Dona Zica, matriarca da Mangueira e idealizadora do Zicartola
Liderança e referência feminina no Morro da Mangueira, Dona Zica foi também companheira do sambista Cartola
Euzébia Silva de Oliveira, mais conhecida como Dona Zica ou a Primeira Dama do Samba, foi casada com Angenor de Oliveira, o mestre Cartola, compositor que encantou tanta gente e permaneceu no anonimato durante muitos anos antes de ter sua poesia reconhecida. Zica é considerada responsável por incentivar o sambista a voltar para o Morro da Mangueira e para o samba.
Zica também foi uma das primeiras integrantes da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, tendo participado do primeiro desfile da agremiação, em 1928. Coordenou durante muitos anos a confecção de fantasias da escola e foi uma das principais pastoras da Velha Guarda da Mangueira, desde que o grupo foi fundado em 1965.
Cozinheira de mão cheia, ela trabalhou por muitos anos como chefe do tradicional Clube Bola Preta e, ao lado do marido, idealizou o bar e restaurante Zicartola, que tornou-se um importante ponto de encontro de sambistas na década de 1960.
Dona Zica nasceu no dia 6 de fevereiro de 1913, um domingo de Carnaval, no bairro de Piedade, no Rio de Janeiro. Órfã de Euzébio Silva, que morreu quando ela tinha apenas um ano de idade, e criada pela mãe lavadeira, Dona Gertrudes Efigênia dos Santos, Zica mudou-se ainda pequena com a família para o Buraco Quente, onde foi uma das primeiras integrantes da Estação Primeira de Mangueira.
Casou-se, ainda muito jovem, com um craque de futebol do bairro, Carlos Dias do Nascimento, com quem teve cinco filhos e adotou mais um. Frequentadora assídua da Estação Primeira, Zica passou a trabalhar como tecelã numa fábrica de tecidos instalada no mesmo bairro da agremiação.
Com a morte de Carlos, em 1952, trocou os tecidos pela cozinha da Embaixada do Sossego, uma das grandes sociedades do carnaval carioca e que, além dos desfiles carnavalescos, promovia intensa vida social. Foi lavadora de pratos, ajudante de cozinha e, finalmente, cozinheira do Clube Bola Preta.
De volta ao morro da Mangueira, é nessa época que reencontra Cartola, que andava sumido pelos problemas gerados pela bebida, casos amorosos e desilusões com o samba. Dona Zica conhecia e admirava Cartola de longa data e assim como ele, era viúva. Em 1953, Zica e Cartola vão morar juntos. É ela quem empresta ao marido a dose exata de perseverança para o compositor trilhar seus primeiros passos rumo ao reconhecimento.
Ao lado de Zica, Cartola passa de lavador de carros, a contínuo do Diário Carioca, cobrador e, finalmente, funcionário público. Responsável pela zeladoria de um velho prédio na Rua dos Andradas, centro do Rio, sede da Associação das Escolas de Samba, o casal faz do lugar um ponto de encontro, que mais tarde viraria o maior celeiro do samba de todos os tempos: o bar e restaurante Zicartola.
Com Cartola comandando a música e Dona Zica na cozinha, o Zicartola é considerado um marco na noite carioca. Fundado no início da década de 1960, o espaço também foi o embrião de eventos marcantes como Opinião e Rosa de Ouro, além de ter exercido papel protagonista na resistência cultural em tempos sombrios que se anunciavam com o golpe de 1964.
O Zicartola possibilitou também o resgate de velhos sambistas como Nelson Cavaquinho, Ismael Silva e Zé Kéti e deu espaço para o surgimento de uma nova geração do samba e da MPB.
Apesar de sua grandiosidade musical, e de ser templo da boa mesa, o Zicartola não durou muito (funcionou até 1965) mas foi na sua época áurea que Zica e Cartola oficializaram a união na igreja. Uma das mais belas composições de Cartola, o samba “Nós Dois” foi composto especialmente para a ocasião do casamento, realizado na Paróquia Nossa Senhora da Glória.
Escute o samba “Nós Dois”, de Cartola:
Mesmo com a morte do poeta em 1980, Dona Zica continuou exercendo seu papel de liderança e referência para a preservação da identidade do samba carioca: comandava o setor de confecção de fantasias da Mangueira e, ao lado de Dona Neuma, figurava como uma das principais pastoras da Velha Guarda da Estação Primeira.
Em 2003, Dona Zica nos deixou. No mesmo ano, esta grande dama da verde e rosa foi homenageada com a publicação de “Tempero, Amor e Arte”, livro escrito pela neta, Nilcemar Nogueira, e pelo jornalista e pesquisador Sergio Cabral, que conta com mais de 40 receitas, além de histórias exclusivas sobre a mulher que se consagrou como das mais principais lideranças do samba carioca.
Com informações do livro “Força Feminina do Samba” e “Tempero, Amor e Arte“, de Nilcemar Nogueira.
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