“Você tem o Crohn, mas o Crohn não te tem”: a história de resistência da influenciadora Isabela Godoi
Diagnosticada com Doença de Crohn, Isabela enfrentou internações, cirurgias e limitações físicas. Hoje, ela compartilha sua história nas redes sociais
Aos 28 anos, Isabela Godoi carrega no corpo as marcas de uma batalha silenciosa que começou ainda na infância. Moradora de São Caetano do Sul (SP), microempreendedora e influenciadora digital, ela vive com Doença de Crohn, uma Doença Inflamatória Intestinal (DII) que, como ela mesma define, “sempre foi muito grave”. Sua história é a de alguém que precisou crescer antes do tempo, aprender a sobreviver em meio a dores, cirurgias e estigmas e mesmo assim encontrou brechas para plantar beleza, colecionar bonecas e distribuir esperança.

O início da jornada: um diagnóstico que quase não veio
Os primeiros sintomas surgiram cedo, aos 12 anos, mas o diagnóstico só chegou quatro anos depois. “Tinha diarreia 40x ao dia, vômito, dor, febre, suor noturno, perda de peso, sangramento nas fezes…”, relembra a criadora de conteúdo, mais conhecida como Bela, em entrevista exclusiva à Catraca Livre, para a série de conteúdos especiais do Maio Roxo, campanha que visa conscientizar sobre as Doenças Inflamatórias Intestinais (DIIs).
A resposta, contudo, veio tarde — e com gravidade. “Descobri que tinha Doença de Crohn aos 16 anos em uma internação, após fazer colonoscopia. Estava em estágio bem grave e avançado. Cheguei a 4 de hemoglobina, precisei de transfusão de sangue, quase morri.”
A notícia, para Isabela, foi paradoxal: alívio e medo caminharam juntos. “Pra mim foi um alívio receber o diagnóstico, pois nunca achei que meus sintomas fossem normais… Ao mesmo tempo, senti medo por ser uma doença crônica. Mas me mantive positiva.”
Cirurgias, SUS e a fé nos encontros certos
Com o diagnóstico em mãos, a urgência se impôs. O pai marcou consulta com um médico particular, que logo a encaminhou para um especialista do SUS — que, por coincidência, havia sido seu aluno no passado. “Fiquei muito feliz e grata que ia ter um tratamento gratuito pelo SUS, pois o convênio não tinha especialista, era uma doença rara.”
A corrida contra o tempo incluiu cinco procedimentos cirúrgicos: duas cirurgias para fístula perianal e abscesso, duas de úlceras e pólipos anais e uma retirada de 30cm do intestino delgado, com a colocação de uma bolsa de ileostomia, que ela usa até hoje. “Estou atualmente há alguns anos com o Crohn em atividade.”
Dor e reinvenção: a vida profissional e a força de empreender
A dor física é uma constante. Mesmo medicada, Isabela relata que as dores fortes e a fadiga comprometem sua rotina. “A diarreia continua, ainda mais por ser ileostomia, que as fezes são mais líquidas mesmo… Mas como faço as necessidades pela bolsa, não tenho mais urgência em evacuar.”
Diante de tantas limitações, ela precisou adaptar não apenas seus hábitos, mas sua forma de trabalhar. A experiência traumática de um emprego em shopping, aos 16 anos, foi decisiva. “Nesse 1 mês estava com o abscesso perianal sem saber e tendo que trabalhar em pé, não me deixavam sentar. Eu sentia muita dor. Fui internada e operada. Quando voltei, assinei a demissão.”
Com essa decisão, nasceu a coragem de empreender. Aos 17 anos, fundou uma loja online que hoje se dedica à venda de bonecas — universo que, além de trabalho, se tornou refúgio afetivo. “Por vezes preciso da ajuda da minha tia para levar as vendas nos correios. Já houve momentos em que eu estava internada e continuava embalando pedidos… Mas hoje eu reconheço meus limites.”
Afeto em forma de boneca, força em forma de palavra
Colecionadora de Monster High, Barbies e Sylvanian Families, Isabela encontrou nesses pequenos mundos a capacidade de construir e representar sua própria história. “Tenho inclusive uma Draculaura que eu fiz uma bolsa de ostomia pra ela, pra que ela se parecesse comigo. Meus seguidores gostaram bastante.”
Com um canal no YouTube e redes sociais ativas, ela fala sobre a doença e sua rotina, sempre que a saúde permite. “Quando me sinto melhor, volto às atividades. Quando fico mal, acabo sumindo um pouco para recarregar as energias.”

Amadurecer antes da hora: os desafios de uma juventude roubada
A adolescência de Isabela foi marcada não por festas ou paqueras, mas por internações e exames. “Enquanto os adolescentes estavam preocupados com questões da adolescência, eu estava preocupada com uma doença que até então eu não sabia o que era. Vivia em pronto socorro, médico, hospital, o tempo todo.”
Além da DII, ela também enfrentava transtornos mentais ainda sem diagnóstico na época. “Eu tinha borderline sem diagnóstico. Juntava toda a questão do Crohn com as crises mentais. Muito nova, passando por tudo isso. É complicado. Tive que ser forte.”
Convivência e afetos
A vida social foi — e ainda é — afetada pela doença. “Às vezes me ausento muito das relações interpessoais devido aos sintomas da doença. Acabo faltando a reuniões de família, encontros com amigos…”
Ainda assim, Isabela reconhece a sorte de ter ao redor uma rede empática. “Sempre encontrei compreensão das pessoas mais próximas: família e melhores amigos. Sou muito grata às pessoas que estão à minha volta e me ajudam no meu dia a dia.”
Alimentação restrita, autoestima fragilizada
A relação com a comida também mudou. “Existem muitas coisas que não posso comer e cada hora a lista aumenta um pouco. As adaptações têm sido muito difíceis. Às vezes preciso deixar de ir em alguma situação social para não ter vontade de comer alimentos proibidos.”
A autoestima, como não poderia deixar de ser, também sofre. “Às vezes não me sinto capaz de viver uma vida devido às limitações. Me sinto triste e desmotivada.” Nessas horas, Isabela recorre à terapia semanal, ao amparo de amigos e à partilha como forma de aliviar o peso. “As coisas ficam mais leves quando a gente divide o que está sentindo.”
A escola, o banheiro e a quebra de silêncios
A experiência escolar escancarou a falta de preparo institucional. “No começo, alguns professores não queriam me deixar ir ao banheiro, até acontecer um acidente que acabei fazendo nas calças.” O episódio foi um divisor de águas. A partir daí, a escola passou a permitir saídas livres e, com apoio dos colegas, Isabela conseguiu concluir os estudos em casa, em comum acordo com a direção.

Grupos de apoio
Grupos de apoio tiveram papel essencial em sua trajetória, sobretudo na aceitação da bolsa de ostomia. “Antes da bolsa, eu tinha preconceito, o que foi quebrado com os grupos de apoio do hospital. Muitos anos depois, quando precisei colocar a bolsa, já sabia que não era um bicho de sete cabeças.”
Esses espaços foram faróis em meio à tempestade. “Esses grupos são muito importantes!”, reforça.
A mensagem que fica: resiliência, ciência e coragem
Isabela tem consciência de que sua história pode ajudar outros jovens que recebem o diagnóstico da DII. E deixa uma mensagem firme, de quem fala com a alma calejada, mas cheia de fé:
“Sempre sigam as orientações do médico, cuidem da alimentação e nunca parem o tratamento. Mesmo em remissão, a doença pode voltar. Nunca percam a esperança dos dias melhores, porque a ciência está avançando… Acredito que cada dia que passa irão surgir novos tratamentos mais eficazes e que tragam qualidade de vida pra nós.”
“Você tem o Crohn, mas o Crohn não te tem! Você é alguém além disso. Seja forte e corajoso sempre!”