Como os teleféricos de La Paz mudaram o cenário da cidade

Como o maior e mais longo sistema de teleféricos do mundo, o “metrô no céu” de La Paz, capital da Bolívia, como os jornais do exterior costumam chamar, garantiu uma menção no “Guinness World Records”, conhecido como o “livro dos recordes”,  antes mesmo de ser inaugurado, em maio de 2014. A questão, no entanto, era se ele iria vingar no coração onde vivem 1,5 milhão de potenciais usuários.

Vinte meses depois, as respostas apareceram com um sonoro “sim”. O sistema aéreo de transporte não apenas facilitou a circulação entre localidades, mas também se tornou um símbolo dos esforços estatais de diminuir a geográfica e econômica fissura entre os pobres indígenas bolivianos e a classe média urbana e mestiça.

Os cabos, como são chamados em La Paz, se tornaram atração turística

Subindo cerca de 300 metros a partir de La Paz –a capital administrativa mais alta do mundo, com quase 3,7 mil metros de altitude em relação ao nível do mar– se chega a El Alto, uma área predominantemente aymará que, se antes era vista como um mundo social à parte, agora está ligada ao país.

Por décadas, a principal rota entre as duas regiões era uma estrada constantemente congestionada, além de ser conhecida pela poluição e pelo barulho. Agora, no entanto, existem três linhas de teleféricos – cada uma nomeada com uma cor da bandeira nacional: amarelo, vermelho e verde –que levam os comunais a La Paz em um terço do tempo calmamente sobre a estrada.

Os usuários regulares vivem em estado de graça com a novidade. “Eu acho que o teleférico é ótimo. Minha vida é diferente agora”, afirmou Elisa Marconi, uma professora de escola primária de El Alto, ao diário boliviano “El Deber”. “Antes, eu tinha que viajar por três ou quatro horas só para ir fazer compras, e era uma preocupação pensar que nós tínhamos uma longa jornada de volta se acontecia alguma emergência. O teleférico nos ajuda muito”, completa.

Igreja de São Francisco, no centro de La Paz
Créditos: Getty Images
Igreja de São Francisco, no centro de La Paz

Adele Flores, uma comerciante ambulante que vende chá de coca, peças de pele de lhama e lembranças aos turistas, diz que o sistema transformou sua vida. “Eu uso o teleférico todo dia: as estradas estão constantemente bloqueadas por carros ou por protestos, mas o sistema nunca deixa de funcionar”, ela diz.

Recentemente, longas filas se formaram fora das reluzentes estações depois que os trabalhadores fecharam as estradas que cercam La Paz contra o aumento das tarifas. A alternativa aérea é competitiva também por seu preço – cerca de 3 bolivianos por viagem (R$ 1,40), com descontos generosos para estudantes e idosos.

O baixo nível de estresse é uma grande atração para Pamela Gutierrez, designer gráfica que expressa sua alegria sempre que cruza a cidade para voltar para casa. “Eu costumava tomar dois ou três ônibus para ir à universidade. Algumas vezes isso me tomava duas horas. A estrada é barulhenta e poluída. Mas o teleférico é ótimo”, explica ela.

Casa coloniais na Calle Jaen, na capital boliviana
Créditos: Getty Images/iStockphoto
Casa coloniais na Calle Jaen, na capital boliviana

Com carros chegando a cada 12 segundos em 11 estações por 10 quilômetros de cabos conectados ao sistema, o teleférico pode ser comparado com um metrô, mas a visão é muito diferente. Começando a viagem, os usuários primeiro flutuam sobre escritórios, campos de futebol e um rio, mas logo estão acima de comunidades coloridas e podem olhar o espetacular vale abaixo das camadas de neve da Cordillera Real. Por esse motivo, o teleférico está se tornando também uma atração turística que atrai visitantes estrangeiros.

“Quando comprei as passagens aéreas para La Paz, tinha lido muito pouco sobre o sistema. Achava que era apenas um tipo de transporte urbano, mas quando cheguei lá todo mundo falava que eu tinha que viajar em um carro. Fiquei impressionada”, conta a professora Juliana Von Harty, brasileira que vive em São Paulo e conheceu a metrópole boliviana em julho de 2017.

Os operadores de turismo agora se orgulham em seus sites que o sistema de cabos é uma das atrações mais populares da cidade, recebendo críticas positivas de outros usuários. Alguns dizem que o teleférico pode ser uma experiência romântica para jovens casais que costumam procurar carros vazios durante a noite. O serviço funciona 17 horas por dia.

Típica rua de La Paz
Créditos: Getty Images
Típica rua de La Paz

De acordo com os operadores, há alguns problemas menores, como atrasos de até 15 minutos como resultados de ações dos usuários, que costumam segurar as portas, ou quando árvores caem perto das pilastras que sustentam os cabos. Há também alguns registros de pequenos protestos próximos das estações.

O governo boliviano espera que o novo sistema alivie o trânsito caótico de La Paz e os níveis de poluição. No centro da cidade, miniônibus ainda circulam pelas ruas e os carros se acumulam nas primeiras horas do dia. Com painéis solares em cada carro para dar energia ao funcionamento das portas, às luzes e ao wi-fi, o novo sistema é indubitavelmente mais sustentável que seus rivais.

O governo, que construiu o projeto com suas receitas substanciais vindas da venda de gás natural, está tão feliz com o resultado que planeja aumentar o sistema nos próximos anos. Ele já assinou acordos com a companhia austríaca que fabrica e opera o sistema para mais seis linhas que devem adicionar 20 quilômetros de cabos e 23 estações.