Propagandas enganosas sobre desejos verdadeiros
A publicidade no Brasil ganhou força por meio de propagandas em meados de 1800; de lá para cá, as maneiras de vender os mais diversos produtos vêm sendo constantemente atualizadas. Hoje, por exemplo, não dá para conceber propaganda sem o auxílio das redes sociais. De artesanato à bolsa de luxo, de cabelereiro a spas, qualquer produto ou serviço está num simples rolar de dedos.
É nesse contexto que nascem também, a favor da publicidade, os influenciadores digitais – ou seja, personalidades que conquistam fama por diversos motivos, e que, acima de tudo, ganham dinheiro para nos convencer a comprar os mais variados produtos e serviços. É por meio da publicidade que sobrevive alguém que ganha a vida exclusivamente com as redes sociais. A #publi serve para alertar o público de que o que está sendo mostrado, mesmo que de maneira natural, é pago por uma empresa para fins publicitários, e não apresentado espontaneamente por influenciadores.
Até aí, não vejo problema. Nada mais interessante do que poder mostrar seu produto para o mundo e contar com a ajuda de quem está “em alta” para fazê-lo. Mas o grande ponto é: será que quem faz publicidade de um certo produto ou serviço o está endossando porque gosta ou confia nesse produto ou serviço? Nem sempre. Claro que existem influenciadores que só fazem publicidade de bens sobre os quais acreditam, compartilhando a visão e a missão dos produtores; apesar de notável, casos como esses são minoria. Infelizmente, a grande maioria das #publis não segue esse padrão.
Vejamos então, por exemplo, o caso dos produtos de beleza, especialmente a seara do emagrecimento e mudança do corpo. Inúmeras empresas patrocinam todos os dias nas redes sociais milhares de posts para divulgar produtos ditos capazes de nos fazer emagrecer quase que por milagre: não só o emagrecimento vem sem esforço, como ele acontece em um curto espaço de tempo. E detalhe (nada pequeno, por sinal): os posts desses produtos são sempre apresentados por mulheres que possuem corpos esculturais e abarrotadas de filtros digitais e com fotos editadas pelos mais poderosos programas de computador.
Elas juram que tudo aquilo que vemos é resultado do uso do tal milagre em forma de gel redutor, anti celulite, ou queimador de gorduras indesejadas. Nada daquele corpo escultural tem a ver com exercícios físicos intensos, alimentação hiper restrita, e procedimentos estéticos e cirúrgicos, claro. É a velha história para boi dormir, como dizia a minha vó.
A questão-chave por de trás disso está na responsabilidade da empresa, do meio utilizado, e do propagador da mensagem. Qual é essa responsabilidade? Qual papel órgãos reguladores devem ter para coibir esse tipo de prática? Qual punição empresas e influenciadores digitais que se prestam a esse papel devem sofrer? Porque os malefícios desse tipo de prática são enormes.
Eu os vivencio todos os dias em meu consultório. Quantas vezes me deparei com pacientes que, levadas por propagandas claramente enganosas, compararam os mais absurdos produtos devido à insatisfação corporal. Isso envolve desde o uso de cintas modeladoras a cremes e comprimidos, muitos dos quais usados sem nenhum tipo de supervisão profissional.
No final das contas, esses produtos geraram não só muitos reais a menos nas contas das minhas pacientes, mas, o pior, a frustração, o sofrimento e aprofundamento de sérias questões de saúde mental.
Se não temos como controlar essa avalanche publicitária antiética e enganosa, podemos pelo menos tentar nos manter sóbrias e confiantes de que estrias, celulites, gorduras e flacidez não têm nada de anormal. Nossos corpos não são inadequados, errados ou piores por causa disso. Por isso, antes de você sair comprando qualquer coisa que prometa mudar sua forma física em dias de uso e sem qualquer esforço, não só desconfie como também deixe de seguir a influenciadora e a empresa. Use e abuse das suas redes sociais para seguir pessoas às quais você admira e que se importam com o conteúdo que você recebe e consome. Pesquise também sobre a marca e o produto antes de comprar. Lembre-se que seu dinheiro e saúde valem muitos mais do que alguns cliques e likes.
Texto escrito pela nutricionista Marcela Kotait.