Como é viajar o mundo sozinha com fibromialgia?; leia relato
A baiana Luana Lôpo, 31 anos, compartilha dicas importantes para viajantes com doenças crônicas não cair em roubada
Viajar o mundo e conhecer novas culturas é sonho de muitos viajantes. Para a baiana Luana Lôpo, 31 anos, não é diferente. Ela já conheceu 14 estados brasileiros e mais de 20 países.
Até aí, nada de mais. Senão fosse por um detalhe: Luana é portadora de fibromialgia –doença reumatológica crônica que afeta a musculatura causando dor pelo corpo. Ela costuma viajar sozinha pelo mundo e compartilhar as vivências e experiências no blog Viagem e Cura.
A pedido da Catraca Livre, Luana escreveu um relato de como é viajar o mundo sendo portadora de uma síndrome crônica. Leia abaixo:
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Quero desmistificar um pouco sobre o que é a fibromialgia, bem como é viajar sozinha com uma doença crônica.
Mas primeiro, vou contar a minha relação com as viagens para que possam entender um pouco mais sobre mim. Para os que não sabem, tenho mais de 10 anos na estrada viajando sozinha.
Além disso, viajar e conhecer novos lugares são algo presente na minha vida desde criança. Vocês sabiam que eu viajei pela primeira vez de avião com um ano de vida? E que minha primeira viagem sozinha em um avião foi aos quatro anos? Lembro-me, com carinho, das minhas primeiras aventuras “viajando sozinha de avião”, de mãos dadas com as aeromoças da Varig e da Transbrasil, indo visitar meu padrinho e sua família em outro estado.
Por isso, hoje poder compartilhar um pouco dessa minha vivência com vocês é algo muito significativo para mim.
Minhas primeiras viagens sozinha
Atualmente, já explorei e desbravei mais de 14 estados no nosso país, bem como 20 países.
No começo das minhas andanças por aí sozinha, em 2012, eu tinha um ritmo de viagem frenético, bem peculiar das mulheres e homens nos seus 20 e poucos anos. Para eu, dormir em uma viagem era algo inadmissível, eu queria aproveitar ao máximo o local e com a maior intensidade que pudesse.
Lembro-me de uma viagem que fiz para Cuiabá em 2015, sai à noite com uns amigos para uma “saidinha rápida” porque eu iria fazer uma trilha na Chapada dos Guimarães às 8h do dia seguinte, mas o que era para ser algo rápido, acabou se transformando em uma verdadeira noitada e sai da boate quase 6h. Como o tempo estava exíguo, decidi que iria apenas tomar banho, arrumar minha mala e descer para o café da manhã.
E eu ainda tive pique para passar o dia inteiro fazendo trilha, tomando banho de cachoeira (para curar ressaca). Como todo jovem, era inimiga do fim, sai da trilha e fui direto para o aeroporto pegar um voo de madrugada. Um detalhe: entre a trilha e a cachoeira eu fui até um shopping, paguei uma diária da academia, para poder usar o banheiro de uma academia (fica a dica aos viajantes) e aproveitei a última sessão do cinema vazia para tirar um cochilo.
Como descobri e o que é a fibromialgia
Minha vida inteira mudou em 2016, quando fui diagnosticada com uma doença chamada fibromialgia.
Sei que muita gente nunca ouviu falar sobre a doença, então vou fazer um breve resuminho sobre o que é fibromialgia. Até porque a fibromialgia é uma doença crônica que acomete aproximadamente 5% da população mundial, em sua maioria esmagadora mulheres, que basicamente age no sistema nervoso central desregulando as sinapses nervosas. Ou seja, você pode estar muito próximo a alguém que sofre dessa síndrome e não fazer ideia ou até mesmo saber e não entender direito o que ela passa internamente.
Mas o que eu sinto na prática? Dor crônica generalizada, fadiga extrema (aquela sensação de ser atropelado por um caminhão e sair rolando ladeira abaixo). Não tive covid, mas acredito que a sensação de fadiga se assemelhe, assim como a da dengue –já tive e confirmo.
Além disso, a fibromialgia, por agir no sistema nervoso central, desregula o nível hormonal, e causa também depressão e transtornos de ansiedade.
Dicas para conviver com um paciente crônico
Uma das coisas que eu quero trazer hoje é que infelizmente, a fibromialgia é uma doença que carrega diversos estigmas sociais. Por não ter sintomas visíveis, os pacientes muitas vezes são taxados como chatos, preguiçosos, frescos e hipocondríacos.
Eu sei que é bem difícil entender não estamos vivenciando aquilo.
Somado a isso, o paciente com fibromialgia cria mecanismos para conviver com a dor, bem como escondê-la, não demonstrando a real face da sombra que lhe acompanha.
Eu já sofri muito assédio moral no trabalho, discriminação por parte de colegas de trabalho, conhecidos e até mesmo familiares.
Muita gente me questiona: “É impossível você sentir tanta dor assim, você vive viajando, sorrindo, etc..”.
Eu preciso tentar VIVER e fazer algo que me dê prazer, fazer coisas que aumentem minha dopamina e minha serotonina que já são tão afetadas pela síndrome. Fazer atividades lúdicas e prazerosas faz parte do meu tratamento, apesar do senso comum gritar aos quatro cantos que você não pode/tem direito fazer isso ou aquilo já que está doente e que se consegue, não tem doença nenhuma, é apenas uma pessoa preguiçosa e fingida.
Lembrando que, assim como para os pacientes fibromialgicos, pacientes com diversas outras doenças (principalmente doenças mentais e sem sintomas aparentes) precisam ter esses momentos, isso também faz parte do tratamento e precisamos ser mais empáticos com o outro. Afinal, muitas vezes eles estão passando por grandes batalhas internamente que não podemos nem imaginar.
Eu mesma, paciente fibromialgica, diagnosticada há anos, tenho dificuldade em aceitar um pouco isso. Todo afastamento médico do trabalho é sofrido para mim, uma vez que a sociedade me ensinou que parar enquanto os outros trabalham é inimaginável. Além disso, todos os olhares e comentários me fazem questionar: será que eu posso/tenho o direito de viajar ou fazer outras atividades que me deem prazer enquanto estou afastada?
Estou me desconstruindo há seis anos para aceitar plenamente que a resposta precisa sempre ser SIM, uma vez que nossa saúde e amor próprio precisam vir sempre primeiro.
Como continuar viajando sozinha com fibromialgia
O mundo vem passando por um processo de mudança durante a pandemia, mas para mim essa mudança começou lá em 2016, quando eu tive meu diagnóstico. Comecei dando um passo para trás e pensando sobre por que eu queria viajar.
O que eu estava esperando das minhas viagens rápidas? Uma viagem rápida, para ver “tudo o que há para ver”, mudando de local a cada dois ou três dias ainda fazia sentido para mim? Meu sonho em ir para as Ilhas Maldivas precisa ser em um resort caro? E não fazia mais sentido. Eu tinha mudado, eu precisava começar a respeitar o meu corpo, ele começaria a ditar minhas viagens a partir de então.
Minhas últimas viagens estão cada vez mais lentas, adotando o ‘slow travel’, estou retornando cada vez mais a lugares que eu já conhecia para apreciar e poder me conectar verdadeiramente com o local.
Eu prefiro atualmente estabelecer bases, passar mais tempo nos lugares, viver e sentir o local. Comer aquela comida única em um restaurante romântico local, visitar uma feira, ir a alguma festa típica, sentar em um café e ver a vida passar.
Além disso, passei a respeitar o meu corpo. Se eu acordar com dor ou sem me sentir bem, eu ficarei no hotel tranquilamente e sem me sentir mal por isso. É melhor respeitar o corpo e dar as paradas necessárias do que forçá-lo ao limite.
Dicas para viajar com uma doença crônica
É importantíssimo antes de qualquer viagem fazer um check-list do que você vai precisar.
Você precisará fazer um check-up com seus médicos e garantir que você está em condições de saúde para viajar.
Certifique-se se você tem todos os medicamentos necessários para o tratamento para os dias da viagem e uns dias a mais. Importante, ainda, levar receitas médicas dos medicamentos. Além disso, converse com seu médico sobre os remédios necessários para montar uma farmacinha de urgência.
Se você faz uso de alguma medicação específica ou controlada, é importante conferir se essa medicação é permitida no destino de sua viagem, bem como deve ser levado e armazenado nas viagens.
Eu, por exemplo, dentre inúmeros outros remédios, faço uso do canabidiol. Então, em todas as minhas viagens eu levo um relatório médico, minha receita médica e o formulário da Anvisa que me garante a importação da medicação do Brasil.
Outra coisa importantíssima é estar sempre conectada e com possibilidade de receber SMS do Brasil. Em caso de qualquer emergência é preciso entrar em contato com os médicos, além disso, existem aplicativos que só funcionam com códigos.
Quando devo procurar um médico
- Você que sente dores crônicas (mais de 3 meses, todos os dias, sem cessar) aparentemente sem motivo não está sozinha. Procure orientação médica. Qual médico procurar? Um reumatologista.
- Quem vê fotos lindas e cenários paradisíacos aqui não sabe as lutas da vida real enfrentadas. Acreditam que os outros têm uma vida perfeita e não tem problemas. A real é que cada qual carrega suas dores, elas só não são compartilhadas.
- Depressão e ansiedade são problemas reais e devem ser enfrentados. Não, não é só você que está aí do outro lado que está se sentindo assim. Às vezes é até difícil reconhecer que precisamos de ajuda, mas ela é fundamental para o caminho de melhora. Psicólogos e psiquiatras NÃO são médicos de maluco, são profissionais da saúde que podem sim te ajudar. Procure ajuda, não esteja só nessa batalha!
- Se você sempre imaginou ser impossível viajar sozinha enfrentando alguma batalha pessoal, eu venho te dizer que é possível SIM!