‘Nem dizer que sentia dor ele conseguia’: os desafios do autismo não verbal e como superá-los
Neste Abril Azul, entenda como pessoas com autismo não verbal se comunicam e quais recursos ajudam nesse processo
No Transtorno do Espectro Autista (TEA), algumas pessoas não utilizam a fala como principal forma de comunicação. Isso não significa falta de vontade de interagir ou de expressar sentimentos, apenas que o caminho da comunicação se dá de outra maneira. Gestos, expressões faciais e até a tecnologia ganham protagonismo nesse processo.
Mesmo com desafios, há formas eficazes para estimular a comunicação — e, em muitos casos, a fala pode se desenvolver com apoio profissional e participação ativa da família.
“Suspeitamos do autismo do Rafael quando ele tinha 1 ano e 2 meses, pois ele começou a perder habilidades, o contato visual não tínhamos mais”, conta a terapeuta Amanda Cristina de Almeida, mãe de Rafael Almeida dos Santos, hoje com 11 anos, em entrevista à Catraca Livre.
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Ele foi diagnosticado com autismo nível 2 de suporte: “quando foi diagnosticado, com 2 anos e 3 meses, começamos as intervenções pois ele ainda não falava, o que sempre dificultou a nossa comunicação.”

Em meio ao Abril Azul, mês de conscientização sobre o autismo, é essencial dar visibilidade às diferentes formas de comunicação dentro do espectro.
Como pessoas com autismo não verbal se comunicam?
Autismo não verbal é quando a pessoa no espectro autista não desenvolve a fala funcional, por isso o nome se refere à ausência ou limitação da linguagem oral. No lugar, ela se expressa de outras maneiras, como explica a Dra Elisabeth Crepaldi de Almeida, fonoaudióloga doutora em educação, especialista em TEA e fundadora do Grupo Interclínicas.
“Pessoas autistas não verbais utilizam diversas formas de comunicação alternativa, como gestos, expressões faciais, linguagem corporal e sistemas de símbolos ou imagens. Os principais desafios incluem dificuldades em expressar necessidades e emoções, compreender e ser compreendidos por outros, o que pode levar a frustrações e isolamento social”, esclarece.
Amanda conta que o choro era o principal modo de Rafael demonstrar o que sentia. “O choro sempre foi a forma de comunicação mais clara que tínhamos com o Rafael. Ele chorava para muitas coisas, quando não sabia se expressar.”
“Foi muito desafiador, pois nem dizer que estava com dor ele conseguia. Aos poucos, com o tratamento devido, estamos conseguindo ampliar esse vocabulário.”

A importância da comunicação alternativa
Quando a fala não é uma opção, a comunicação alternativa entra em cena para dar autonomia e diminuir frustrações. Ao procurarem atendimento, os pais são orientados sobre os sistemas que podem utilizar com o filho com TEA.
“O analista do comportamento desempenha um papel crucial ao avaliar e intervir nas dificuldades de comunicação, desenvolvendo estratégias personalizadas que podem incluir o uso de Comunicação Alternativa e Aumentativa (CAA). O tratamento é adaptado à idade e às necessidades específicas de cada indivíduo, reconhecendo que crianças, adolescentes e adultos podem requerer abordagens distintas”, explica.
Segundo a fonoaudióloga, a CAA engloba métodos que substituem ou complementam a fala, utilizando símbolos, imagens, gestos ou dispositivos tecnológicos para facilitar a comunicação. Esses sistemas são personalizados conforme as habilidades e necessidades do usuário, visando melhorar a interação e a expressão de pensamentos e desejos.
Outros recursos bem-sucedidos para auxiliar na comunicação incluem dispositivos eletrônicos com saída de voz e aplicativos específicos.
“Garantir autonomia envolve oferecer acesso consistente a esses recursos, treinamento adequado para o indivíduo e seus familiares, além de promover um ambiente inclusivo que valorize e respeite as formas de comunicação utilizadas“, reforça a Dra. Elisabeth Crepaldi.
Um dos sistemas de CAA é o Picture Exchange Communication System (PECS). O PECS funciona por meio da troca física de figuras: a pessoa escolhe uma imagem que representa o que deseja (como comida, brinquedo ou lugar) e entrega essa figura a alguém para comunicar sua vontade.
Foi justamente esse recurso que Amanda utilizou com o filho: “Construímos uma pasta com todos os gostos dele na época — comidas, emoções, lugares que ele gostava de ir. Fotos de familiares e pessoas mais próximas também tínhamos para identificar.”
“Nós levávamos essa pasta com a gente para todos os lados. Sempre que ele se frustrava e chorava, pegávamos a pasta para que ele nos mostrasse o que queria. As figuras e fotos ajudaram na organização da rotina e evitaram as crises”, destacou.
Atualmente, Rafael usa um tablet com um aplicativo ajustado pela fonoaudióloga para facilitar sua expressão. “Hoje não precisamos mais do PECS. Ele já consegue se expressar melhor. Já está alfabetizado, o que melhorou ainda mais a comunicação.”
“Tecnologias, como aplicativos baseados em CAA e dispositivos de comunicação assistiva, têm mostrado resultados positivos, facilitando a expressão e a interação social de autistas não verbais. A eficácia desses recursos depende da adequação às necessidades individuais e do suporte contínuo no seu uso“, pontua a especialista.
A comunicação pode evoluir com o tempo?
“Com intervenções adequadas, como terapias fonoaudiológicas e abordagens personalizadas na análise do comportamento, algumas pessoas autistas não verbais podem desenvolver habilidades de fala ao longo do tempo”, afirma a Dra.
Rafael é um exemplo disso: “aos 4 anos começou a falar as primeiras palavras, mas foi aos 7 anos que o vocabulário melhorou e ele aprendeu novas palavras. Agora com 11 anos ainda tem dificuldade na fala, mas já se expressa melhor.”
Esse progresso varia conforme cada indivíduo e depende de diversos fatores, incluindo a intensidade e o período em que as intervenções começaram.
Apoio da família é essencial
A evolução na comunicação não acontece sozinha. “Familiares podem apoiar participando ativamente das terapias, utilizando consistentemente os sistemas de comunicação em casa, incentivando e reforçando positivamente as tentativas de comunicação e criando um ambiente acolhedor que valorize todas as formas de expressão do indivíduo”, orienta a fonoaudióloga.
Mesmo com todos os esforços e sistemas de CAA, nem sempre a comunicação será viável. “Nem sempre o Rafael identificava o que sentia ou o que queria, o que nos deixava muito tristes e sem ter o que fazer. Sentimento muito ruim de ver um filho querendo algo e não poder auxiliar.”
De acordo com a Dra. Elisabeth, os sinais de que um determinado método de comunicação não está funcionando incluem:
- frustração aumentada;
- recusa em usar o sistema proposto;
- falta de progresso na comunicação.
“Nesses casos, é importante reavaliar a abordagem utilizada, possivelmente com a orientação de um profissional especializado, para identificar e implementar estratégias mais adequadas“, orienta.
A comunicação é um direito fundamental, e garantir meios para que pessoas com TEA não verbal possam se expressar é garantir inclusão e bem-estar. Não há um único caminho, mas sim estratégias personalizadas e construídas com paciência, afeto e apoio profissional.
Para pais e cuidadores que vivem esse desafio, a experiência de Amanda deixa uma mensagem importante: é possível avançar.
“Ver ele pedindo o que quer comer ou até mesmo dizendo que está sentindo dor ou fome abriu muitas possibilidades pra independência dele como ser humano.”

Abril Azul
Neste mês de conscientização do autismo, a Catraca Livre prepara artigos sobre causas, diagnósticos, estudos, pesquisas, além de histórias de pessoas com TEA. Confira todos os conteúdos clicando aqui.