‘Patrimônio do povo brasileiro’: o que você precisa saber sobre o SUS e seu impacto no Brasil
Mais que consultas e vacinas, o SUS oferece cuidados de alta complexidade e é a única opção para milhões de brasileiros
Em meio a críticas recentes que colocaram o Sistema Único de Saúde (SUS) sob questionamento, os números e a experiência de quem depende dele diariamente revelam outra face dessa história: o SUS é essencial, universal e salva vidas em todos os cantos do país.
Presente em todos os estados e municípios, o sistema atende mais de 200 milhões de brasileiros — e para 84% da população, ele é a única forma de acesso à saúde, de acordo com últimos dados divulgados pelo Ministério da Saúde. Em estados como Roraima e Acre, essa dependência ultrapassa os 90%, mostrando a importância do SUS especialmente nas regiões mais vulneráveis.
“Mesmo com menos da metade do orçamento da saúde no Brasil, o SUS é quem garante políticas de vigilância, imunização, medicamentos de alto custo, transplantes, hemodiálise e quimioterapia. E ainda cuida da população nos níveis primário, secundário e terciário”, destaca o infectologista Gerson Salvador, doutorando em Saúde Pública pela USP, em entrevista exclusiva à Catraca Livre.
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O SUS organiza seu atendimento em diferentes níveis de complexidade para garantir cuidado integral à população. A porta de entrada geralmente é o nível primário, oferecido nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), onde o foco está na prevenção, no acompanhamento de doenças crônicas e na solução de problemas de saúde mais comuns.
Quando necessário, o paciente é encaminhado ao nível secundário, que inclui atendimentos especializados, exames mais detalhados e internações em hospitais de médio porte. Já o nível terciário abrange os procedimentos de alta complexidade — como cirurgias especializadas, transplantes e tratamentos em hospitais de referência.

Três desafios centrais: dinheiro, gente e gestão
Segundo Dr. Gerson, o sistema enfrenta três grandes entraves: o financiamento insuficiente, a má distribuição de profissionais e a diversidade de modelos de gestão.
“Temos um problema sério em relação a recursos humanos. A quantidade de profissionais diminuiu, e muitos estão concentrados nas regiões mais ricas, como o Sudeste. Além disso, muitos médicos são formados sem estrutura adequada, sem hospitais universitários para estágio”, explica.
Ele também critica a fragmentação administrativa: “Você entra em um hospital e encontra concursados, celetistas, temporários… É difícil gerir um serviço público com esse grau de heterogeneidade.”
Segundo informações do Ministério da Saúde, o programa Mais Médicos contava com 24.894 médicos em atividade em todo o Brasil até junho de 2024, representando um aumento de 93,83% desde dezembro de 2022. A meta é alcançar 28 mil profissionais no programa até o final de 2025.
Presença essencial nas periferias e nas margens
Em locais distantes ou vulneráveis, o SUS não é uma opção: é a única alternativa.
“Nessas regiões, como comunidades ribeirinhas da Amazônia ou áreas rurais no Nordeste, muitas vezes o SUS é o único cuidado disponível. A atenção primária se expandiu, ainda que com equipes incompletas, mas chegou a quase todo o território nacional. Isso é uma vitória”, afirma.
E em muitos municípios sem hospitais privados, ele completa: “Os serviços públicos são a única alternativa de assistência. Isso a gente deve destacar de forma bastante positiva.”
Além de sua atuação generalizada nas áreas urbanas e rurais, o SUS também exerce um papel fundamental na atenção à saúde dos povos originários. Por meio da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), o sistema garante atendimento a cerca de 762 mil indígenas aldeados em todo o país.
Essa assistência é realizada por equipes multidisciplinares de saúde que atuam diretamente nas comunidades. Entre 2019 e 2022, foram registrados mais de 53,7 milhões de atendimentos a essa população, evidenciando a capilaridade e a importância do SUS na promoção da equidade em saúde, inclusive em territórios de difícil acesso.

Saúde da Família: porta de entrada para o cuidado
Um dos maiores acertos do SUS, segundo o médico, é a Estratégia Saúde da Família, antes chamado de Programa Saúde da Família (PSF). Lançado nos anos 1990, o modelo foi criado para oferecer cuidado integral às comunidades.
“As equipes atendem desde crianças até idosos, acompanham o pré-natal, tratam doenças crônicas, promovem educação em saúde… Isso diminui internações e melhora indicadores de saúde”, explica. Mas ele alerta: é preciso qualificar continuamente essas equipes, com formação adequada e suporte técnico.
Mais do que atender doenças já instaladas, o foco da estratégia é a promoção da saúde, prevenção de agravos, e o vínculo entre os profissionais e a população. Essa proximidade permite identificar precocemente problemas, acompanhar pacientes com doenças crônicas e desenvolver ações educativas dentro da comunidade.
Durante a pandemia, o SUS provou sua força
Dr. Gerson lembra que, mesmo com o boicote do governo federal à ciência durante a pandemia de COVID-19, o SUS resistiu.
“Houve atraso na compra das vacinas, mas quando elas chegaram, foram aplicadas de forma rápida e eficaz. A descentralização permitiu que estados e municípios ampliassem a oferta de leitos e atuassem com protagonismo”, afirma. “O SUS é da sociedade brasileira, não de um governo.”
Muito além das consultas: serviços que você talvez nem saiba que o SUS oferece
Muita gente ainda associa o SUS apenas a consultas médicas básicas. Mas a lista de serviços é extensa e inclui:
- Transplantes de órgãos, hemodiálise e tratamentos oncológicos.
- Distribuição gratuita de medicamentos, incluindo para hipertensão, diabetes e saúde mental.
- Práticas integrativas como acupuntura, fitoterapia, meditação, reiki, entre outras.
- Atendimento odontológico gratuito, com tratamento de canal, cirurgias orais e próteses.
- Transporte para pacientes que não conseguem se deslocar sozinhos.
- Tratamento contra o tabagismo, exames preventivos como Papanicolau e mamografia, e até DIU de cobre como método contraceptivo.

Sistema público, justiça social
“O SUS aponta para um modelo de sociedade mais solidário”, diz Dr. Gerson. Para ele, garantir acesso universal à saúde é parte de um projeto maior de justiça social. “Ter acesso à saúde contribui para que as pessoas desenvolvam suas potencialidades. O SUS é um patrimônio do povo brasileiro.”
Mesmo com falhas, ele acredita que o sistema pode ser aprimorado. “Gostaria que, no futuro, qualquer pessoa — seja ela banqueira, professora, operária ou agricultora — fosse atendida com a mesma qualidade. Isso é possível, mas precisamos resolver os problemas de financiamento, gestão e qualificação das equipes.”