e solicitamos que o Conselho Estadual da Condição Humana desconsidere o resultado desta “consulta'”, finaliza.
Diante da ação, a reitoria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) publicou uma nota de esclarecimento. “Para a Unifesp, os direitos humanos constituem princípio no cumprimento de sua função educativa e de produtora de conhecimento, bem como na sua cultura institucional”, afirma. Confira aqui na íntegra.
- Veja abaixo o comunicado da Adunifesp sobre o ocorrido:
“Manifestamos nosso mais profundo repúdio ao que ocorreu na Universidade Federal de São Paulo, Campus Baixada Santista, na noite de 11 de agosto de 2017, durante a Audiência Pública convocada pelo Conselho Estadual da Condição Humana para discutir o texto do Plano Estadual de Educação em Direitos Humanos de São Paulo.
Desde às 18h o campus foi ocupado por policiais, muitos fardados e inicialmente armados (foi exigido que guardassem as armas). A calçada do portão principal ficou abarrotada de viaturas da Polícia Militar. A comunidade acadêmica que ali se encontrava para as atividades diárias tinha pouca informação a respeito e ficou estarrecida quando soube que se tratava de uma audiência em que seriam definidos os rumos da educação em direitos humanos e, mais ainda, quando compreendeu que os policiais militares (que a esta altura chegavam a quase cem) defendiam a proposta de eliminar conteúdos fundamentais à educação pública. Estes bradavam por “direitos humanos aos humanos direitos”, “mudar a nomenclatura Ditadura Militar de 1964 para Revolução de 1964”, “retirar a discussão de gênero nas escolas”, etc.
Professores, técnicos e estudantes que estavam no campus, após tomarem conhecimento do que ocorria, decidiram participar da audiência e foram hostilizados pela tropa, que tentou impedir que votassem, sob o argumento de que não estavam lá desde o início. Houve até gritos de “vagabundos”. Se fazem isso contra quem estava no próprio espaço de trabalho e estudo (muitos descendo da sala de aula), o que não farão com pessoas mais vulneráveis em um país com cerca de treze milhões de desempregados?
Estudantes e professores que se manifestaram pacificamente com cartazes em defesa da Escola Pública e dos Diretos Humanos também foram hostilizados. Ouviram-se frase macabras, como “Depois morre e não sabe o porquê!” ou “Quando precisarem da polícia, chamem o Batman”. Além disso, um grupo de militares e seus apoiadores começou a fazer cartazes com “Bolsonaro 2018”, “Liberdade sem libertinagem”, “Pode confiar #”. Situação preocupante em que os que defendem a “escola sem partido” partidarizam sua atuação portando as vestes e as insígnias de uma corporação militar. Ainda mais lamentável: a alta patente fardada nada fez para controlar seus subordinados que, aliás, quase agrediram fisicamente algumas docentes e estudantes.
Feita a leitura do texto-base do Plano Estadual de Educação em Direitos Humanos de São Paulo, começou a “votação”. O que se viu foi um verdadeiro espetáculo de horror. Depois de perderem uma proposta, militares agrediram verbalmente professores e estudantes, chamando-os – mais uma vez – de “vagabundos”. Nas votações subsequentes, intimidaram-nos fazendo pessoalmente a contagem dos votos e filmando, fotografando e olhando de modo ameaçador cada um que votava contra a posição deles. Ao longo da noite, a comunidade acadêmica correu sérios riscos.
Foi aprovada a supressão de qualquer referência a direitos humanos no plano estadual; foi eliminado o item que obrigava o Estado a garantir a permanência e combater a evasão escolar das minorias; foi suprimida a obrigação de formar agentes de segurança pública com base nos princípios dos direitos humanos.
Apesar do temor, a comunidade acadêmica resistiu pacificamente. Externamos nossa forte preocupação com quem pretende, na base do grito, se sobrepor à produção de conhecimentos, à liberdade de pesquisa, à democracia e à autonomia universitária.
A Adunifesp-SSind entende que este ato abusivo e autoritário se insere num movimento maior de ataques à democracia e aos direitos humanos em curso em nosso país. Também o fato de que ele tenha ocorrido dentro da Unifesp escancara o processo de demonização e ataque às Universidades Públicas que é impetrado hoje em dia por setores reacionários da sociedade.
Por fim, repudiamos veementemente o modo como ocorreu a votação e solicitamos que o Conselho Estadual da Condição Humana desconsidere o resultado desta “consulta”.
Queremos esclarecimentos sobre a utilização do espaço da Universidade Federal de São Paulo para episódios desta natureza. Manifestamos nossa preocupação com a integridade física dos professores, técnicos e estudantes que ali defendiam o ensino público e de qualidade, a escola sem mordaça, a permanência dos direitos humanos como princípio norteador da educação. Exigimos que as chamadas autoridades competentes manifestem posição urgente e clara sobre o ocorrido, especialmente no tocante às relações entre disciplina da tropa e Estado de direito.
ADUNIFESP – SSind”
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