Um dos principais difusores do samba, Moisés da Rocha analisa o cenário do gênero

Um negro dedicado a preservar a cultura afro-brasileira por meio da música, sua principal manifestação e herança |Um negro dedicado a preservar a cultura afro-brasileira por meio da música, sua principal manifestação e herança

Moisés da Rocha foi pioneiro na rádio FM com um programa exclusivamente de samba
Moisés da Rocha foi pioneiro na rádio FM com um programa exclusivamente de samba

“Depois que o visual virou quesito / Na concepção desses sambeiros / O samba perdeu a sua pujança / Ao curvar-se à circunstância / Imposta pelo dinheiro”. Escrito por Neném e Pintado, estes foram os versos cantados pelo radialista Moisés da Rocha para exemplificar a perda de espaço do samba no cenário cultural. Hoje, como a letra infere, resta o Carnaval na televisão.

Para ele, que tem mais de 30 anos de experiência no mundo do samba de raiz: “O samba volta e meia está na UTI. A solução, se é que existe, seria quadruplicar o espaço em todas as mídias”. Moisés acredita que são elas que ditam o comportamento humano, de forma que criam uma moda e fazem dela um negócio rentável e, inevitavelmente, descartável.

Além do jabá, que é a compra de espaço para aparecer, ele explica que a “falência” do samba provém da mudança da programação das rádios, da TV e dos produtos das gravadoras. Estas mídias mudam sua linha musical complexa para outra mais palatável. Portanto, o gosto pelo samba é derrotado pelas tendências virais – que não duram muito mais do que alguns meses e são rapidamente substituídas.

No entanto, Moisés fala com um tom sutil de esperança ao lembrar de nomes como Fabiana Cozza e Adriana Moreira, jovens que “não deixam o samba morrer”. Por fim, esboça um sorriso ao mencionar pesquisadores como Nei Lopes, José Muniz Jr. e Osvaldinho da Cuíca que, assim como ele, difundem o gênero e preservam suas raízes.

Quem é Moisés

Seu primeiro contato com a rádio foi em busca do sonho de ser cantor. O timbre de sua voz, no entanto, chamou a atenção para além da música que interpretava. Foi assim que Moisés da Rocha conseguiu o seu primeiro emprego como locutor.

Nascido em 1942, em Ourinhos, interior do Estado de São Paulo, Moisés começou a cantar no coral da Igreja Metodista com apenas oito anos. No Carnaval, participava do Bloco da Oncinha como ritimista. Foi ali que aprendeu a tocar instrumentos de percussão.

Aos 15 anos, mudou-se com a sua família para capital, no bairro da Barra Funda. Ao longo de sua adolescência, trabalhou como vendedor de bananas, balconista e jogador de futebol. Segundo a famosa frase de Moisés, “foi lá que tudo começou”.

Embora tenha cursado radiotelegrafia, ele não fez curso de jornalismo e nem de rádio. Tudo o que alcançou como radialista, ao longo dos últimos 44 anos, foi fruto de seu esforço. Entre suas conquistas, Moisés foi pioneiro na rádio FM com um programa totalmente dedicado ao samba.

Chamado “O Samba Pede Passagem”, vai ao ar pela primeira vez em 1978, na rádio Universidade de São Paulo FM. Este nome, homólogo ao título do musical apresentado por Ismael Silva e Aracy de Almeida, em 1966, traduzia o caráter do programa.

Assim como Ismael, que popularizou o samba carnavalesco por meio do cantor Francisco Alves, Moisés resgatou a força do gênero. Ambos abriram caminho para muitos artistas – e fizeram jus a expressão que compartilham: o samba pede passagem.

A influência de Moisés no samba era tão grande que se tornou programador da primeira emissora exclusivamente dedicada ao gênero no Rio de Janeiro, a rádio Carioca. O posto significava que ele decidiria a programação musical que tocaria lá. Mesmo se o samba fosse carioca, deveria passar nas mãos dele para avaliar a qualidade.

A missão de Moisés com o programa cumpre-se até hoje, 36 anos depois de sua primeira transmissão. Desde o início, além de tocar sambas das Velhas Guardas, “O Samba Pede Passagem” dedica-se a contar a história do gênero e a evidenciar novos talentos.

No fim dos anos 1970, foi a partir da aposta de Moisés que o grupo Fundo de Quintal passou a ficar conhecido fora da capital carioca. Após divulga-los, duas grandes mudanças aconteceram. A primeira, foi o renascimento do samba e dos sambistas – até então, a maioria que fazia sucesso era vinculada às escolas de samba.

A segunda, foi o impulso para os integrantes do grupo a seguirem carreira solo. O sucesso de Zeca Pagodinho, Almir Guineto e Jorge Aragão com o grande público tem início quando começam a ser tocados em São Paulo, no programa de Moisés.

O Samba Pede Passagem representa um símbolo na luta pela valorização das raízes culturais afro-brasileiras, que atua por meio da música. Divulgando músicos conhecidos ou não, Moisés resgatou, preservou, difundiu e transformou o samba ao longo dos anos.