Museu resgata façanha de trio que levou 10 anos para chegar em NY

Museu Mário Fava, em Bariri (SP), conta a epopeia da viagem que ajudou a construir a rodovia Pan-Americana

14/02/2019 18:10 / Atualizado em 05/05/2020 12:24

Hoje, fazer uma viagem internacional é relativamente fácil e rápido. De avião, é possível sair do Rio de Janeiro pela manhã e chegar a Nova York no começo da tarde, em cerca de dez horas. Mas você tem ideia de como eram feitas as viagens como no começo do século passado, quando a aviação comercial ainda era um embrião?

A resposta é: de navio ou por terra, a bordo de carros que estavam no início da popularização e eram pouco confortáveis e com potência limitada.

Foi nesta época que três brasileiros se lançaram à sorte numa viagem entre o Rio e Nova York que durou dez anos e se transformou numa verdadeira epopeia.

Museu Bariri

Mais que uma aventura, a façanha ajudou a construir a rodovia Pan-Americana, que interliga a América do Sul à América do Norte que, na época, só existia na imaginação.

Foram quase 28 mil km entre o Rio de Janeiro e Nova York.

De Bariri para o mundo

A façanha dos brasileiros está registrada em um museu inaugurado no ano passado na cidade Bariri (323 km de SP) onde um dos três morava. Lá, está o Fort T usado “road trip”.

A cidade (323 km de SP), com cerca de 34 mil habitantes, teria na Praça da Matriz sua principal atração não fosse o fato de ser a cidade de um dos integrantes da expedição, o mecânico Mário Fava.

A história desse jovem, que aos 21 anos aceitou participar junto com o tenente do Exército Leônidas Borges de Oliveira, de Descalvado, e oficial da Aeronáutica Francisco Lopes da Cruz, de Florianópolis, da maior aventura automobilística que tem se notícia, foi a inspiração para o museu.

O trio percorreu exatos 27.631 km a bordo de um Fort T entre 16 de abril de 1928 e 05 de maio de 1938. Passaram por 15 países até chegar aos Estados Unidos.

O Ford T, ano 1918, usado pelo trio para ir do Rio de Janeiro até Nova York; viagem durou 10 anos
O Ford T, ano 1918, usado pelo trio para ir do Rio de Janeiro até Nova York; viagem durou 10 anos - Divulgação

A aventura

A viagem teve início no Rio de Janeiro após o jornal “O Globo” doar o Ford T –batizado de Brasil–, que mais tarde, passando pela capital paulista, se juntou com outro veículo, o “São Paulo” –doado pelo jornal “Comércio de São Paulo”, mas se perdeu no tempo.

O Brasil se mantém firme e é o personagem vivo de uma história contata por fotos da expedição, mapas e uma riqueza de detalhes que impressiona os aficionados por carros e aventuras.

O jornal “O Globo” noticiou a aventura dos expedicionários
O jornal “O Globo” noticiou a aventura dos expedicionários - Reprodução/O Globo

“O objetivo do museu é reunir essa história de pioneirismo e mostrar aos visitantes parte dos desafios enfrentados pelo trio há mais de 80 anos”, conta o curador e um dos fundadores do museu, José Augusto Barboza Cava.

Mário se juntou ao trio em Pederneiras, quando a expedição vez pouso na cidade.

Fachada do Museu Mário Fava, na cidade de Bariri (SP)
Fachada do Museu Mário Fava, na cidade de Bariri (SP) - Divulgação

Depois de abrir caminhos entre campos, florestas, montanhas, pântanos e rios, os desbravadores encerraram a jornada em Nova York. Antes, em 1937, os brasileiros se encontram, em Detroit, com Henry Ford, dono da montadora que fabricou o Brasil e o São Paulo.

Na Casa Branca, em Washington, eles foram recebidos pelo então presidente Franklin Delano Roosevelt, que conferiu os mapas da expedição, relatórios e fotos da viagem.

Trio passou por 15 países; triou rodou 28 mil km entre o Rio de Janeiro e Nova York
Trio passou por 15 países; triou rodou 28 mil km entre o Rio de Janeiro e Nova York - Divulgação

A aventura coincide com a popularização do automóvel no Brasil e, consequentemente, a necessidade de abrir novas estradas e mapear outras existentes em nome do progresso.

De acordo com o curador, a viagem para desbravar a Pan-americana foi organizada por Leônidas Borges de Oliveira, que recebeu do então presidente Washington Luís um documento que dava fé e apoio do governo brasileiro à empreitada. “Esse registro também contribuiu para que os viajantes pudessem angariar apoio no custeio da viagem nos países por onde passavam, conforme a viagem fosse avançando”, explica o curador.

Nem Henri Ford acreditou

Assim que soube da aventura do trio, a história da expedição não caiu como verdade aos ouvidos do magnata Henry Ford, fundador da marca que leva seu sobrenome.

Trecho da rodovia Pan-Americana no deserto do Atacama, no Chile
Trecho da rodovia Pan-Americana no deserto do Atacama, no Chile - Angelica Jacobi/Wikimedia Commons

Os brasileiros fizeram questão de desembarcar em Detroit, nos Estados Unidos, para registrar a passagem com o empresário. Bastante cético, Ford mandou chamar um mecânico da marca para analisar os veículos para, assim, ter certeza da autenticidade do Brasil e do São Paulo.

A surpresa quando o mecânico da Ford confirmou a originalidade dos automóveis não fez o magnata titubear. “Ele ofereceu um bom dinheiro para garantir a permanência dos carros nos Estados Unidos. Certamente, a ideia era utilizá-los como símbolo da qualidade e da tenacidade na marca Ford”, explica Cava.

O Ford T foi doado ao Museu do Ipiranga após a viagem e, depois, foi entregue ao Museu Gaetano Ferolla, que conta a história do transporte público da capital paulista.

Por nove anos, Bariri tentou reaver o veículo e só em janeiro de 2018 o Ford T chegou ao município. Para ser instalado dentro do museu, o carro precisou ser desmontado e montado em definitivo no salão principal.

O Ford T

O Ford T foi produzido por 19 anos, de 1908 a 1927, e era composto basicamente por madeira e coberto com chapas de aço.

Interior do Ford T, ano 1920., modelo semelhante ao usado pelo trio na aventura até NY
Interior do Ford T, ano 1920., modelo semelhante ao usado pelo trio na aventura até NY - Peter Turvey/Wikimedia Commns

O volante ficava do lado esquerdo e a redução de marcha era feita utilizando pedais. Havia duas marchas apenas, para frente e para trás, e o acelerador fica ao lado do volante, em uma alavanca. O freio era acionado por um varão e era somente para as rodas de trás, já que os engenheiros da época acreditavam que o veículo poderia capotar se o sistema de frenagem fosse dianteiro. Para abastecer, o motorista tinha que descer do carro e retirar o acento para que o tanque ficasse à mostra.

MUSEU MÁRIO FAVA
Onde: rua Tiradentes, 410, Bariri
Horário: de terça a domingo, das 10h às 19h
Quanto: R$ 10
Informações: (14) 3662-1317 ou museumariofava.com.br