Por que, segundo estudo, ver vídeos para não ficar entediado pode causar mais tédio?

Com o tempo, o cérebro se acostuma a esses pequenos estímulos e passa a demandar doses cada vez maiores para sentir o mesmo nível de satisfação

04/03/2025 11:00

Com o tempo, o cérebro se acostuma a esses pequenos estímulos e passa a demandar doses cada vez maiores para sentir o mesmo nível de satisfação – golubovy/iStock
Com o tempo, o cérebro se acostuma a esses pequenos estímulos e passa a demandar doses cada vez maiores para sentir o mesmo nível de satisfação – golubovy/iStock - Getty Images/iStockphoto

Quase ninguém aprecia a sensação de tédio. E, na era digital, a maneira mais rápida de escapar desse incômodo é deslizar os dedos pela tela do celular, navegando por uma enxurrada de vídeos curtos.

Dança, receitas, animais fofos, bebês sorrindo – o conteúdo parece ilimitado e sempre pronto para distrair. Mas será que esse hábito é realmente uma fuga eficaz do tédio ou, paradoxalmente, está tornando tudo ainda pior? Uma pesquisa publicada no Journal of Experimental Psychology: General sugere que, na tentativa de evitar o tédio, podemos estar intensificando essa sensação.

Quando o entretenimento rápido se torna um vilão

O tédio é um estado de frustração por não conseguir se engajar em algo satisfatório. Segundo o psiquiatra Elton Kanomata, do Hospital Israelita Albert Einstein, ele se manifesta como um vazio emocional, uma falta de interesse ou motivação.

Para entender melhor essa dinâmica, pesquisadores da Universidade de Toronto, no Canadá, conduziram experimentos com cerca de 1.200 pessoas.

No primeiro teste, os participantes assistiram a um vídeo fixo de 10 minutos e, depois, puderam alternar entre sete vídeos curtos. No segundo, assistiram a um vídeo de 10 minutos e, em outro momento, puderam avançar ou retroceder em um vídeo de 50 minutos.

O que eles descobriram? Quanto mais os participantes alternavam os vídeos, mais entediados ficavam. Ou seja, mesmo quando tinham liberdade para escolher conteúdos de seu interesse, a troca constante apenas reforçava o tédio em vez de aliviá-lo.

Dopamina, o engano do prazer rápido

Por que pular de um vídeo para outro amplifica o tédio? De acordo com Kanomata, a resposta está na dopamina – o neurotransmissor associado ao prazer e à recompensa. No início, trocar vídeos pode gerar uma satisfação momentânea, ativando esse sistema de recompensa. No entanto, como os vídeos curtos exigem pouca atenção, o prazer gerado é superficial e passageiro.

Com o tempo, o cérebro se acostuma a esses pequenos estímulos e passa a demandar doses cada vez maiores para sentir o mesmo nível de satisfação – um mecanismo semelhante ao da dependência química e dos jogos de azar. Ao mesmo tempo, a capacidade de atenção se esgota, levando à monotonia e, ironicamente, ao tédio que se tentava evitar.

Efeito do tédio 

Sentir tédio ocasionalmente é normal. Mas quando ele se torna persistente, pode ser um sinal preocupante. Segundo Kanomata, a monotonia prolongada pode prejudicar a saúde mental, aumentando o risco de depressão, ansiedade, transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) e até dependência de telas.

Pessoas com depressão podem experimentar uma perda de interesse em atividades antes prazerosas, enquanto aqueles que sofrem de ansiedade podem sentir impaciência e inquietação diante de estímulos pouco desafiadores. O ciclo se torna vicioso: quanto mais tentamos fugir do tédio, mais ele se instala.

A Solução? Reencontrar o prazer em experiências profundas

A pesquisa sugere que a chave para quebrar esse ciclo pode estar em buscar interações mais significativas e envolventes fora do mundo digital. Atividades que exigem maior concentração e participação ativa – como leitura, esportes, hobbies criativos e conversas presenciais – podem proporcionar um prazer mais duradouro e satisfatório.

Ou seja, se o seu tédio parece não ter fim, talvez a solução não esteja em mais vídeos curtos, mas sim em desacelerar e encontrar profundidade no que realmente importa.

Com informações da Agência Einstein. 

 

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