Tabagismo volta a crescer no Brasil e acende alerta sobre saúde mental
Pela primeira vez desde 2007, número de fumantes cresce no Brasil. Entenda os impactos do cigarro na saúde física, mental e no sistema de saúde
O tabagismo segue sendo um dos maiores desafios de saúde pública no mundo e, agora, volta a preocupar também no Brasil. Dados divulgados pelo Ministério da Saúde revelam uma situação alarmante: pela primeira vez desde 2007, houve aumento no número de fumantes adultos no país. A proporção subiu de 9,3% para 11,6% nas capitais, segundo a pesquisa Vigitel.
O levantamento foi divulgado durante evento alusivo ao Dia Mundial Sem Tabaco, celebrado oficialmente em 31 de maio, uma data que reforça a necessidade de conscientização sobre os riscos do fumo. A diretora do Departamento de Análise Epidemiológica e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis (Daent), Letícia de Oliveira Cardoso, classificou o crescimento como “um dado muito preocupante”.
“Pela primeira vez desde 2007 temos um ponto que está ascendente na curva. Isso nunca foi visto. E não estou falando do cigarro eletrônico, mas do cigarro convencional. A prevalência de fumantes entre adultos aumentou pela primeira vez na série histórica”, afirmou.

Riscos físicos continuam devastadores
O psicólogo Alexandre Fonseca explica que o tabagismo é uma toxicomania caracterizada pela dependência física — do consumo de nicotina — e pela dependência psicológica do ato de fumar. “A dificuldade maior em parar de fumar está nessa conjunção de dependência física mais emocional com o ato de fumar”, destaca o profissional, em entrevista à Catraca Livre.
Os riscos físicos são amplamente conhecidos. Fumar é responsável por 85% dos casos de câncer de pulmão e está diretamente ligado a outros tipos de câncer, como boca, laringe, esôfago, estômago, rim e bexiga. Além disso, danifica gravemente o sistema cardiovascular, aumentando o risco de infartos, AVCs e doenças pulmonares, como a DPOC — responsável por 80% das mortes associadas a bronquite crônica e enfisema.
O cigarro também impacta a saúde bucal, acelera o envelhecimento da pele, reduz a imunidade e compromete a fertilidade.
O problema, no entanto, vai além dos pulmões e do coração. Os danos emocionais e mentais também merecem atenção.
Saúde mental: o efeito menos visível, mas igualmente grave
“O tabagismo tem impactos significativos na saúde mental, podendo causar ou agravar transtornos como ansiedade, depressão e até pensamentos suicidas”, alerta Alexandre Fonseca.
A nicotina age diretamente nos circuitos cerebrais que regulam o humor e o bem-estar, afetando o sono, a autoestima e, muitas vezes, levando ao isolamento social. Ao contrário da percepção comum de que fumar ajuda a aliviar o estresse, a prática, na verdade, cria um ciclo de dependência que agrava o sofrimento psíquico.
E os dados reforçam a urgência desse debate. A pesquisa do Ministério da Saúde mostra que, entre os homens, a prevalência de fumantes subiu de 11,7% para 13,8%. Entre as mulheres, o salto foi ainda maior: de 7,2% para 9,8% em 2024.
“É urgente que a gente volte a intervir mais duramente sobre as ações que a gente sabe que dão certo, especialmente se comunicando com os jovens, que estão voltando a fumar”, reforçou Letícia Cardoso durante o evento.
A armadilha da dependência emocional
O início no tabagismo costuma parecer inofensivo. “A maioria dos fumantes acende o primeiro cigarro por curiosidade e de forma recreativa. Isso se torna uma ‘razão justificável’ para continuar até que vire compulsão”, explica Fonseca.
Muitos acreditam controlar o hábito: “Só fumo quando bebo”, ou “só nos fins de semana”. Esse autoengano, segundo o psicólogo, permite que o cigarro ocupe um espaço simbólico no mundo psíquico, como forma de aliviar a ansiedade, preencher vazios emocionais e, em casos mais severos, representar uma fuga inconsciente da realidade ou até um desejo de autodestruição.
Esse mecanismo faz com que o cigarro se torne uma “muleta emocional”, muitas vezes mais difícil de abandonar do que a própria dependência física.

Como a neurociência explica o vício
Do ponto de vista neurocientífico, a dependência está diretamente relacionada aos circuitos de recompensa do cérebro. A nicotina estimula a liberação de dopamina, neurotransmissor associado ao prazer.
“Com o tempo, o cérebro se adapta a essa presença constante da nicotina e diminui a produção natural de dopamina, exigindo doses cada vez maiores para alcançar o mesmo efeito”, explica Fonseca. Isso gera o uso compulsivo, levando à dificuldade extrema de abandonar o cigarro sem apoio profissional.
Cigarro eletrônico: uma falsa solução
O levantamento do Ministério da Saúde também aponta preocupação com o avanço do uso de cigarros eletrônicos, apesar de uma aparente estabilidade. Em 2024, 2,6% dos adultos das capitais relataram uso diário ou ocasional desses dispositivos, frente a 2,1% no ano anterior.
Entre as mulheres, o uso dobrou, passando de 1,4% para 2,6%. A Anvisa mantém, desde 2009, a proibição da importação, comercialização e propaganda dos Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEF), categoria que inclui cigarros eletrônicos e vapes. Mesmo assim, eles continuam sendo acessados no mercado informal, principalmente por jovens.
“Mesmo que esteja estável, é o ponto mais alto desde 2019, quando começamos a monitorar, mostrando uma tendência de aumento”, alertou Cardoso.
O peso econômico e social do cigarro
O impacto do tabagismo não se limita à saúde individual. Dados divulgados pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca) mostram que o governo federal gasta R$ 5 com doenças ligadas ao fumo para cada R$ 1 arrecadado em impostos da indústria do tabaco.
Além disso, o levantamento revelou que há uma morte para cada R$ 156 mil de lucro obtido com a venda de cigarros legais. O estudo cruzou dados de 2019, considerando mortes provocadas por doenças cardíacas, AVC e câncer de pulmão, entre outras.
Durante o evento do Dia Mundial Sem Tabaco, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, defendeu uma atuação mais firme contra os produtos derivados do tabaco. “É preciso fazer propaganda contrária, divulgar os impactos negativos na área da saúde e na economia”, afirmou.
A tributação do cigarro, apontada como uma das principais ferramentas para redução do consumo, também está defasada, segundo a secretária-executiva da Conicq, Vera Luiza da Costa e Silva. Ela destacou que há expectativa de que o imposto seletivo, previsto na reforma tributária, ajude a “mudar a curva de aumento do consumo”.
Benefícios de parar
Apesar dos desafios, os benefícios de parar de fumar começam quase imediatamente e se acumulam ao longo dos anos:
- 20 minutos: queda da frequência cardíaca e da pressão arterial.
- 12 horas: normalização dos níveis de monóxido de carbono no sangue.
- 2 a 12 semanas: melhora na circulação e aumento da capacidade pulmonar.
- 1 a 9 meses: redução de tosse e falta de ar.
- 1 ano: risco de doença cardíaca reduzido pela metade.
- 5 anos: risco de AVC cai ao nível de um não fumante.
- 10 anos: risco de câncer de pulmão diminui pela metade.
- 15 anos: risco de doença cardíaca igual ao de quem nunca fumou.
“Pessoas de todas as idades, mesmo aquelas que já desenvolveram problemas de saúde relacionados ao cigarro, podem se beneficiar ao parar de fumar”, destaca Fonseca.

Combate ao tabagismo
O aumento recente no número de fumantes no Brasil é um alerta claro de que o combate ao tabagismo não pode ser relaxado. A luta não é apenas contra a dependência física, mas também contra os impactos psicológicos e sociais desse hábito.
“Parar de fumar não é tarefa fácil, especialmente quando o cigarro serve como muleta emocional”, reforça o psicólogo. Diante dos danos comprovados, físicos, mentais e econômicos, nunca foi tão urgente fortalecer campanhas, políticas públicas e o acesso a tratamentos.
No Dia Mundial Sem Tabaco, o recado é claro: diga não ao tabaco e sim à saúde. E, se precisar, procure ajuda — médica, psicológica e profissional. Nunca é tarde para começar.