Eduardo Gudin e o samba de São Paulo

"Há de se defender o samba de São Paulo com gente talentosa", revela o compositor

26/10/2016 00:00 / Atualizado em 09/05/2019 15:38

Revelar a cultura de São Paulo não é tarefa para iniciantes. Ainda há debate acerca da ideia de que a terra da garoa não é berço, mas sim o verdadeiro túmulo do samba e de tantas outras manifestações de arte e música.

Mas a nossa cultura tem feito boa figura: quilombos e tribos, benzedeiras, geleias e licores, tropeiros e galinhadas, congos, jongos e moçambiques, cortejos e caiçaras, rasqueados, ponteios, cachaças de alambique, moda de viola, folia de reis e o samba.

Mas como afirmar que o som é tipicamente paulista? O que o credencia?

“Há de se defender o samba de São Paulo com gente talentosa”, afirma Gudin
“Há de se defender o samba de São Paulo com gente talentosa”, afirma Gudin

Para muitos estudiosos, a defesa de um samba peculiar paulista pode ser explicada em comparação com o gênero desenvolvido no Rio de Janeiro. Esta famosa dicotomia procura colocar em foco as dificuldades enfrentadas por aqueles grupos que praticavam o samba nos limitados espaços urbanos da capital paulista em face ao então grande centro produtor e difusor da música popular brasileira que era o Rio.

De acordo com Eduardo Gudin, a identificação como tipicamente paulista remetia a um samba regional que não ultrapassou as barreiras impostas pela indústria do rádio e do disco, que dava pouca ou nenhuma atenção aos compositores e instrumentistas do samba de São Paulo. No entanto, o compositor contemporiza o debate atual: ” Não sinto que essa deve ser a maior preocupação hoje: defender um samba com essa levada bairrista. Há de se defender o samba de São Paulo com gente talentosa, que domina o gênero, não com essa preocupação de que tem que se diferenciar dos cariocas. Isso é um suicídio.”

O samba não possui moldes concretos, certidão de nascimento ou lugar a qual pertence. Mesmo que possua uma história, é um gênero plural, que se ramifica e está em constante processo de transformação. “Paulo Vanzolini e o Adoniran adoravam o Noel Rosa”, conta Gudin ao lembrar das influências do rádio e, consequentemente, do samba carioca no contexto de São Paulo. Outro amante dos sambas revelados pela era do rádio, segundo o violonista paulistano, foi Seu Nenê de Vila Matilde, que fazia uso de canções de rádio nos desfiles da agremiação.

Outra exposição interessante na fala de Gudin é sobre a chamada identidade de um samba tipicamente paulista ou paulistano. Segundo o compositor, essa busca incessante por autoafirmação pode, de certa forma, diminuir a qualidade do que se produz.”Fica aquela impressão de que nós estamos sempre tentando e nunca conseguimos. A música e o samba não são coisas chapadas assim.”

“Quem tinha um sotaque mesmo era Adoniran Barbosa. Talvez considerassem forçação de barra aquele personagem inicialmente inclassificável. Mas ele existiu”. Fica claro que para criar algo autêntico não é preciso esforço.

Eduardo Gudin e Adoniran Barbosa
Eduardo Gudin e Adoniran Barbosa

Voz do interior do estado e dos bairros italianos da capital, Adoniran ficou conhecido como o tradutor mais completo do samba de São Paulo. “Ele fazia um samba de um tipo de gente que só existia em São Paulo, aquele imigrante italiano e que fala um português meio errado. Isso sim é original”, ressalta Gudin.

O sotaque em Gudin

Perguntado sobre a classificação de sua obra, o compositor prefere não se intitular. Sua obra é pessoal: ele compõe, canta e toca violão. A principal matéria-prima? Os compositores que ouvia desde a infância, como Paulinho Nogueira e Baden Powell, a quem se refere como “o maior violonista que já houve no mundo” e aponta como inspiração maior pela sensibilidade como compositor e pelas técnicas de improviso.

“Desde cedo eu percebi que tinha um jeito para o samba. E não é que ele ficou?”, revela ao lembrar dos primeiros contatos com a música enquanto profissional. “Eu comecei a perceber que os caras que eu admirava – como o Baden – gostavam dos meus sambas. Sentia muito orgulho por saber lidar com o gênero.”

Dona Inah gravou “Olha Quem Chega”, disco que presta uma homenagem ao compositor
Dona Inah gravou “Olha Quem Chega”, disco que presta uma homenagem ao compositor

Esse “sentir-se à vontade” neste universo e a capacidade de criar o credenciam como exímio compositor do samba que é. O paulistano segue atuando em busca da valorização dos talentos de sua terra e bebendo de fontes externas. “A tristeza é senhora, desde que o samba é samba é assim…”, cantarola a canção “Desde Que o Samba é Samba”, do baiano Caetano Veloso, ao ser questionado sobre a verdadeira essência de um samba bom: o dom de cantar o lamento com alegria.