A luta e a resistência de Hilária Batista de Almeida, a Tia Ciata
Nascida em 1854, Tia Ciata arregimentava encontros que mesclavam culinária, música e religiosidade
O ambiente do samba sempre foi marcado pela força e atuação feminina. No início do século 20, Hilária Batista de Almeida, mais conhecida como Tia Ciata, se tornou símbolo da resistência negra pós-abolição e uma das principais incentivadoras do gênero depois de abrir as portas de sua casa para reuniões de sambistas pioneiros quando a prática ainda era proibida.
Nascida em 1854 em Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo Baiano, Hilária Batista de Almeida foi criada em meio a uma família de mulheres negras que trabalhavam como cozinheiras e serventes. Por incentivo do pai de santo Bangboshê Obitikô, que era africano, Hilária foi iniciada no candomblé e se tornou mãe de santo, sendo confirmada como Ciata de Oxum.
Aos 22 anos de idade, migrou para o Rio de Janeiro, junto ao movimento da diáspora baiana. No final do século 19, com a abolição da escravatura no Brasil, uma grande quantidade de negros baianos se deslocou para o Rio, principalmente para bairros da zona portuária como Gamboa, Saúde e Santo Cristo, em busca de melhores condições de vida.
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De origem humilde, Ciata teve de trabalhar como quituteira para ajudar em casa e sustentar os filhos. Paramentada com turbantes na cabeça e volumosos vestidos brancos, Ciata foi – ao lado de outras mulheres baianas de sua geração como Tia Amélia do Aragão (mãe de Donga), Tia Presciliana (mãe de João de Baiana), Tia Veridiana (mãe de Chico da Baiana) e Tia Fé da Mangueira – uma das precursoras do movimento de tias baianas quituteiras na Cidade Maravilhosa.
Através de mandingas e tabuleiros repletos de bolos, manjares e cocadas, a atuação das tias quituteiras foi fundamental para garantir a manutenção da cultura popular trazida da Bahia e dos ritos de tradição africana, além do sustento de suas famílias.
Com comida boa e rodas regadas a muita música, a casa onde Ciata morava na antiga Rua Visconde de Itaúna, perto da Praça Onze ou “Pequena África”, logo passou a ser um dos principais pontos de encontro de personagens históricos do samba carioca como Pixinguinha, Donga, Heitor dos Prazeres, Sinhô e João da Baiana.
Junto àqueles que no futuro seriam consagrados, mas que na época eram apenas jovens músicos, Ciata não deixava a desejar: comandava o partido-alto com autoridade respondendo aos refrões e dançava o “miudinho”- uma forma de sambar de pés juntos, na qual Ciata era mestra.
Neste período, os encontros de samba eram proibidos pela polícia. Mas, para as reuniões na casa de Tia Ciata, os homens da lei faziam vista grossa devido a sua fama de curandeira. Segundo registros oficiais, Ciata curou uma ferida da perna do presidente Venceslau Brás, que em troca lhe atendeu ao pedido de arrumar um trabalho para o marido: um lugar no gabinete do chefe de polícia.
E mais: um dos primeiros registros do samba “Pelo Telefone”, de autoria de Donga e Mauro de Almeida, foi composto durante uma das famosas reuniões na casa de Tia Ciata, entre o final de 1916 e o começo de 1917.
Há 94 anos, esta matriarca da música popular brasileira morreu, deixando como legado a preservação dos cultos de matriz africana e a propagação do samba. Foi através da hospitalidade e da luta de mulheres como Tia Ciata que o gênero se disseminou e, hoje, é considerado um bem cultural imaterial da humanidade pela Unesco – uma expressão a ser preservada.
Com informações do livro “Tia Ciata e a Pequena África no Rio de Janeiro“, de Roberto Moura.
Escute a canção “Pelo Telefone”, interpretada por Martinho da Vila e Vó Maria:
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