Pai antivacina dos EUA diz que não vacinaria filha de 8 anos mesmo após morte dela por sarampo

País norte-americano enfrenta maior surto em mais de uma década; Brasil já confirma quatro casos e reforça campanhas de prevenção

Por Wallace Leray em parceria com João Gabriel Braga (Médico - CRMGO 28223)
16/04/2025 17:32 / Atualizado em 23/04/2025 11:19

O sarampo, uma das doenças mais contagiosas do mundo e considerada erradicada nos Estados Unidos desde o ano 2000, voltou a preocupar autoridades de saúde pública em 2025. Um surto em expansão, com epicentro no Texas, já acumula mais de 700 casos confirmados em diversos estados e reacende o debate sobre vacinação, desinformação e políticas públicas.

O caso da menina Daisy Hildebrand, de 8 anos, que morreu sem ter sido vacinada, colocou em evidência os riscos de retrocessos na imunização infantil. No Brasil, onde também já há registros recentes da doença, o Ministério da Saúde reforçou o alerta para a prevenção e o controle de novos casos.

Surto de sarampo volta a assustar os EUA e acende alerta no Brasil: o que está acontecendo?
Surto de sarampo volta a assustar os EUA e acende alerta no Brasil: o que está acontecendo? - iStock/Siarhei Khaletski

Casos nos Estados Unidos: uma tragédia anunciada

  • Em Seminole, no oeste do Texas, a morte de Daisy Hildebrand, de 8 anos, comoveu o país. A menina fazia parte de uma comunidade menonita com histórico de desconfiança em relação à medicina moderna, especialmente às vacinas. Daisy não havia sido imunizada contra o sarampo. Seu pai, Peter Hildebrand, declarou publicamente que não se arrepende da decisão e que não pretende vacinar futuros filhos.
  • A declaração foi dada à Children’s Health Defense, organização antivacina fundada por Robert F. Kennedy Jr., atual secretário da Saúde do governo Trump.
  • Kennedy, que já afirmou falsamente que vacinas causam autismo, visitou a família para prestar condolências, apesar da confirmação oficial do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) de que a causa da morte foi, de fato, sarampo.
  • O Texas lidera os casos da doença em 2025. Só naquele estado, duas outras crianças em idade escolar morreram, além de um adulto no Novo México.
  • O vírus também se espalha por Indiana, Kansas, Oklahoma e Ohio, todos com surtos ativos (mais de três casos). Uma onda de desinformação tem contribuído para o aumento de isenções vacinais por motivos religiosos ou pessoais.

A desinformação e o impacto político

  • A volta do sarampo nos EUA não pode ser dissociada do cenário político. Robert F. Kennedy Jr., que se aliou à campanha presidencial de Donald Trump em 2024, é um dos principais nomes do movimento antivacina.
  • Kennedy é conhecido por divulgar teorias conspiratórias e por sua militância durante a pandemia da Covid-19.
  • Agora, no cargo de secretário da Saúde, minimiza os dados do surto, afirmando em rede nacional que os casos estão “estabilizados”, apesar de o país já ter dobrado o número de infecções em relação a todo o ano anterior.
Casos de sarampo crescem nos EUA e voltam a ser registrados no Brasil após anos de controle da doença.
Casos de sarampo crescem nos EUA e voltam a ser registrados no Brasil após anos de controle da doença. - iStock/Chinnapong

Transmissão: uma doença altamente contagiosa

  • O sarampo é transmitido pelo ar, por meio de gotículas respiratórias quando a pessoa infectada tosse, espirra, fala ou até mesmo respira. É tão contagioso que pode infectar até 90% das pessoas não vacinadas próximas ao paciente.
  • A transmissão pode ocorrer entre seis dias antes e quatro dias após o surgimento das manchas vermelhas no corpo, o que aumenta o risco de contágio em ambientes fechados e com aglomeração.

Sintomas e tratamento

  • Os principais sintomas do sarampo incluem febre alta, manchas vermelhas pelo corpo, tosse, coriza, conjuntivite e mal-estar generalizado. Em casos graves, pode levar à pneumonia, encefalite e morte, especialmente entre crianças pequenas e pessoas com imunidade comprometida.
  • Não existe tratamento específico para o sarampo. A abordagem médica é de suporte, incluindo hidratação, controle da febre e prevenção de complicações. A vitamina A é frequentemente utilizada em crianças para reduzir a gravidade da doença.

Prevenção: a vacina salva vidas

  • A forma mais eficaz de prevenção contra o sarampo é a vacinação. A imunização contribui para a chamada “imunidade de rebanho”, que impede a circulação do vírus quando mais de 95% da população está protegida.
  • Nos EUA, a queda nas taxas de vacinação infantil desde a pandemia tem comprometido essa barreira coletiva.
  • Muitos pais passaram a alegar motivos religiosos ou de consciência pessoal para evitar a imunização obrigatória.
  • No Brasil, o Ministério da Saúde disponibiliza três tipos de vacinas que protegem contra o sarampo: dupla viral (sarampo e rubéola), tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola) e tetra viral (inclui também varicela). A escolha depende da idade da pessoa e da situação epidemiológica da região.
  • A vacina tríplice viral é contraindicada na gestação. Gestantes não vacinadas devem receber a dose no puerpério. Em surtos, a vacinação pode ser ampliada para bebês entre 6 e 12 meses, conforme recomendação das autoridades.

Casos no Brasil em 2025

  • Segundo a Nota Técnica Conjunta nº 124/2025 do Ministério da Saúde, até 18 de março, foram confirmados quatro casos de sarampo no Brasil: três no Rio de Janeiro e um no Distrito Federal.
  • Em São João de Meriti (RJ), duas irmãs com menos de um ano e sem histórico vacinal apresentaram sintomas entre fevereiro e março. Ambas tiveram diagnóstico confirmado, com identificação do genótipo B3. Medidas de bloqueio vacinal, isolamento e rastreamento de contatos foram adotadas.
  • O terceiro caso fluminense foi retrospectivamente confirmado em Itaboraí, envolvendo uma criança de seis anos com esquema vacinal completo. Não houve transmissão secundária.
  • No Distrito Federal, uma mulher de 35 anos, também com vacinação em dia, retornou de viagem à Ásia e apresentou sintomas em março. O exame confirmou o genótipo D8, circulante nos países visitados. O caso foi classificado como importado.
Surto de sarampo em Seminole, Texas, já deixou vítimas fatais e expôs riscos da baixa cobertura vacinal.
Surto de sarampo em Seminole, Texas, já deixou vítimas fatais e expôs riscos da baixa cobertura vacinal. - iStock/Natalya Maisheva

Situação epidemiológica e resposta das autoridades

  • O genótipo B3 encontrado nos casos do Rio de Janeiro é o mesmo que circula em países africanos e já foi identificado em surtos anteriores. O D8, presente no caso do Distrito Federal, é comum em países do Pacífico Ocidental e Sudeste Asiático.
  • A identificação do genótipo permite traçar a origem da infecção e avaliar a circulação comunitária do vírus. Até o momento, o Brasil não registra transmissão sustentada, mas o alerta é máximo.
  • Em todos os casos confirmados, o Ministério da Saúde coordenou ações de vigilância, bloqueio vacinal, comunicação de risco e articulação com estados e municípios.

A importância da vacinação de rotina

  • No Brasil, todas as pessoas entre 12 meses e 59 anos devem ser vacinadas contra o sarampo. Adultos e adolescentes com esquema vacinal incompleto devem iniciar ou completar as doses de acordo com o Calendário Nacional de Vacinação.
  • A tríplice viral e a tetra viral são as vacinas utilizadas nos serviços públicos de saúde. A proteção conferida é duradoura e eficaz, especialmente se a população mantiver altas taxas de cobertura.
  • Durante surtos, estratégias adicionais podem ser adotadas, como a vacinação em bebês menores de 1 ano em regiões afetadas.