‘O pior no transporte é a falta de respeito’, diz cadeirante
Como parte da Semana da Mobilidade, o Catraca Livre acompanhou as dificuldades enfrentadas por Douglas Nascimento no transporte público de São Paulo
Terça-feira, nove e meia da manhã. Depois de tomar o café e colocar a roupa de trabalho, Douglas Nascimento parte para um longo trajeto no transporte público, este que ocupa seus dias de segunda a sexta. Com a ajuda do irmão, o rapaz de 26 anos sai de seu apartamento, empina a cadeira de rodas, segura firme no corrimão e desce os dois lances de escada do prédio em que mora sua mãe – onde ele fica hospedado parte do mês, pois vive com o pai em outra casa –, localizado na Vila Silvia, zona leste de São Paulo.
O emprego como telefonista em um cartório na República, região central da cidade, faz com que o cadeirante passe boas horas de seu dia dentro do ônibus, do trem e do metrô. O percurso é sempre o mesmo: uma hora e meia até Poá, na Grande São Paulo, onde ele pega alguns documentos em uma empresa; mais uma hora de Poá à avenida Paulista para entregar os arquivos em um banco; e da Paulista até o cartório leva 15 minutos. Para voltar para casa, por volta das 19h, gasta em média uma hora.
“Eu passei a usar o transporte público quando sofri um acidente de carro em 2010, aos 19 anos. Antes, não usava tanto, não chegava a sair muito, porque estudava e só ia da escola para casa”, afirma o telefonista. “No começo, foi difícil, eu ficava com medo. Sentia preconceito por parte das pessoas, até hoje sinto isso. Às vezes, elas não querem me ajudar a subir em uma perua, no ônibus, e até mesmo no trem”, completa.
O trajeto
Ao sair do condomínio, Douglas vai em direção ao ponto de ônibus a poucos metros do local. Quando o veículo chega, o motorista aciona o elevador para que ele possa entrar. Já na área reservada para pessoas com deficiência, ele coloca o cinto de segurança e segue viagem. Mas a experiência nos ônibus nem sempre é assim. “A falta de respeito é a maior dificuldade. Igual na perua: você entra, tem alguém sentado no espaço para cadeirante, e, o pior de tudo, vendo que você está ali”, diz.
Além dos problemas envolvendo os demais passageiros, ele sofre com veículos em que os elevadores estão quebrados e, também, com motoristas que nem sequer sabem mexer nos equipamentos. A frase “o elevador está quebrado” faz parte do cotidiano do cadeirante, mesmo nos casos em que o aparelho funciona perfeitamente. “Eu respondo: ‘Como está quebrado, se eu peguei ontem?’. Tem uns motoristas com quem eu debato e para outros eu me ofereço para manusear o elevador. Mas eles não deixam e ainda questionam: ‘Você quer me ensinar a fazer o meu serviço?’”, relata.
Do ônibus, Douglas desembarca próximo à Estação USP Leste, da Linha 12 da CPTM, onde pega o trem em direção a Poá. Em vez de usar o elevador, o telefonista desce a estação pela escada rolante. “Tem todo um esquema: eu vou de costas e seguro nos corrimões. Quando chega na parte de baixo, dou um impulso para sair. Graças a Deus, nunca me machuquei.”
Por causa de um trauma que sofreu recentemente, Douglas apenas usa os elevadores das estações nas situações em que não há outra opção. “A última vez que peguei elevador fiquei traumatizado porque eles são perigosos. Eu fiquei preso sozinho uma meia hora e tive que tocar o alarme e bater na porta para alguém me tirar de lá”, conta.
Assim que o rapaz entra na plataforma de embarque, um funcionário da CPTM pergunta em qual estação ele irá descer, manda um rádio alertando outro segurança da linha para ajudá-lo na saída e o auxilia a entrar no vagão. Isso ocorre no metrô e no trem, ou ao menos deveria. “No trem, tem carros antigos e, como as novas estações são niveladas, acaba ficando um degrau entre o carro e a plataforma. Se não tem nenhum funcionário, eu preciso pedir ajuda para alguém dentro do veículo.” “Eu não sou muito de pedir porque é constrangedor. Mas, se não tem outro jeito, tenho que pedir. Raramente alguma pessoa abre espaço para eu passar, principalmente em horário de pico”, declara.
Tentei pegar táxi uma vez, e o motorista não quis, falou que a cadeira não cabia no carro
Após mais de uma hora de viagem na CPTM, ele chega a Poá, onde precisa ir até uma empresa bem próxima da estação para pegar os documentos que serão levados ao cartório no período da tarde. O tempo de espera no local varia de dia para dia, às vezes o material é liberado em 30 minutos, outras em mais de uma hora e meia. Cumprida a tarefa, Douglas volta ao trem para o trajeto até a avenida Paulista e, por último, ao cartório.
Durante o caminho, algumas cenas se repetem: elevadores quebrados, com o aviso “inoperante devido a manutenção”, pessoas que os utilizam mesmo sem precisar, erro na comunicação entre os funcionários, que faz com que o cadeirante tenha que pedir ajuda a algum passageiro para sair do vagão, e o desrespeito frequente das pessoas que não abrem passagem no trem ou no ônibus.
“Na perua e no ônibus, já passei por muitos constrangimentos. Eu fico na área reservada para cadeirante, aí entra um idoso ou uma pessoa com criança no colo, e as pessoas falam: ‘Filho, levanta, você não está vendo que a mulher está com criança no colo? Você não está vendo que eu sou idoso?’. Eu respiro fundo e falo: ‘Você não está vendo que eu sou cadeirante?’”, afirma.
Dificuldades
Mesmo tendo prática e agilidade para se locomover, Douglas sofre inúmeros problemas no cotidiano dentro dos diferentes meios de transporte, sejam elas por parte dos demais passageiros ou pela infraestrutura.
“Em uma linha que eu pego, toda perua e ônibus está com o elevador quebrado. Aí eu ligo na SPTrans, reclamo, mas não adianta nada. Continua tudo igual”, diz o telefonista. “Também já fiz reclamações na CPTM, principalmente por conta do elevador. Mas nada foi solucionado. Eles mandam um e-mail falando que vão resolver, que o problema não vai voltar a se repetir, mas não, é a mesma coisa que nada.”
Nos outros modais, como o táxi, aplicativos de transporte e calçadas, as dificuldades variam. “O mais difícil das calçadas de São Paulo é o seguinte: às vezes a calçada é boa, mas vem outra que não é do mesmo nível, formando um degrau. Eu ainda consigo, porque empino a cadeira com facilidade, mas tem outras pessoas com deficiência que não conseguem descer sozinhas.”
“Tentei pegar táxi uma vez, e o motorista não quis, falou que a cadeira não cabia no carro. Depois disso, só uso o Uber. Eu peço o “select”, que é o carro sedã com a tarifa com o preço do veículo padrão, então é grande e a cadeira cabe normalmente. Eu mesmo entro sozinho, ajudo o motorista a desmontar a cadeira, ele coloca no porta malas e seguimos viagem”, finaliza.
Semana da Mobilidade
Como parte da Semana da Mobilidade, de 16 a 22 de setembro de 2017, o Catraca Livre acompanhou o dia a dia e as dificuldades enfrentadas por Douglas Nascimento no transporte público da cidade de São Paulo. Assista à reportagem com o trajeto completo: