Especialista fala sobre a importância do uso medicinal da maconha
Segundo o psiquiatra e professor da Unifesp Dartiu Xavier, a proibição impede avanços nos estudos sobre o uso medicinal da cannabis no Brasil
Os pais da garota americana Charlotte Figi, de seis anos, já haviam procurado diversos tratamentos para a doença da filha quando descobriram que o uso medicinal da maconha poderia ajudá-la. Ela sofre de Síndrome de Dravet, um raro tipo de epilepsia, e tinha mais de 300 convulsões por semana. Após iniciado o tratamento com óleo de cannabis, o número caiu para três por semana. Além disso, ela agora pode andar e falar, o que não acontecia antes.
A história de Charlotte não teria um desenvolvimento semelhante no Brasil, pois a maconha aqui é proibida, até mesmo para fins medicinais.
Para Dartiu Xavier da Silveira, psiquiatra e professor da Unifesp, a política proibicionista tem atrasado os avanços nos estudos sobre o uso medicinal da maconha e de outras drogas ilícitas. “Não é questão de fazer apologia ao uso. A gente não pode ter restrições que têm a ver com preconceito e não com base científica. O que é lícito e ilícito não tem a ver com evidências científicas”, afirma.
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O médico, que é diretor do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da universidade, deu uma entrevista sobre assunto ao Catraca Livre. Confira:
A proibição da maconha atrapalha os estudos científicos sobre seus usos terapêuticos?
Dartiu Xavier da Silveira: O que a gente percebe que aconteceu é que desde aquele grande movimento americano em 1970, de guerra às drogas, houve um tratamento muito ideológico da questão. Existiam pesquisas com diversas drogas com potencial terapêutico. Isso foi abandonado nos Estados Unidos, devido a essa questão ideológica. Isso repercutiu no mundo inteiro, sobretudo no Brasil, onde sempre houve pressão política americana. Hoje os Estados Unidos reconhecem que a guerra às drogas fracassou.
Claro que isso prejudicou muito o desenvolvimento da ciência. Até a década de 70, havia um trabalho muito forte, e só agora foram retomados os estudos.
Como estão os estudos no Brasil?
Dartiu Xavier da Silveira: Ainda muito precários. Existem alguns grupos trabalhando com maconha e outras drogas ilícitas. Nosso grupo, o Proad (Programa de Orientação e Atendimento aos Dependentes), é um deles. Mas a gente tem muitas dificuldades porque existe uma burocracia enorme. Vários alunos meus de mestrado ou doutorado começaram projetos com maconha ou cocaína e tiveram que abandonar porque os entraves da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para conseguir o produto impediram o acesso.
Quais são as pesquisas mais relevantes sendo feitas no mundo?
Dartiu Xavier da Silveira: Está sendo estudado o uso terapêutico de maconha para várias doenças, algumas neurológicas, em casos de pacientes que tenham problema nutricional, para recuperar o apetite, AIDS, câncer, glaucoma e assim por diante. Há diversos estudos consistentes a respeito disso. Eu mesmo orientei duas teses, uma sobre pacientes de radioterapia e a outra sobre o efeito da maconha em tratamento de alguns tipos de tumores, sobretudo no cérebro. Esses estudos mostram que existe algo a ser esclarecido porque é muito indicativo de que a maconha tenha um potencial terapêutico grande.
Como a gente está impactado por décadas de discurso proibicionista, as pessoas olham com desconfiança e preconceito, o que não tem sentido nenhum. Muitas pessoas são dependentes de ópio e nem por isso a indústria farmacêutica deixa de fazer remédios a base da substância.
É possível calcular o impacto da legalização sobre a saúde pública?
Dartiu Xavier da Silveira: Não dá para saber. A primeira experiência é a do Uruguai. O que se percebe é que nos lugares em que se aumentou a tolerância, países como Canadá, Holanda , Suíça, Espanha e Portugal, todas as experiências foram surpreendentemente promissoras. Na hora em que o uso é descriminalizado, você não provoca aumento do consumo e ainda consegue acessar as pessoas que estão tendo problemas com a droga.
A fiscalização da droga poderia evitar doenças causadas pelas toxinas presentes na maconha brasileira?
Dartiu Xavier da Silveira: Sem dúvida. Com essa postura da ilegalidade, não tem nenhum tipo de controle do produto, o usuário não sabe o que está consumindo, a quantidade de substância ativa, de contaminantes. Ou seja, se está delegando para o traficante o controle disso.
Qual é a situação dos médicos que acham que a maconha faria bem aos seus pacientes em um país em que ela é proibida?
Dartiu Xavier da Silveira: A grande maioria dos médicos nem para para pensar nisso porque já estão impregnados pelo preconceito. Os médicos que já estudaram o assunto são mais abertos e percebem que existe fundamentação científica, mas não são autorizados a receitar. Nos Estados Unidos, que paradoxalmente foi o lugar em que o proibicionismo cresceu mais, existe o uso terapêutico reconhecido e os médicos podem prescrever a maconha há muitos anos.