Roteiro pelas vinícolas da Serra da Mantiqueira
O enoturismo vem ganhando muita força na Serra da Mantiqueira e jornalista Cátia Noronha visitou algumas das vinícolas da região.
Duas altas no Brasil que se confirmaram nos últimos meses e devem se manter em crescimento: o turismo de experiência e o consumo de vinho. Então por que não juntar os dois? Foi exatamente o que fiz ao visitar algumas das vinícolas da Serra da Mantiqueira que estão despontando na produção de vinhos finos de qualidade.
Vinhos de colheita de inverno
O vinho vem sendo apontado como um protagonista da Serra da Mantiqueira e o enoturismo ganha cada vez mais força na região.
Tudo isso graças à técnica da dupla poda (também chamada de poda invertida), que inverte o ciclo natural da videira e possibilita a colheita das uvas no inverno (ao contrário da colheita tradicional, que é feita no verão no hemisfério sul).
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Ou seja, nesse processo, que inclui uma poda drástica após a colheita (no inverno) e outra poda em janeiro, os frutos amadurecem durante o outono, graças ao microclima da região: dias ensolarados e secos e noites frias. Quem já viajou para as cidades da região já sentiu na pele essa amplitude térmica no outono/ inverno.
É uma condição ideal para a produção de uvas maduras e sadias, uma vez que a maturação perfeita seria impossível no verão e seria fortemente prejudicada pelas fortes chuvas do Sudeste.
O uso dessa técnica, que inovou na produção de qualidade dos vinhos paulistas e do sul de Minas, foi possível graças aos estudos da Epamig (Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais) e a Murilo Albuquerque Regina, o principal pesquisador da dupla poda e proprietário da vinícola Estrada Real, situada em Três Corações (MG).
As variedades syrah e sauvignon blanc são as que tiveram mais sucesso na produção das vinícolas paulistas e mineiras, então fique atento nesses rótulos quando quiser experimentar um vinho de colheita de inverno.
Visitei três vinícolas bem diferentes entre si: uma vinícola boutique, uma vinícola mais turística e uma vinícola familiar. Em todas as vinícolas você pode visitar apenas a loja.
Espírito Santo do Pinhal (SP)
Estive na cidade de Espírito Santo do Pinhal, a 190 km da cidade de São Paulo. É lá onde está localizada a Guaspari, uma vinícola boutique e também a mais famosa da região. E não à toa, ela foi a primeira vinícola nacional a ter uma garrafa estampada na capa da prestigiada revista Decanter com seu syrah Vista da Serra 2017.
A visita guiada à vinícola é feita mediante reserva: uma oportunidade de conhecer o processo de produção dos vinhos, desde o manejo dos vinhedos, passando pela indústria e cave das barricas, finalizando com a degustação de alguns de seus rótulos. Crianças não são permitidas nessa visita/ degustação guiada.
Mas se você quiser apenas sentar em uma mesa do recém inaugurado Wine Bar e provar uma taça de um dos vinhos da Guaspari, aproveite! As mesas são ao ar livre e em frente a um dos vinhedos, perfeito para um vinho descompromissado.
Recomenda-se fazer reserva com antecedência, pois aos sábados costuma ficar bem movimentado e, por conta das restrições na capacidade devido à pandemia, existe a possibilidade de você ficar sem mesa.
Andradas (MG)
De Espírito Santo do Pinhal (SP) a Andradas (MG) são apenas 26 km e foi lá que tive a chance de visitar mais duas vinícolas: Casa Geraldo e Stella Valentino.
Comecei o dia na Casa Geraldo, vinícola que começou sua história em 1969, com os vinhos de mesa (conhecidos como vinhos de garrafão, produzidos com uvas “comuns”” iguais as que a gente come).
Mas, com o sucesso da técnica da dupla poda, a Casa Geraldo também passou a produzir vinhos finos (vinhos finos são vinhos feitos com as uvas viníferas), embora ainda tenha uma demanda muito grande nos vinhos de mesa.
É a maior produtora de uvas da região e uma das maiores vinícolas do estado. Tornou-se um complexo turístico, com restaurante, loja e espaço para eventos (durante a minha visita estava sendo organizado um casamento).
Aqui você tem a opção de vários tipos de visita, desde um piquenique no vinhedo a tours guiados pela vinícola, com degustação de vinhos e de espumantes em processo de elaboração nas autoclaves. É uma aula ao vivo e muito interessante!! Também é possível fazer um almoço harmonizado no restaurante (lógico que eu também optei por essa escolha rs).
De lá, parti para a Stella Valentino, também em Andradas, outro precursor da técnica da dupla poda na região. Passeamos pelos vinhedos e depois degustamos os rótulos da vinícola, com produção de uvas 100% local.
O ponto alto deste passeio é sentar com o Sr. José Procópio Stella, agrônomo e proprietário da Stella Valentino. Seus antepassados vieram de Vêneto, na Itália, e começaram o cultivo de videiras para produzir vinhos para consumo próprio. Foi em 2002 que a Família Stella começou a produção de vinhos finos de inverno.
Entre um vinho e outro, o Sr, Procópio, hoje com 71 anos, compartilha todo o seu vasto conhecimento, conta a sua história, relembra da época em que comia a uva do pé junto com seu irmão e diz, com muito orgulho, que conhece suas terras como a palma da mão (e não há quem duvide ao provar seus vinhos). E tudo isso acompanhado de uma energia boa, carisma e receptividade encantadora!
Meus olhos ficaram marejados diversas vezes durante a degustação e bate papo. A cada gole, a gente consegue sentir toda a sua paixão e entende ainda mais porque o vinho é tão relacionado a experiências que ele carrega do que apenas o fato de ser uma bebida. “Cada garrafa que você abre é uma história“, disse o Sr. Procópio.
Em um salão da casa originária desde as primeiras gerações da família, com móveis rústicos e com todo aquele acolhimento de um sítio, janelas abertas que enquadram o verde , com visita de esquilos, macaquinhos e passarinhos, degustamos o Sauvignon Blanc Lonoris, o rosé syrah Malus, o syrah Modestus e o tempranillo Angelus. Os nomes são uma homenagem aos antepassados.
Impossível não trazer para casa as histórias engarrafadas do Sr. Procópio. São vinhos muito elaborados, de extrema qualidade, que surpreendem o paladar.
P.S. Gostaria de ressaltar que, como não havia um “motorista da rodada”, contratamos um motorista da cidade, que nos levou em todas as vinícolas. Se beber, não dirija!
Café
Além de vinícolas, Espírito Santo do Pinhal ainda reserva outras surpresas!
Estamos em uma região cafeeira e o projeto Do Genoma à Xícara apresenta em seus passeios agendados toda a cadeia produtiva do café, desde a muda a torrefação. Já no centro da cidade tem o Museu do Café, onde é possível fazer uma visita guiada com a historiadora Marly de Alencar Xavier.
Quer uma dica final? Um final de semana é pouco!
Mais vinícolas no Sudeste
Abaixo, alguns nomes de vinícolas no Sudeste que produzem vinhos de colheita de inverno e têm se destacado bastante na viticultura nacional. Para quem curte enoturismo, um prato cheio – quer dizer, taça cheia (rs):
- Casa Verrone (Itobi – SP)
- Davo (Ribeirão Branco – SP)
- Raízes do Baú (São Bento do Sapucaí – SP)
- Villa Santa Maria (São Bento do Sapucaí – SP)
- Estrada Real (Três Corações – MG)
- Maria Maria (Boa Esperança – MG)
- Luiz Porto (Cordislândia – MG)
Se você gosta de vinho e enoturismo, convido você a conhecer o meu projeto @EntreParreiras, onde compartilho experiências e descobertas do vinho!