Geovana: ‘A gente faz porque gosta e não tem medo de nada’

Conhecida como Deusa Negra do Samba-Rock, Geovana é protagonista de uma trajetória ímpar no contexto do samba

“Geovana que é uma frondosa e imponente árvore, um majestoso Baobá, das vastas estepes africanas, muito bem plantada no fértil solo da música popular brasileira”, disse certa vez o radialista Adelzon Alves para explicar a relevância da compositora dentro do cancioneiro nacional. Aos 69 anos, Geovana tem muita história para contar sobre a sua trajetória e sobre o samba, que conhece desde que se entende por gente.

A carioca da Tijuca emplacou sucessos como “Pisa Nesse Chão com Força” e “Quem Tem Carinho Me Leva” foi amiga de Beto Sem Braço, com quem firmou as inesquecíveis “Ô Irene” e “Lã de Cobertor”, e consagrou-se como a Deusa Negra do Samba-Rock e Rainha do Partido-Alto. Ainda se apresentou com a chamada “Santíssima Trindade”, trio-ícone da história inicial do samba formado por Donga, Pixinguinha e João da Bahiana.

Sua obra e caminhada reafirmam a importância da música popular e das manifestações afro-brasileiras na constituição da nossa cultura. Segundo Geovana, o segredo é a insistência. “A gente faz porque gosta e não tem medo de nada”, afirma em entrevista exclusiva ao Samba em Rede. Por essas e por outras que Geovana merece todo o nosso respeito e nossa humilde homenagem.

Geovana fala sobre sua trajetória com exclusividade ao Samba em Rede

Maria Tereza Gomas, mais conhecida pelo nome artístico Geovana, é protagonista de uma trajetória ímpar no contexto do samba. Nascida em 1948, no Rio de Janeiro, cresceu cercada pela oralidade das histórias narradas por seus familiares e acostumou-se a percorrer as rodas de samba suburbanas, garimpando o melhor da música para o seu trabalho.

Nos anos 1960, a jovem começa a se envolver mais com o universo das escolas de samba, frequentando a quadra da Imperatriz Leopoldinense e do Salgueiro. Décadas mais tarde, integrou o Grêmio Recreativo de Artes Negras e Escola de Samba Quilombo.

A convite de Maria Bethânia, Geovana passa a se apresentar às segundas-feiras nas rodas de samba do Teatro Opinião – polo de resistência política e cultural em meio à ditadura militar. Lá conheceu figuras como Tereza Aragão, Aluízio Machado, Xangô da Mangueira, Martinho da Vila e Jair Rodrigues.

A artista debuta no cenário musical nacional como cantora e compositora na Bienal do Samba em São Paulo, em 1971, quando defende a canção “Pisa Nesse Chão com Força“. O envolvimento cada vez maior com o samba rendeu-lhe, entre outras alegrias, a produção de dois LPs. A sua estreia em disco deu-se no ano de 1975, pela gravadora BMG, com o LP “Quem tem Carinho me Leva“.

Em 1975, Geovana lançou o LP “Quem tem Carinho me Leva”

Neste trabalho, produzido por Rildo Hora, foram incluídas canções como “Pisa Nesse Chão com Força”, “Taturuê”, “Nos Braços do Dia” e “Rosa do Morro”. O LP teve ainda três arranjos do pianista Luiz Eça e a composição “Maitá”, de autoria da cantora. Em 1988, gravou seu segundo álbum, “Canto pra Qualquer Cantar”. 

Em 1978, Geovana quebrou muitos estigmas ao fazer parte do elenco do documentário “Partideiros”, com roteiro de Nei Lopes, Rubem Confete e Clóvis Scarpino, que também dirige o filme ao lado de Carlos Tourinho. A jovem cantora aparece ao lado de grandes partideiros como Clementina de Jesus, Aniceto do Império, Candeia, Guara, Geraldo Babão, Martinho da Vila e Wilson Moreira.

Dona de uma visão crítica, Geovana levanta o debate sobre o machismo no samba e defende que mulheres estejam em todos os espaços e que recebam o mesmo tratamento dos homens. Sobre como conquistar espaço em um meio com forte predomínio masculino, vai direto ao ponto: “Essa dificuldade acontece até hoje. Ou você dá um pouquinho ou você não canta. Mas aqui não é propriedade do governo, é particular. É necessário se fazer respeitar.”

Guilherme Lacerda e Geovana

Na entrevista, a cantora diz enxergar o samba sempre às margens da mídia e elogia o compositor Guilherme Lacerda e o Batalhão da Vagabundagem – nomes da nova geração – como um acontecimento cultural paulistano importante para a revelação de novos talentos. Os radialistas Moisés da Rocha e Adelzon Alves também são citados como figuras essenciais para a manutenção do gênero: “Essas pessoas não fugiram, não ficaram com medo dos novos mandamentos da música brasileira.”

Recentemente, a artista foi homenageada no documentário “Bambas“, da cineasta e cantora Anná Furtado, que explora o protagonismo feminino no contexto do samba paulistano. Também participou da gravação do CD “Atalho“, de Guilherme Lacerda: a sambista compôs e abrilhanta as faixas “Meu Coração Pergunta”, “Já Foi Meu Carnaval” e “Venha me Visitar.”

Confira a entrevista na íntegra:

  • Para celebrar o Mês da Mulher, o Samba em Rede presta homenagens diárias a personagens do gênero feminino que nos inspiram. Saiba mais sobre a campanha e leia outros perfis aqui.