Segundo a ciência, pequenos cochilos são uma ferramenta indispensável de criatividade

Técnica respaldada por estudos da área teve, inclusive, um notável artista entre os adeptos da prática

Por André Nicolau em parceria com Anna Luísa Barbosa (Médica - CRMGO 33271)
11/06/2025 12:45 / Atualizado em 22/06/2025 23:55

Estudos em neurociência dão razão a Dalí — o chamado “estado hipnagógico” é, de fato, fértil para a mente criativa – Philippe Halsman/Magnum Photos
Estudos em neurociência dão razão a Dalí — o chamado “estado hipnagógico” é, de fato, fértil para a mente criativa – Philippe Halsman/Magnum Photos

Por trás de grandes obras e ideias inovadoras, às vezes, há apenas… um breve cochilo. O que para muitos pode parecer desleixo ou cansaço, para outros é um mecanismo engenhoso de acesso à criatividade. Salvador Dalí, o mestre do surrealismo, sabia disso muito antes da neurociência confirmar.

Seu “truque” consistia em adormecer por segundos e, nesse estado limítrofe entre vigília e sonho, capturar lampejos de inspiração.

Décadas se passaram desde que o pintor catalão revelou sua técnica excêntrica em um de seus livros. Hoje, estudos em neurociência dão razão a Dalí — o chamado “estado hipnagógico” é, de fato, fértil para a mente criativa.

Quando o cérebro dança entre dois mundos

Esse estágio transitório, entre estar acordado e cair no sono profundo, pode durar apenas alguns minutos, mas provoca uma explosão de conexões inusitadas no cérebro. É o momento em que ideias emergem de forma menos lógica e mais associativa, como se a mente deixasse de obedecer ao filtro racional e se entregasse ao devaneio.

A neurocientista Delphine Oudiette, do Instituto do Cérebro, em Paris, vem investigando esse limiar entre a consciência e o sono. Ela explica que, nesse ponto inicial do adormecimento, o cérebro se torna extremamente receptivo a imagens e pensamentos espontâneos. Para artistas, escritores, inventores — ou qualquer pessoa em busca de soluções criativas — é um território valioso.

Se antes cochilar após o almoço era malvisto, hoje começa a ser reavaliado como uma estratégia mental inteligente – AntonMatyukha/Depositphotos
Se antes cochilar após o almoço era malvisto, hoje começa a ser reavaliado como uma estratégia mental inteligente – AntonMatyukha/Depositphotos

O segredo surrealista de Dalí

Dalí transformou essa janela cerebral em um ritual preciso. Sentado com uma chave entre os dedos, posicionava um prato metálico sob a mão. Assim que o corpo relaxava e a chave caía, o barulho o acordava — bem no instante em que as primeiras imagens do sonho começavam a surgir. O artista, então, registrava as ideias recém-despertadas, ainda imersas na atmosfera do subconsciente.

Embora possa parecer bizarro, esse método é hoje interpretado como uma forma rudimentar, porém eficaz, de exploração cognitiva.

Ciência, cochilos e criatividade

Estudos contemporâneos vão além da anedota. Pesquisadores testaram voluntários em situações similares e observaram que cochilar por cerca de dez minutos, sem entrar em sono profundo, aumentava significativamente a capacidade criativa em tarefas posteriores.

O truque está em permanecer nesse ponto delicado: profundo o bastante para que a mente se liberte das restrições da lógica, mas superficial o suficiente para manter algum grau de consciência e retenção.

Explorando o inconsciente com propósito

A ciência atual oferece até maneiras de refinar a técnica. Por exemplo, usar sons suaves, como notas musicais associadas a ideias ou palavras específicas, pode induzir o cérebro a sonhar com temas desejados — processo conhecido como “incubação de sonhos”.

Esse tipo de indução é testado em laboratórios de sono e pode ter aplicações que vão da arte à resolução de problemas complexos, passando pela inovação científica.

Não é preguiça — é método

Se antes cochilar após o almoço era malvisto, hoje começa a ser reavaliado como uma estratégia mental inteligente. A chave está na intenção: diferenciar o sono restaurador da simples distração para entender o microcochilo como uma ferramenta criativa.

Na fronteira entre o real e o onírico, Salvador Dalí encontrou a centelha da inspiração. E agora, com o respaldo da neurociência, parece que todos nós podemos acessar esse mesmo espaço — com ou sem uma chave na mão.


Hábitos para melhorar a saúde do cérebro

O cérebro é uma estrutura fascinante e complexa, que desempenha um papel crucial em todas as facetas da nossa vida.

Manter a sua saúde não é apenas uma questão de bem-estar momentâneo, mas uma forma de garantir uma vida longa e plena. Por isso, investir em hábitos saudáveis que beneficiam o cérebro é mais do que uma necessidade: é uma escolha inteligente para um futuro melhor.