Museu resgata façanha de trio que levou 10 anos para chegar em NY

Museu Mário Fava, em Bariri (SP), conta a epopeia da viagem que ajudou a construir a rodovia Pan-Americana

Hoje, fazer uma viagem internacional é relativamente fácil e rápido. De avião, é possível sair do Rio de Janeiro pela manhã e chegar a Nova York no começo da tarde, em cerca de dez horas. Mas você tem ideia de como eram feitas as viagens como no começo do século passado, quando a aviação comercial ainda era um embrião?

A resposta é: de navio ou por terra, a bordo de carros que estavam no início da popularização e eram pouco confortáveis e com potência limitada.

Foi nesta época que três brasileiros se lançaram à sorte numa viagem entre o Rio e Nova York que durou dez anos e se transformou numa verdadeira epopeia.

Museu Bariri
Créditos: Divulgação

Mais que uma aventura, a façanha ajudou a construir a rodovia Pan-Americana, que interliga a América do Sul à América do Norte que, na época, só existia na imaginação.

Foram quase 28 mil km entre o Rio de Janeiro e Nova York.

De Bariri para o mundo

A façanha dos brasileiros está registrada em um museu inaugurado no ano passado na cidade Bariri (323 km de SP) onde um dos três morava. Lá, está o Fort T usado “road trip”.

A cidade (323 km de SP), com cerca de 34 mil habitantes, teria na Praça da Matriz sua principal atração não fosse o fato de ser a cidade de um dos integrantes da expedição, o mecânico Mário Fava.

A história desse jovem, que aos 21 anos aceitou participar junto com o tenente do Exército Leônidas Borges de Oliveira, de Descalvado, e oficial da Aeronáutica Francisco Lopes da Cruz, de Florianópolis, da maior aventura automobilística que tem se notícia, foi a inspiração para o museu.

O trio percorreu exatos 27.631 km a bordo de um Fort T entre 16 de abril de 1928 e 05 de maio de 1938. Passaram por 15 países até chegar aos Estados Unidos.

O Ford T, ano 1918, usado pelo trio para ir do Rio de Janeiro até Nova York; viagem durou 10 anos
Créditos: Divulgação
O Ford T, ano 1918, usado pelo trio para ir do Rio de Janeiro até Nova York; viagem durou 10 anos

A aventura

A viagem teve início no Rio de Janeiro após o jornal “O Globo” doar o Ford T –batizado de Brasil–, que mais tarde, passando pela capital paulista, se juntou com outro veículo, o “São Paulo” –doado pelo jornal “Comércio de São Paulo”, mas se perdeu no tempo.

O Brasil se mantém firme e é o personagem vivo de uma história contata por fotos da expedição, mapas e uma riqueza de detalhes que impressiona os aficionados por carros e aventuras.

O jornal “O Globo” noticiou a aventura dos expedicionários
Créditos: Reprodução/O Globo
O jornal “O Globo” noticiou a aventura dos expedicionários

“O objetivo do museu é reunir essa história de pioneirismo e mostrar aos visitantes parte dos desafios enfrentados pelo trio há mais de 80 anos”, conta o curador e um dos fundadores do museu, José Augusto Barboza Cava.

Mário se juntou ao trio em Pederneiras, quando a expedição vez pouso na cidade.

Fachada do Museu Mário Fava, na cidade de Bariri (SP)
Créditos: Divulgação
Fachada do Museu Mário Fava, na cidade de Bariri (SP)

Depois de abrir caminhos entre campos, florestas, montanhas, pântanos e rios, os desbravadores encerraram a jornada em Nova York. Antes, em 1937, os brasileiros se encontram, em Detroit, com Henry Ford, dono da montadora que fabricou o Brasil e o São Paulo.

Na Casa Branca, em Washington, eles foram recebidos pelo então presidente Franklin Delano Roosevelt, que conferiu os mapas da expedição, relatórios e fotos da viagem.

Trio passou por 15 países; triou rodou 28 mil km entre o Rio de Janeiro e Nova York
Créditos: Divulgação
Trio passou por 15 países; triou rodou 28 mil km entre o Rio de Janeiro e Nova York

A aventura coincide com a popularização do automóvel no Brasil e, consequentemente, a necessidade de abrir novas estradas e mapear outras existentes em nome do progresso.

De acordo com o curador, a viagem para desbravar a Pan-americana foi organizada por Leônidas Borges de Oliveira, que recebeu do então presidente Washington Luís um documento que dava fé e apoio do governo brasileiro à empreitada. “Esse registro também contribuiu para que os viajantes pudessem angariar apoio no custeio da viagem nos países por onde passavam, conforme a viagem fosse avançando”, explica o curador.

Nem Henri Ford acreditou

Assim que soube da aventura do trio, a história da expedição não caiu como verdade aos ouvidos do magnata Henry Ford, fundador da marca que leva seu sobrenome.

Trecho da rodovia Pan-Americana no deserto do Atacama, no Chile
Créditos: Angelica Jacobi/Wikimedia Commons
Trecho da rodovia Pan-Americana no deserto do Atacama, no Chile

Os brasileiros fizeram questão de desembarcar em Detroit, nos Estados Unidos, para registrar a passagem com o empresário. Bastante cético, Ford mandou chamar um mecânico da marca para analisar os veículos para, assim, ter certeza da autenticidade do Brasil e do São Paulo.

A surpresa quando o mecânico da Ford confirmou a originalidade dos automóveis não fez o magnata titubear. “Ele ofereceu um bom dinheiro para garantir a permanência dos carros nos Estados Unidos. Certamente, a ideia era utilizá-los como símbolo da qualidade e da tenacidade na marca Ford”, explica Cava.

O Ford T foi doado ao Museu do Ipiranga após a viagem e, depois, foi entregue ao Museu Gaetano Ferolla, que conta a história do transporte público da capital paulista.

Por nove anos, Bariri tentou reaver o veículo e só em janeiro de 2018 o Ford T chegou ao município. Para ser instalado dentro do museu, o carro precisou ser desmontado e montado em definitivo no salão principal.

O Ford T

O Ford T foi produzido por 19 anos, de 1908 a 1927, e era composto basicamente por madeira e coberto com chapas de aço.

Interior do Ford T, ano 1920., modelo semelhante ao usado pelo trio na aventura até NY
Créditos: Peter Turvey/Wikimedia Commns
Interior do Ford T, ano 1920., modelo semelhante ao usado pelo trio na aventura até NY

O volante ficava do lado esquerdo e a redução de marcha era feita utilizando pedais. Havia duas marchas apenas, para frente e para trás, e o acelerador fica ao lado do volante, em uma alavanca. O freio era acionado por um varão e era somente para as rodas de trás, já que os engenheiros da época acreditavam que o veículo poderia capotar se o sistema de frenagem fosse dianteiro. Para abastecer, o motorista tinha que descer do carro e retirar o acento para que o tanque ficasse à mostra.

MUSEU MÁRIO FAVA
Onde: rua Tiradentes, 410, Bariri
Horário: de terça a domingo, das 10h às 19h
Quanto: R$ 10
Informações: (14) 3662-1317 ou museumariofava.com.br