Alter do Chão a São Paulo: relato sobre uma “roadtrip” brasileira

3766 km entre Pará e São Paulo em uma roadtrip de tirar o fôlego

Por: Jean Philippe Pérol, do Le Blog do Pérol

“Em meio ao debate sobre viagens domésticas, ecoturismo e turismo transformacional, as roadtrips estão virando uma das novas tendências entre os viajantes brasileiros durante a pandemia.

Para quem quer fugir das aglomerações, é tempo de (re)lembrar que o Brasil têm estradas surpreendentes, hotéis e pousadas de qualidade espalhados em lugares inesperados, anfitriões acolhedores, roteiros infinitos, e belezas, às vezes, desconhecidas nos seus 74 parques naturais. E, num pais continente, porque não apostar que estradas como BR-163 ou a BR-364 podem um dia virar tão famosas quanto a Rota 66 ?

Os encontros inesperados da Transpantaneira

Mesmo para quem tem experiências amazônicas em rodovias como Belém-Brasília, Manaus-Porto Velho e na Macapá-Caiena, viajar de carro, em família, de Santarém a São Paulo é um grande desafio.

Nesta região do Brasil muito falada e pouco conhecida, é melhor conhecer o caminho antes de iniciar a viagem. Saindo de Alter do Chão (PA), acompanhado pela esposa e filha de cinco anos, tracei parte da rota que já havia feito na semana anterior sozinho, definindo algumas atrações e hotéis. Por critérios como atratividade, qualidade da hospedagem e distância, escolhemos Fordlândia, a Cachoeira do Curuá, o Pantanal mato-grossense (para passar o Réveillon) e o Parque Nacional das Emas.

Em Fordlândia, as marcas do fracasso de Henry Ford

A 320 km de Alter do Chão (45km deles de terra), Fordlândia carrega a memória do grande fracasso do Henry Ford.  Seu projeto era não somente a produção de borracha, mas também a implantação na Amazônia de uma cidade ideal desenhada nos Estados Unidos.

Além das lagartas e dos fungos que acabaram com as seringueiras, a incapacidade de entender as condições naturais e humanas da região explicam porque Ford mudou para Belterra a partir de 1934 e se retirou em 1945. Hoje, o viajante é surpreendido pela pequena vila, erroneamente chamada de cidade fantasma, que ainda mantém suas casas, seus comércios, seu restaurante e suas pousadas. A emoção é mesmo marcante nos cais do Rio Tapajós, nos galpões de vidros quebrados, na famosa caixa d’agua, nas mansões abandonadas surgidas do Middle West americano, ou nas duas igrejas: católica e presbiteriana.

No Curuá, três cachoeiras de até 90 metros de altura

Deixando os sonhos de Ford, a “roadtrip” segue a um pequeno trecho na Transamazônica. O desmatamento, até então de um lado só para respeitar a Floresta Nacional do Tapajós, se estende agora dos dois lados do irregular asfalto da estrada, em maioria para criações de gado. Com poucas planícies, muitos igarapés e mata ainda presente, as paisagens seguem um cenário amazônico, pelo menos até Novo Progresso. É nessa cidade que começa a transição para o cerrado e o encontro com os povoamentos gaúchos e paranaenses que marcam toda a travessia do Mato Grosso. As últimas etapas no Pará, a Fazenda Borbulha e a Cachoeira do Curuá, são dois lugares de belezas naturais e diversões aquáticas já característicos dessa região.

O tuiuiú, o pássaro emblemático do Pantanal

Depois de uma longa etapa marcada pelo impressionante dinamismo da cidade de Sinop (MT) e o horizonte infinito das fazendas de soja, o Pantanal mato-grossense era mais um bioma para descobrir nessa roadtrip, com promessa de encontrar os animais que fizeram a fama do ecoturismo local.

A 120 km de Cuiabá, a pousada do rio Mutum junta uma perfeita localização com uma boa estrutura e um atendimento perfeito para uma descoberta da região seja de barco, de carro ou a cavalo. Os terríveis incêndios recentes provocaram muitos estragos na vegetação e na vida animal, mas mesmo assim as arvores estão mostrando sua força, e encontra-se capivaras, tamanduás bandeira, jacarés, tatus, macacos, jabutis e numerosos pássaros – incluindo o emblemático tuiuiú. A pousada serve também de hospital veterinário e virou um verdadeiro zoológico com antas, caititus, guaribas, araras, mutuns e papagaios, vários em semiliberdade.

A entrada do Parque Nacional das Emas

O caminho para reencontrar a BR-364 é um pouco complicado, e a linda MT-30 se perde, às vezes, na imensidão dos campos de soja. Depois da junção, dos dois lados da estrada, o cerrado segue coberto de plantações somente interrompidas pelas paisagens deslumbrantes da Serra da Petrovina, onde o viajante parece de repente mergulhar numa ‘Monument Valley à brasileira’, com seus mirantes de horizonte infinito, morros achatados e seus paredões de terra vermelha.

Com imigração recente do sul do Brasil e até do exterior, todas as cidades atravessadas parecem ter nascidas do soja e do milho. Assim é Chapadão do Sul, portão de entrada do Parque Nacional das Emas. Mesmo tendo sofrido várias queimadas devastadoras nos últimos anos, o parque abriga uma importante variedade de espécies endêmicas do cerrado, com emas, veados campeiros e tatus sempre visíveis durante as visitas.

Céu e soja, as duas imensidões do cerrado

Na BR-163, na Transamazônica, na BR- 364 ou na Rodovia Euclides da Cunha, a “roadtrip” é muito mais que uns sucessivos trajetos em estradas de terra ou de asfalto.

São emoções frente as paisagens e as belezas naturais que compõem os seis diferentes biomas brasileiros – sendo quatro atravessados nessa viagem. São encontros com os pioneiros que vivem e trabalham em lugares onde se defina o futuro do Brasil, são momentos fortes de intercâmbio com os familiares que participam de uma aventura transformacional que seguirá cada um dos participantes pelo resto da sua vida. Então, prontos para as experiências de uma “roadtrip” em família?”

Os 3766 km da roadtrip em família

Relato por Jean Philippe Pérol. autor do Le Blog do Pérol