Uma viagem espiritual pela Espanha, Tailândia, Nepal e Índia
Dar uma volta ao mundo sempre foi meu grande sonho, não apenas para conhecer novas paisagens, mas também para entrar em contato com o mundo dentro de mim. Há mais de um ano deixei o Brasil e passei por lugares que ajudam no autoconhecimento e que estão atrelados à espiritualidade.
Abri mão de qualquer pré-julgamento e fui ao encontro, principalmente, de três linhas espirituais: católica (Espanha), budista (Tailândia e Nepal) e hindu (Índia).
Comecei pelo Caminho de Santiago de Compostela, que desde a idade média atrai peregrinos em busca de cura e renovação. Optei pelo Caminho Francês, que começa com a travessia dos Pirineus e acabei em Finisterra, somando quase mil quilômetros.
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Finisterra, na Espanha, era considerada o fim na Terra na Idade Média, ali os peregrinos terminavam a jornada, banhando-se no mar da Galícia, queimando as roupas usadas na caminhada e levavam de volta consigo a concha, que hoje conhecida como símbolo dessa jornada. Atualmente, muitas pessoas finalizam na igreja onde está o corpo do apóstolo Thiago: Santiago de Compostela, que fica cem quilômetros antes.
Esse trecho é percorrido em cerca de 30 dias andando ou na metade do tempo em bicicleta. As paisagens são lindas, vilas, campos, igrejas e cidades. Mas o maior atrativo, para mim, foram as pessoas que conheci, gente profunda, sincera, de coração aberto, que compartilham suas angustias com desconhecidos, que se preocupam com os outros, que aceitam e oferecem ajuda. Pessoas que não tentam mais ser os super-heróis que a sociedade espera, só querem voltar a ser humanos.
O caminho expõe a ensinos tão pessoais que nos fazem ter certeza de que algo a mais acontece ali. Relatos de mensagens, sinais, aprendizados, visões, são constantes para quem vai em busca de espiritualidade. Foi uma experiência incrível e já tenho planos de repetir.
Cerca de três meses e alguns países depois, cheguei à Tailândia, onde o budismo é a religião principal. Optei por um retiro de 10 dias que achei na internet, não sabia o que esperar, meu objetivo era aprender mais sobre meditação e acabei aprendendo mais sobre a vida.
Conheci os princípios budistas básicos, que não são nada complicados, coisa que todo mundo fala que devemos praticar, mas só ali tive consciência do quanto eu tinha me afastado do básico do ser humano e estava rumando para ser uma máquina.
Tive contato com tratamentos e pessoas incríveis, o centro é holístico e leva ao pé da letra a lição de buda de desapego material. Tudo é gratuito, comida, massagens, consulta com os médicos ayurvédicos e espirituais, aulas de meditação, remédios naturais, alojamento, etc. A única coisa que paguei foi o aluguel de uma roupa padrão, que eu não tinha, e de uma esteira e cobertor para colocar no chão, sim, dorme-se no chão.
Éramos quatro turistas em meio a centenas de tailandeses que não falavam inglês, mas que com o sorriso e os olhos nos faziam sentir em casa. A humildade e disciplina dessas pessoas é tocante, um aprendizado e tanto.
Quatro monjas nos ajudavam –duas alemãs e duas espanholas–, que há anos moram lá e abdicaram do que chamamos vida normal, para se dedicarem ao budismo.
Gratidão brotava de mim a cada manhã, mesmo tendo que acordar às 4h30 e indo dormir depois das 22h, dentro de uma rotina de quase 4 horas de mantras, seguido por tratamentos ayurvédicos, meditação, ioga e seva (trabalho voluntário para organizar e limpar o centro).
Ao final, pode-se fazer uma doação ao templo, é só colocar um envelope na caixa de doações e ninguém fica sabendo o valor. É impossível não querer contribuir com a continuidade desse trabalho, depois de ter passado por lá.
Outro contato com o budismo foi na cidade de Lumbini, no Nepal, onde Sidharta Gautama, o buda (que significa professor), nasceu. Lá, mais de uma dezena de templos budistas de países de todos os continentes oferecem retiros e meditações.
O próximo destino espiritual foi a Índia, famosa pelo hinduísmo, babas, gurus, ioga, meditação e coisas que eu nunca tinha ouvido falar.
Fui à procura de mestres mais conhecidos na cultura ocidental, até pela questão da língua. Em meio a essa busca soube de amigos vindo para um festival organizado pelo mestre indiano Sri Ravi Shankar e me juntei para dançar com o grupo do Brasil para três milhões de pessoas do mundo inteiro que estavam lá.
Isso já me fez perceber o quando essa viagem tinha me mudado, a garota tímida na adolescência, estava ali, se expondo em um palco para aquela multidão.
Na Índia, passei também por estudos em um centro do Osho, polêmico por mobilizar milhares de norte-americanos, criar uma comunidade alternativa, ser contra o sistema, a ponto dos seus seguidores afirmarem que ele morreu envenenado pela CIA.
Osho utilizava técnicas de meditações ativas, eu que já estava acostumando no silêncio budista, aprendi a meditar com energia, pulando, gritando, rindo, girando, muitas coisas que às vezes levam a uma espécie de transe e exaustão que no final da meditação deixam a mente em silêncio. Conheci no centro diversos brasileiros, alguns frequentam o lugar há décadas. Mudei diversos conceitos que tinha sobre meditação.
O próximo passo foi realizar um dos meus sonhos dessa viagem: o Holi, o festival de chegada da primavera, famoso pelo pó colorido.
Escolhi para passar esse momento em uma temporada com o mestre brasileiro Sri Prem Baba, em Rishikesh, a capital da yoga na India, na beira do sagrado rio Ganges.
No meu primeiro dia lá, o grupo musical abriu a palestra com o mantra que eu escutava diariamente no retiro budista na Tailândia, pode ser coincidência, mas um mantra budista em um ashram hindú, me deixou mais claro ainda o respeito que temos que ter pelo caminho que cada pessoa escolheu.
A rotina no ashram inclui yoga, meditações e o satsang (palestra) diário, onde Pram Baba aborda assuntos da vida cotidiana, muitas vezes com base nas perguntas dos presentes. As questões são as mais diversas, abusos sexuais, traumas, trabalho, relacionamento e os dramas existenciais de pessoas em busca de mudanças.
Essas foram apenas algumas das experiências que vivi neste período e que deram uma nova visão sobre a vida e as oportunidades, eu que fui bancária por 17 anos, atualmente, estudo terapias ayurvedas na Índia. É impossível voltar a ser a mesma pessoa depois disso, mas também é difícil ser outra pessoa de uma hora para outra. A inclusão do aprendizado e mudança de atitude no dia a dia acontece de forma gradual.
Cada linha espiritual tem sua espécie de mestre ou deuses. Eles são professores que resgatam valores. Eu tinha muita facilidade para aceitar os professores da escola e dificuldade para aceitar os espirituais. Agora quero aprender com eles, sem idolatria.
No fundo, a espiritualidade tem em seus princípios o amor, a solidariedade e o aperfeiçoamento como ser humano, por mais distorcidas que as religiões pareçam atualmente. Gosto palavra namastê, que significa “o Deus que habita em mim, saúda o Deus que habita em você”, ele está dentro de nós.
Relato por Gilsimara Caresia, jornalista e turismóloga, apaixonada por viagens, já viajou por mais de 70 países e é autora da página GirlsGo