Como é ser uma mulher viajante
Ser mulher e viajar exige adaptação e jogo de cintura
Estou há quase cinco anos vivendo na estrada, a maior parte desse tempo morando dentro de um carro. Quando, em 2015, saí de São Paulo com meu parceiro, Plácido Salles, para viajar pelo mundo de carro, não imaginava quantas transformações aconteceriam na minha vida. Tampouco tinha ideia do quanto algumas pequenas coisas do cotidiano poderiam fazer tanta falta!
Nunca fui muito ligada em diferenças de gêneros. Acredito que homens e mulheres têm suas diferenças e similaridades e que cada um acaba adaptando-se às condições que lhe são oferecidas, mas, convivendo de perto com o Plácido (24 horas por dia, 7 dias por semana, com pouquíssimas folgas ao longo desse tempo todo), pude perceber que algumas necessidades que tínhamos, por viver em um carro, ou mesmo durante os períodos em que fizemos mochilão, eram diferentes.
Baseada nestas observações, acabei fazendo uma listinha que pode ser útil para outras mulheres que estejam pensando em viver viajando por um tempo. Vou aqui separar por temas:
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Banheiro
Ao longo deste tempo todo de viagem, já tivemos três carros e nenhum deles tinha banheiro. Existem opções de banheiros portáteis por aí, mas a simples ideia de ter que limpar um pote cheio de número 1 e 2 nos levou à decisão de não ter nada do tipo dentro das nossas “casinhas”.
Com isso, buscar um banheiro sempre foi uma tarefa cotidiana e acabamos usando os postos de gasolina de beira de estrada, restaurantes, shopping centers, supermercados e, inúmeras vezes, o matinho. Na maior parte do tempo isso não foi problema, a não ser pelo fato de que às vezes meu intestino fica tímido e eu acabo ficando alguns dias sem conseguir fazer as necessidades regularmente. Também, tive que me acostumar com os mais diversos graus de higiene, dos 5 estrelas aos “socorro, não consigo respirar!”.
Confesso que os dias mais difíceis nesse quesito foram os que passamos “acampados” no meio de alguma cidade e, ao acordar, não havia lugar próximo onde me aliviar. Não foram poucos os momentos de aperto, mas, como tudo na vida, acabamos sempre encontrando uma alternativa.
Banho
Do mesmo jeito que encontrar um vaso sanitário é uma missão diária na vida de um viajante, buscar onde tomar banho também é. Acho que já tomei banho de todas as maneiras possíveis ao longo deste tempo de estrada. Em muitos lugares, os postos de gasolina costumam ter chuveiros disponíveis; em outros, paga-se uma fortuna por um ou dois minutos de água quente, por isso, o jeito é dançar conforme a música. Em lugares quentes, fazemos tudo possível para banhar-nos diariamente, mesmo que seja com uma garrafa e canequinha ao final do dia, apenas para tirar o suor da pele. Em regiões mais frias ou secas, funciona o sistema de rodízio: banho dia sim, dia não e muito lenço umedecido para salvar o “dia não”. O máximo que ficamos sem ter água jogada no corpo foi uma semana, quando fizemos o Everest Base Camp Trekking, no Nepal.
O que me faz muita falta é poder sair do chuveiro enrolada na toalha e me trocar com calma, já no quarto. Por aqui, é tudo rapidinho e dentro do box, usando chinelo o tempo todo!
Menstruação
Falando em banho, logo penso em outro assunto, este, bem feminino: menstruação. Associo os dois, pois os momentos em que mais me fez falta um chuveiro foram justamente durante aqueles dias. Pois é, acontece, mais do que eu gostaria, de estar menstruada e não conseguir um chuveiro para me lavar…
Para mim, o período menstrual é uma das partes mais chatas de ser mulher na estrada (talvez de ser mulher na vida!). Sofro com as cólicas e tenho um fluxo intenso e, vivendo num carro sem banheiro, ainda não consegui encontrar um método eficiente para esse período do mês. Sou adepta dos coletores menstruais há um bom tempo, mas sem ter o meu próprio banheiro, acaba sendo difícil conseguir usá-los. Primeiro porque, para colocar o coletor, é necessário uma posição confortável sentada no vaso. Oh, oh! Quando o banheiro é público, muitas vezes não é uma opção encostar na privada, eca! Depois, para higienizá-lo, é necessário uma torneira perto do vaso, o que na maioria das vezes não é possível encontrar.
Resumindo, no geral acabo sendo obrigada a usar absorventes comuns o que, em muitos países, gerou momento engraçados, já que, como não conheço as marcas disponíveis em cada lugar, já tive muitas surpresas com verdadeiras fraldas disfarçadas de absorventes!
Depilação
Se você vai viver na estrada por um tempo, permita-me um conselho: depilação a laser. Foi o melhor investimento que fiz, uma vez que, na estrada, é muito difícil encontrar salões de depilação disponíveis, principalmente fora do Brasil. Para mim, depilar é fundamental e me esforço bastante para manter tudo em dia, mesmo que apenas com a lâmina, o que, no geral, funciona bem dentro da minha rotina.
Estética
Se você é do tipo vaidosa, que não fica sem fazer as unhas e cabelo no salão regularmente, sinto lhe informar, numa viagem você terá que aprender a abrir mão desses e outros hábitos. A verdade é que, muitas vezes, fico dias seguidos sem sequer me olhar no espelho. De corpo inteiro, então, nem conto mais. Viver em um carro tem suas limitações.
O cabelo fica mais ressecado, a pele maltratada pelo sol, as unhas esquecidas, as roupas amassadas. Mas, calma! Durante uma longa viagem, suas interações sociais ficarão bem diferentes e você não precisará preocupar-se tanto assim com a estética. Tenho certeza que, logo nos primeiros meses, você estará usando uma roupa velhinha, chinelo e coque mesmo quando for a lugares mais descolados. E não vai dar nem bola para isto!
O que me faz falta até hoje é de encontrar alguns cosméticos dos quais gosto muito. Na maioria das vezes, acabo tendo que comprar qualquer um que esteja disponível naquele mercadinho da cidadezinha do interior do país e contentar-me com ele.
Atividade física e alimentação
Manter o corpo em forma e saudável em casa é muito mais fácil do que viajando. Principalmente para quem faz um mochilão e depende o tempo todo de comida de rua. Já passei pelos dois tipos de experiência: viajar de carro e cozinhar minha própria comida e viajar de mochila e comer fora o tempo todo e posso afirmar que ter a chance de fazer a minha comida é, sem dúvidas, o melhor dos mundos.
Quando cozinho, consigo escolher exatamente o que vou comer, o nível de higiene com que será preparado e, ainda, ter muito mais variedade no dia a dia. Busco fazer no carro a comida que comia quando vivia em São Paulo: saudável, variada, saborosa. Assim, consigo manter o corpo em dia. Não é à toa que, durante todo esse tempo na estrada, foram pouquíssimas vezes que tivemos problemas de saúde.
Com relação às atividades físicas, depende muito do momento. No geral, não é fácil manter uma rotina durante a viagem, o que dificulta inserir exercícios com regularidade. Mas, sempre que podemos, buscamos movimentar o corpo. De qualquer maneira, a vida ao ar livre acaba nos proporcionando mais trekkings, caminhadas e outras atividades que naturalmente aparecem.
Já tive fases mais gordinhas, outras mais magrinhas, algumas mais sedentárias e outras mais ativas, mas, no geral, consigo manter a estabilidade de peso e saúde.
Felizmente, a adaptação a todos esses itens foi rápida e natural, conforme fui incorporando o modo de vida nômade e, hoje em dia, tiro de letra a maior parte das dificuldades relacionadas às necessidades femininas. Fiz um vídeo falando sobre o assunto, caso queira assistir, veja abaixo:
Por Mariana Beluco
Junto com seu parceiro, Plácido Salles, já passou por mais de 60 países, publicou um livro, ministra cursos e palestras sobre viagens e vive uma grande aventura pelo Brasil através do seu projeto, Livre Partida.