O que um clássico livro de 1621 ainda ensina sobre depressão

Um livro do século 17 traz ideias ainda eficazes para lidar com a melancolia

Por Maíra Campos em parceria com Anna Luísa Barbosa (Médica - CRMGO 33271)
20/05/2025 16:02

Em 1621, o erudito inglês Robert Burton publicou uma obra ambiciosa e inovadora para a época: “A Anatomia da Melancolia”. Combinando reflexões filosóficas, relatos pessoais e textos clássicos, ele tentou classificar causas, sintomas e soluções para a melancolia, uma das experiências humanas mais universais.

Overhead shot looking down on woman at home lying on reading book
Overhead shot looking down on woman at home lying on reading book - istock/Mirel Kipioro

Quatro séculos depois, muitos de seus pensamentos surpreendem pela atualidade. A escritora Amy Liptrop analisou cinco teorias presentes no livro e revelou como elas ainda fazem sentido diante do que sabemos hoje sobre depressão e saúde mental. Burton, mesmo sem os recursos da ciência moderna, teve intuições notáveis sobre a natureza do sofrimento psíquico.

1. Identificar padrões emocionais é o primeiro passo

Para Burton, a melancolia poderia ser vista como uma “doença hereditária”, manifestando-se ao longo de gerações. Ele reconhecia que o comportamento humano seguia padrões, mesmo em meio ao caos emocional.

A ciência atual confirma parte dessa visão: fatores genéticos influenciam significativamente a depressão. A doutora Frances Rice defende que o tratamento ideal deveria incluir não só o indivíduo, mas sua família: “Quando um pai ou mãe sofre de depressão grave, eu gostaria de ver um sistema de saúde em que tanto a criança quanto a família pudessem ser atendidas juntas — e que a família também recebesse esse cuidado”.

Além dos aspectos genéticos, observar os próprios ciclos emocionais se tornou prática terapêutica comum. Entender como e quando os sentimentos variam ajuda a controlar os fatores que agravam a depressão.

2. Banhos frios e a resistência ao estresse

Burton defendia a prática de se banhar em “rios frios e águas geladas”, considerando isso benéfico para a saúde e longevidade. Essa recomendação ancestral tem respaldo científico atual.

O professor Mike Tipton, da Universidade de Portsmouth, explica o conceito de adaptação cruzada: a exposição controlada à água fria fortalece o corpo para lidar com outros tipos de estresse. Isso inclui benefícios contra a depressão, por meio da redução da resposta inflamatória.

Essas descobertas reforçam o valor de práticas simples e acessíveis para o cuidado da saúde mental. Burton, ainda que sem laboratório, intuía os efeitos restauradores do contato físico com a natureza.

O que um clássico livro de 1621 ainda ensina sobre depressão
O que um clássico livro de 1621 ainda ensina sobre depressão - istock/Mirel Kipioro

3. O poder restaurador do contato com a natureza

Ervas como a borragem e o eléboro eram apontadas por Burton como aliadas contra a melancolia. Ele acreditava que clareavam a mente e alegravam o coração. A fitoterapia descrita por ele remonta à Antiguidade, mas ainda é levada a sério.

Simon Hiscock, diretor do Jardim Botânico de Oxford, afirma que a borragem é usada há séculos no combate à ansiedade e depressão. Os soldados romanos a consumiam com vinho antes das batalhas para se fortalecerem emocionalmente.

Burton também valorizava a jardinagem como atividade terapêutica. O jardineiro britânico Monty Don, que enfrentou a depressão, afirma: “Costumo pensar que o melhor exercício é aquele que está combinado com algum tipo de propósito”. Mexer na terra e ver as plantas crescerem ajuda a reequilibrar mente e corpo.

4. Compartilhar a dor é melhor do que esconder

“A melhor maneira de encontrar consolo é compartilhar nossa tristeza com um amigo, e não reprimi-la em nosso próprio peito”. A frase de Burton ressoa até hoje.

O isolamento e a introspecção são comuns entre pessoas deprimidas, mas raramente eficazes. Reatar conexões sociais pode ser parte crucial do tratamento.

Atualmente, médicos podem prescrever não só medicamentos, mas também “receitas sociais”, como aulas de arte ou grupos de caminhada. Se a causa do sofrimento for solidão, essas alternativas podem trazer mais benefícios do que remédios.

5. O equilíbrio entre mente ativa e corpo em movimento

Burton defendia o “amor pelo aprendizado”, mas alertava para os riscos do excesso de estudo. Ele reconhecia que atividades mentais precisam ser equilibradas com descanso, exercício e socialização.

Estudar pode dar propósito, mas se torna prejudicial quando leva ao isolamento e à vida sedentária. Essa intuição antecipa discussões modernas sobre equilíbrio entre vida profissional e pessoal.

Mesmo sem a linguagem da psicologia contemporânea, Burton entendia que uma mente saudável exige variedade de estímulos e práticas. Seu livro, mesmo com séculos de idade, continua sendo uma fonte de reflexão profunda sobre o bem-estar emocional.