Ivana compra hormônio baseada em dicas da internet e ignora risco
No capítulo de Força do Querer, da Rede Globo, desta segunda-feira, 7, a personagem Ivana (Carol Duarte) mostra à prima, Simone (Juliana Paiva), uma ampola de hormônio e diz que vai começar o processo de transição de gênero após pesquisar na internet alguns métodos.
Preocupada, Simone diz: “Mas tomar hormônio assim, sem um acompanhamento médico? Ivana! Isso tem de ser perigoso! Não!”.
Mas Ivana está determinada e ignora os riscos.
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“Perigoso é continuar vivendo nesse vazio que eu vivo… A única coisa que eu quero é corrigir isso!”, responde Ivana, como mostra matéria do GShow.
O Catraca Livre ouviu a neuropsicóloga Ana Carolina Del Nero, que trabalha no Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual (AMTIGOS) da USP para esclarecer como pessoas e famílias que passam pela situação devem atuar e quais os riscos de buscar informação na internet e iniciar um tratamento hormonal sem o devido acompanhamento médico.
Catraca Livre: A senhora lida diretamente com jovens que descobriram ou estão descobrindo sua identidade de gênero. Quão comuns são relatos entre essas pessoas sobre a busca de tratamentos na internet e até mesmo da automedicação?
Ana Carolina Del Nero – Muito comuns. Infelizmente este tipo de situação ainda é a regra, não a exceção. Porém, temos sim percebido um movimento de maior conscientização quanto aos riscos desta prática, e o acesso a um atendimento especializado cada vez mais precocemente diminui consideravelmente o desespero das pessoas trans, que na grande maioria dos casos é o que está por trás da automedicação.
Quais os riscos de tomar hormônios para iniciar a transição sem prescrição e acompanhamento médico?
Os riscos são inúmeros e bem variados, indo desde uma maior labilidade emocional, que pode ser bastante prejudicial se não for bem amparada e manejada, até trombose e diversos tipos de câncer. Também pode acontecer que a pessoa se arrependa diante das mudanças corporais provocadas pelo hormônio, que, embora em sua maioria sejam reversíveis, algumas não o são. Os riscos da automedicação existem e são graves tanto para homens trans quanto para mulheres, mas observamos em nossa experiência que esta prática é mais comum em mulheres trans.
Há algum medicamento que não é indicado para este tipo de tratamento, mas que tenha ouvido falar que leigos indicam? Quais os riscos do uso?
É relativamente comum o uso de anticoncepcionais femininos pelas mulheres trans, que costumam ingeri-los em grandes quantidades. Se hoje sabemos que mesmo o uso regular e controlado deste medicamento acarreta um risco consideravelmente maior de trombose, então o uso sem indicação e fora da margem de segurança medicamentosa é perigosíssimo.
Como a senhora acha que abordagem do tema pela novela pode ajudar pessoas e famílias que passam pelo processo da descoberta da identidade de gênero e transição?
Temos reparado que a presença na mídia, em suas mais diversas formas, sejam documentários, reportagens, novelas, até mesmo propagandas, tem um impacto positivo em todo o processo de transição, desde a autoidentificação por parte da pessoa trans como tal, possibilitando que ela consiga nomear seu sofrimento, passando pela conscientização dos pais, da família, das pessoas de convívio mais próximo de como lidar com estes indivíduos, e mesmo um efeito multiplicador que tem um impacto sobre a sociedade como um todo, acarretando maior entendimento e, consequentemente, maior tolerância e respeito para com esta parcela da população, bastante estigmatizada e vulnerabilizada. ·.
Como a família pode ajudar quem está descobrindo sua identidade de gênero? Qual o primeiro passo para fazer a transição de uma forma segura?
A idade em que o indivíduo demonstra os primeiros sinais de incongruência de gênero oscila muito. Em nossa experiência, lidamos com casos em que o desconforto com o gênero atribuído no nascimento se manifesta ainda na primeira infância, por volta dos 4, 5 anos. Mas isso também pode acontecer no início da puberdade, durante o despertar da sexualidade… depende de cada um. Há também casos em que a pessoa se sentiu de alguma forma inibida pelo seu meio social, direta ou indiretamente, e desde muito pequena se esforça para esconder este desconforto, às vezes até de si mesma.
De qualquer maneira, é importante diferenciar 3 momentos: quando estas primeiras manifestações de sofrimento com o gênero atribuído ao nascimento aparecem, quando a pessoa reconhece que este sofrimento se deve a uma questão de gênero e quando ela busca um tratamento especializado para lidar com este sofrimento. Vemos casos em que anos e até décadas separam estes momentos, porém felizmente este cenário vem mudando consideravelmente nos últimos anos.
Os pais podem ajudar estando atentos a estes primeiros sinais, e detectando um potencial sofrimento com o gênero atribuído ao nascimento antes que a criança tenha idade e informação para identificá-lo por si própria (o que em geral só aconteceria na adolescência). A partir daí, os pais ou responsáveis podem encaminhar a criança ou adolescente para um acompanhamento especializado, seja na rede pública ou privada de saúde. Isso é de extrema importância para a qualidade de vida das pessoas trans, uma vez que tanto a nossa experiência quanto a literatura científica internacional indicam que quanto mais precoce a intervenção especializada, mais positivos tendem a ser os resultados.