Por que conhecer a São Petersburgo de Dostoiévski?
A cidade não apenas aparece nas páginas dos livros de Dostoiévski; ela é um personagem em si mesma
Para muitos russos, São Petersburgo não é apenas uma cidade, mas o coração pulsante de Fiódor Dostoiévski. O autor de obras-primas como Crime e Castigo (1866), Memórias do Subsolo (1864) e Os Demônios (1872), é inseparável da cidade que moldou sua vida e sua literatura.
São Petersburgo, com suas ruas enevoadas e atmosfera densa, foi chamada pelo próprio escritor de “a cidade mais intensa e abstrata”. E não sem razão: foi ali que ele passou boa parte de sua existência, morando em mais de 20 residências e criando seus maiores clássicos. Foi também em São Petersburgo que ele encontrou a morte, em 1881, e onde repousa até hoje.
A cidade não apenas aparece nas páginas dos livros de Dostoiévski; ela é um personagem em si mesma, com seus mistérios e sombras que afetam profundamente seus habitantes. No entanto, ao contrário do que muitos poderiam imaginar, suas descrições não são românticas.
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São Petersburgo de Dostoiévski
O autor descreve a cidade como um lugar que inspira desconforto e até aversão. Em suas palavras, “é um azar particular viver em São Petersburgo”, e seus personagens frequentemente falam sobre a loucura e a decadência que permeiam suas ruas. A cidade é vista como uma força opressiva sobre as almas de seus habitantes, com uma influência que beira o sobrenatural.
Em O Adolescente (1875), Dostoiévski pinta uma imagem ainda mais sombria de São Petersburgo, descrevendo-a como uma cidade fantasmagórica, onde a névoa que sobe poderia, talvez, engolir tudo, deixando para trás apenas um pântano sombrio. O monumento de Pedro, o Grande, que se erige no centro da cidade, é visto como um símbolo dessa decadência.
Porém, paradoxalmente, é justamente essa cidade carregada de escuridão que exerceu um magnetismo irresistível sobre Dostoiévski. Ao mesmo tempo que descrevia suas ruas empoeiradas e suas tavernas sujas, ele se via imerso em um desejo quase obsessivo de iluminar as vidas dos pobres e desesperançados que ali habitavam.
Era nas proximidades da Praça Sennaya, um epicentro de crimes e pobreza, que muitos de seus personagens tomavam forma. Era ali que a sordidez da vida cotidiana se misturava à pulsante energia das massas.
Os habitantes da cidade, entre eles o célebre Rodion Raskolnikov, de Crime e Castigo, vivem em uma realidade tangível, conectados às ruas que Dostoiévski bem conhecia. Raskolnikov, por exemplo, morava em um prédio no Stolyarny Pereulok, e hoje, os turistas podem encontrar uma placa e uma escultura na rua que indicam a “Casa de Raskolnikov”. Mas, apesar do fascínio dos admiradores da obra, os moradores atuais da casa ainda se veem perturbados por essas visitas literárias.
Outra figura emblemática da obra, Sonya Marmeladova, também tem sua casa real em São Petersburgo, na altura do número 73 do canal Griboyedov. Era ali, em um quarto simples, quase desolado, que ela vivia.
Não se pode, no entanto, compreender a experiência de São Petersburgo sob o olhar de Dostoiévski sem uma visita ao último lar do escritor, hoje um museu.
Situado na esquina da rua Dostoiévski com a avenida Kuznechny, esse apartamento foi o palco de sua vida familiar com Anna e seus filhos, de 1878 até sua morte. O relógio do escritório, paralisado desde o momento de sua partida, marca com precisão a data e a hora do fim de sua vida: 28 de janeiro de 1881, às 8h36.
Foi neste apartamento que Dostoiévski escreveu seu último livro, Os Irmãos Karamazov, uma de suas maiores obras. O local ainda preserva algumas peças pessoais, como um chapéu e uma caixa de tabaco, mas o interior foi restaurado com base em documentos e fotografias da época.
Além disso, a cidade guarda outra moradia importante do autor, a Casa Dostoiévski, um pequeno hotel que preserva o ambiente em que ele viveu de 1861 a 1863. Ali, ele escreveu Humilhados e Ofendidos e Recordações da Casa dos Mortos. Localizada perto do canal Griboedov, a casa está em uma área central de São Petersburgo, onde os turistas podem facilmente se perder, tal como seus próprios personagens.
Assim, São Petersburgo, com suas ruas sinuosas e seus contrastes entre a beleza e a decadência, continua sendo um território fértil para a imaginação de todos os que desejam vivenciar a experiência dostoievskiana, onde a realidade e o fantástico se entrelaçam nas tramas da vida e da literatura.