Mutação genética rara pode estar ligada ao autismo, diz estudo
Estudo revela conexão entre distrofia miotônica tipo 1 e sintomas do espectro autista
O autismo ainda é um dos maiores enigmas da neurociência moderna. Apesar dos avanços em diagnóstico e inclusão, suas causas continuam sendo alvo de intensas pesquisas. Agora, um estudo publicado na revista “Nature Neuroscience” traz uma nova perspectiva: uma condição genética rara pode estar diretamente ligada ao desenvolvimento do transtorno do espectro autista (TEA).
Pesquisadores do Hospital for Sick Children, em Toronto, e da Universidade de Nevada Las Vegas (UNLV) descobriram que crianças com distrofia miotônica tipo 1 (DM1) têm 14 vezes mais chances de apresentar sintomas de autismo em comparação com a população geral. A DM1 é uma doença hereditária que afeta músculos e funções cognitivas, e agora parece também interferir no desenvolvimento cerebral.

Essa descoberta pode representar um divisor de águas na forma como o autismo é compreendido e tratado. Ao identificar subgrupos com causas genéticas específicas, abre-se caminho para terapias mais direcionadas e eficazes — uma abordagem que vai além do diagnóstico tradicional.
O que é a DM1 e como ela afeta o cérebro
A distrofia miotônica tipo 1 é causada por mutações no gene DMPK, que provocam fraqueza muscular progressiva, fadiga e distúrbios cognitivos. O estudo mostra que essas alterações genéticas também afetam áreas do cérebro responsáveis por linguagem, coordenação, comportamento social e comunicação —todos elementos centrais no espectro autista.
O mecanismo por trás dessa conexão envolve expansões de repetições em tandem (TREs), que geram uma produção anormal de RNA tóxico. Esse RNA se liga a proteínas essenciais, impedindo que cumpram suas funções e provocando desequilíbrios moleculares que afetam o funcionamento de outros genes cerebrais.
Segundo os autores do estudo, esse fenômeno pode explicar sintomas como comportamentos repetitivos, dificuldades sensoriais e problemas de linguagem em crianças com DM1. A condição genética age como uma “esponja molecular”, absorvendo proteínas e desregulando o desenvolvimento cerebral.
Autismo e genética: uma nova abordagem
A interseção entre autismo e DM1 reforça a ideia de que o TEA não é uma condição única, mas sim um espectro com múltiplas origens. Essa visão é apoiada por diversos estudos que apontam para causas genéticas distintas em diferentes grupos de pacientes. A nova pesquisa sugere que o autismo pode, em alguns casos, ser consequência direta de mutações específicas — e não apenas resultado de fatores ambientais ou interações complexas.
Essa abordagem abre espaço para o desenvolvimento de tratamentos personalizados, baseados em reparo genético ou intervenções moleculares. Em vez de tratar apenas os sintomas, seria possível atuar na raiz do problema, oferecendo mais qualidade de vida e autonomia para pessoas com TEA.
Além disso, os pesquisadores recomendam que crianças com doenças neuromusculares raras, como a DM1, sejam avaliadas também para sinais de autismo. Essa triagem precoce pode facilitar o diagnóstico e permitir intervenções mais eficazes desde os primeiros anos de vida.
O que muda na prática clínica
A descoberta tem implicações importantes para médicos, terapeutas e famílias. Ao identificar uma causa genética concreta, é possível ajustar o acompanhamento clínico e oferecer suporte mais adequado às necessidades específicas de cada paciente. Isso inclui desde terapias comportamentais até estratégias de inclusão escolar e social.
A pesquisa também reforça a importância de testes genéticos em casos de autismo com sintomas atípicos ou associados a outras condições neuromusculares. Embora ainda não seja uma prática comum, a genotipagem pode se tornar uma ferramenta essencial na personalização do cuidado.
Por fim, o estudo contribui para a desmistificação do autismo. Ao mostrar que há causas biológicas mensuráveis, ele ajuda a combater estigmas e promove uma compreensão mais empática e científica da condição.
Embora o autismo continue sendo uma condição complexa e multifatorial, estudos como este mostram que a ciência está avançando na identificação de marcadores genéticos e mecanismos moleculares que ajudam a explicar seu surgimento. A conexão entre DM1 e TEA é apenas uma peça do quebra-cabeça, mas uma peça que pode mudar o jogo.