Escritora Valéria Polizzi conta como é conviver com o vírus há 27 anos
Quando tinha 16 anos Valeria Pollizi perdeu a virgindade com seu primeiro namorado, a quem conheceu durante uma viagem de navio a Argentina. No entanto, o que poderia ter se tornado apenas uma boa lembrança, mudou toda sua vida, pois ela foi infectada pelo vírus HIV.
Em 1996, aos 26 anos, ela decidiu contar sua história no livro “Depois Daquela Viagem” e, ao falar sobre o assunto que ainda hoje é considerado tabu, Valeria se tornou um ícone de luta contra a doença.
Hoje com 43 anos, Valeria convive com a Aids há 27 anos. Confira abaixo a entrevista que fizemos com a escritora.
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Você sofreu preconceito após revelar ter o vírus?
Acho que todo mundo passa por algum tipo de preconceito na vida. Com HIV também, claro. Mas, de uma maneira geral, o preconceito em relação à doença melhorou muito nos últimos 10 anos. Acredito que a melhor forma de lidar com preconceitos é se aceitar como se é. Ou seja, o primeiro preconceito que devemos vencer é o nosso mesmo. A partir dessa “autoaceitação”, tudo fica mais fácil.
Como é a sua vida (rotina)? Mudou muito desde o dia em que descobriu que tinha Aids? Existe alguma restrição?
Nos primeiros anos a aids era muito associada com a morte e vivíamos em eterno medo de adoecer. Com a chegada do coquetel em 1997, ela passou a ser tratada como uma doença crônica. Tive, então, que reaprender a fazer planos. Eu, que aos 20 anos havia abandonado uma faculdade por achar que não haveria tempo de terminá-la, voltei à universidade aos 33 anos, concluí jornalismo e em 2010 uma pós-graduação. Atualmente nosso grande desafio é lidar com os efeitos colaterais do coquetel. Um dos mais comuns é a lipodistrofia uma síndrome metabólica que altera a gordura no corpo e aumenta o colesterol. Por isso é tão importante fazermos exercícios físicos regularmente, termos uma alimentação balanceada e de preferência evitar bebidas alcoólicas e não fumar.
O seu livro “Depois Daquela Viagem” te ajudou de alguma forma a conviver melhor com a doença?
Ajudou muito, pois enquanto estava escrevendo pensei e repensei vários aspectos da Aids, o que me fortaleceu. Ao publicá-lo surgiram os convites para palestras, o que se tornou um trabalho por vários anos. E a paixão pela escrita se instalou de vez, abrindo novos caminhos. Não ter mais que esconder que se tem o vírus, para mim, foi um enorme alívio.
Você acha que seu livro encorajou outros portadores da Aids de alguma maneira?
Não esperava tanto sucesso, pois enquanto estava escrevendo nem sabia se continuaria viva para acabá-lo. Acho que ele vem ajudando, sim, muitos soropositivos, ou mesmo quem não tem o vírus, a lidar melhor com o tema. A adoção dele nas escolas também vem sendo muito importante nesses 15 anos, para tratar de assuntos, não só como a Aids, mas sexualidade, adolescência, prevenção… Agora, então, que o “Depois Daquela Viagem”, traduzido para o espanhol vem sendo adotado em escolas por toda a América Latina, vemos o quanto o livro ainda pode contribuir nessa área.
Qual foi a sua maior dificuldade em todos esses anos?
Acho que, a princípio, me convencer a tomar remédios, na época em que só tinha o AZT e ele fazia efeito por no máximo 1 ano. A questão de planejamento, também foi complicada. No início, não podendo planejar nada e depois tendo que reaprender.
Foi difícil se relacionar? Você costumava conversar já nos primeiros encontros com o parceiro a respeito?
Essa foi outra questão a se aprender. Eu sempre preferi abrir o jogo logo de cara. Mas tenho muitos amigos que preferem contar só se a coisa fica séria.
Você se casou? Teve filhos?
Em 1997 conheci um austríaco numa viagem à Nova Zelândia. Ele aceitou o fato de eu ter HIV e começamos a namorar. Optamos por não ter filhos. Pois em relação ao HIV, há anos já há maneira de controlar a infecção de mãe para o bebê com os remédios. Ficamos juntos por 12 anos. Mas nos separamos em 2013.
Acredita que o assunto Aids ainda seja um tabu?
Para muita gente ainda é um tabu, apesar de o acesso à informação ter melhorado. Para você ter uma ideia, ainda hoje, a maioria das pessoas que conheço que vive com o vírus não conta abertamente que tem. Ou por medo de ser isolado, descriminado, ou por medo de preocupar os entes queridos.
Como é lidar com a Aids no Brasil? Há acesso fácil a medicamentos?
O coquetel, no Brasil, é distribuído gratuitamente pelo SUS a qualquer paciente que precise. É claro que na zona urbana e nas grandes cidades as coisas tendem a funcionar melhor.
Muita gente escreve contando que descobriu ter a doença, como você lida com isso?
Sempre procuro ajudar, dando dicas de quem já vive com o vírus há 27 anos. Em primeiro lugar, que desassocie a doença da morte. Pois é nisso a primeira coisa que as pessoas ainda pensam hoje, quando se descobrem soropositivos. Em segundo, que busque ajuda e informação. Encontre médicos, psicólogos e grupos de apoio em quem possa confiar. Tente contar com a ajuda de amigos e familiares, se possível. Tome a medicação corretamente quando for indicado e faça planos, pois vai precisar deles.
Qual a importância em sua opinião do Dia Mundial de Luta contra a Aids?
Ter um dia no ano para a mídia e a sociedade s debater o tema. Apesar de que isso deveria ser feito constantemente, principalmente com educação sexual contínua nas escolas.