Dona Inah, a diva do samba com mais de 60 anos dedicados à música

07/03/2018 00:00 / Atualizado em 08/07/2019 13:58

Assim como Clementina de Jesus, Cartola, Walter Alfaiate, Glória Bomfim e outros nomes sagrados do samba que chegaram tardiamente ao grande público, a paulista Ignez Francisco da Silva, mais conhecida como Dona Inah, só teve seu talento devidamente reconhecido no ano de 2005, aos 69 anos de idade.

Foi quando Dona Inah ganhou o Prêmio de Música Brasileira na categoria Revelação, com seu primeiro CD, “Divino Samba Meu”, lançado em 2004. “Olha Quem Chega”, totalmente dedicado à obra do compositor Eduardo Gudin, lançado em 2008, colocou-a como finalista pelo mesmo prêmio na categoria de Melhor Cantora de Samba, ao lado de Leci Brandão e Mart’nália.

Em 2013, lançou seu terceiro disco, “Fonte de Emoção”, cantando composições de Dona Ivone Lara, Paulo César Pinheiro, Teroca, Vó Suzana e a primeira música de sua autoria a ser gravada, “Chorar Jamais”.

Escute a canção “Chorar Jamais”:

De lá para cá, Dona Inah já realizou shows na França, Turquia, Marrocos e Cuba – onde gravou 14 canções com músicos do Buena Vista Social Clube e o pianista Pepe Cisneros – batendo recorde de bilheteria, conquistando a crítica. Recentemente, a artista também foi homenageada no documentário “Que Cantadora a Vida me Fez”, da cineasta Patrícia Francisco.

Dona de um timbre rasgado e emotivo, a cantora possui um jeito inconfundível de interpretar mestres como Nelson Cavaquinho, Délcio Cavalho e Cartola. Passados 82 anos de idade e mais de 60 de carreira, Dona Inah é hoje uma das principais representantes do samba paulista.

No entanto, a trajetória da majestosa cantora, distinguida pelo tratamento de dona e “inah” – palavra que homenageia a avó e significa “indígena” – foi muito além dessas conquistas.

Dona Inah começou a cantar profissionalmente na década de 1950, quando conquistou o concurso “Peneira Rodini”, da Rádio Cultura
Dona Inah começou a cantar profissionalmente na década de 1950, quando conquistou o concurso “Peneira Rodini”, da Rádio Cultura

Nascida em 17 de maio de 1935 na cidade de Araras, no interior de São Paulo, Dona Inah foi educada nas sutis harmonias das valsas e boleros entoadas por seu pai trompetista e projetou-se como cantora aos nove anos de idade em apresentações em bailes de fazendas da região e festas da cidade.

Pioneira e irreverente, ela foi a primeira mulher negra a cantar no famoso Araras Clube, reduto da elite local à época.

Contando com os poucos recursos da família e auxílio de conhecidos que apostaram no seu talento, ela se dedicou seriamente a carreira de cantora. Na década de 1950, com menos de 20 de idade, mudou-se para Santo André e passou a se apresentar profissionalmente nas principais orquestras e emissoras de rádio da cidade.

Com um repertório em que misturava sucessos interpretados por Isaurinha Garcia, Aracy de Almeida, Orlando Silva e Nelson Gonçalves, Dona Inah foi, aos poucos, conquistando o público e tornando-se uma figura carimbada nas rodas de samba em São Paulo.

No entanto, sem condições financeiras ou apoio para dar continuidade a carreira de cantora, pouco a pouco, o estilo de vida artístico foi tragado pelas durezas do dia a dia, e Dona Inah volta seus esforços para cuidar dos filhos e trabalhar como babá, empregada doméstica e cozinheira.

No início dos anos 2000, após uma contratação na Prefeitura de São Caetano – o que representou uma maior estabilidade financeira -, Dona Inah decide retomar sua carreira musical. Em 2002, ela é convidada para cantar no musical “Rainha Quelé”, em homenagem à Clementina de Jesus, ao lado de nomes como Marília Medalha e Fabiana Cozza. A partir daí, sua carreira deslancha.

Para além das glórias e conquistas, conhecendo a história de Dona Inah, nos damos conta da imensa dívida da sociedade com as mulheres do samba, sobretudo com as mulheres negras, parcela da sociedade que sofre até hoje com a discriminação de gênero e com o preconceito racial.

Mesmo tendo lançado seu primeiro CD aos 69 anos, Dona Inah consagra-se como uma figura de elevada importância para a cultura popular brasileira, ainda que pouco conhecida.

Ouça o álbum “Olha Quem Chega”, dedicado à obra do compositor Eduardo Gudin:

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