Tarsila do Amaral e a educação pública no Brasil

29/05/2018 00:00 / Atualizado em 02/05/2019 20:22

Quando Tarsila do Amaral tem sua primeira exposição individual relevante nos Estados Unidos, mais precisamente no Moma (Museu de Arte Moderna) de Nova York, o Brasil parece enfrentar um novo capítulo da saga “Operários “– que a modernista pintou em 1933. A obra inaugurou uma pequena fase na vida da pintora onde a questão da identidade nacional se mescla à explícita preocupação social –fruto do crash de 1929 que afetou diretamente sua vida.

Se olharmos de longe, enxergamos na tela de “Os Operários” uma pirâmide de cabeças frente a uma chaminé fumegante e um cenário de urbanização. A migração de todos os tipos, raças, cores aos centros urbanos davam a cara de um novo Brasil – industrializado e liberal. Mas quem seriam eles? Uma massa humana. Diferentemente, entretanto, se olharmos de perto (a tela original tem 150X205 cm): é possível notar que cada um dos 51 rostos é único e representativo. Segundos especialistas, é possível inclusive reconhecer faces como a do arquiteto Gregori Warchavchik e da cantora Elsie Houston.

A obra “Operários”, pintada por Tarsila do Amaral em 1933
A obra “Operários”, pintada por Tarsila do Amaral em 1933

Como consequência desse cenário econômico e social, foi justamente nos anos de 1930 a escola pública como a conhecemos começa a ser forjada no Brasil. O movimento da Escola Nova traz ingredientes libertários e universais que arrastamos até hoje – John Dewey havia sido mestre de Anísio Teixeira nos Estados Unidos na década anterior. Surge o Ministério da Educação e Saúde, impulsionado pela Era Vargas. O Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou em 1932 o primeiro Plano Nacional de Educação – privilegiando a sistematização dos conhecimentos, o currículo propedêutico e tecnicista que lutamos para flexibilizar hoje.

Novamente, contemplando “Os Operários” a distância, ficamos com a pergunta: Como desenvolver uma educação universal, laica e libertaria para todos os brasileiros? Mais de oitenta anos depois, perseguimos esse ideal. Expandimos a rede, perdemos qualidade e corremos atrás da contemporaneidade – para que as escolas respirem o espírito de nosso tempo.

O olhar cirúrgico, em cada rosto evoca: Como cada um pode aprender da sua maneira? Como as chamadas “limitações” da aprendizagem de alguns podem ocultar habilidades não exploradas, talentos inatos? A tecnologia tem ajudado educadores a traçar caminhos individualizados da educação.

Nesse sentido, os “operários” de ontem se mesclaram e se reinventaram nas possibilidades de um mundo conectado. Se antes educávamos para a indústria, agora não temos controle sobre a velocidade que o mercado de trabalho se transforma. A digestão antropofágica de Tarsila e Oswald, por essência, deve ser eternamente relida. Uma educação contemporânea, conectada com crianças e jovens, precisa comer e digerir o que há em nossa volta, como um novo e complexo Ubaporu.