Visita a uma fábrica de sardinhas em Portugal: lágrimas e prazer
Fundada em 1920, a fábrica da Conservas Pinhais não abre mão do espírito de empresa familiar nem do método artesanal de produção
As luzes da sala de projeção são acesas. Bem entrados em suas idades, quatro adultos enxugam as lágrimas, todos com indisfarçável emoção, incluindo este que vos escreve. A figura de meu pai (cujo pai é o elo com Portugal) vem-me à lembrança. O curta que acabamos de ver é o gatilho. Um filme bem feito, com toda a curva dramática de uma história que trata de relações familiares.
É dessa maneira que somos recebidos na Fábrica da Conservas Pinhais, em Matosinhos, balneário colado à cidade do Porto. A unidade de produção fica perto do Vila Foz, hotel no Porto de frente para o mar. De carro, saímos de lá para cumprir um trajeto que não dura 10 minutos. A visita à fabrica é uma opção de atividade para quem está nessa região do Norte de Portugal, inescapavelmente associada ao vinho fortificante e adocicado.
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Magali, uma jovem de sorriso franco e fala rápida, nos guia pela fábrica, instalada desde 1920 no mesmo edifício. Piso, vidros, mobiliário, tudo está impecavelmente preservado da entrada principal ao antigo escritório, onde os livros contábeis repousam sobre as sólidas escrivaninhas em madeira.
Durante o tour, os únicos sinais de modernidade visíveis são os projetores onde assistimos a dois pequenos filmes (o “drama” do início é um deles). O segundo é uma peça de marketing para exaltar a qualidade da centenária produtora de conservas. O passo seguinte é nos aproximarmos da tela. Erguida automaticamente, ela nos revela uma larga janela voltada para a fábrica. E, assim, somos convidados a descobrir com visão, olfato, tato e paladar o segredo do sucesso das sardinhas Pinhais e Nuri, essa última um produto exportação. Cerca de 90% da produção da Conservas Pinhais é destinada ao mercado externo, sendo a Áustria o principal comprador (40%), seguida de Itália, Estados Unidos, Dinamarca, entre outros países.
Nada de máquinas, tudo feito à mão
Em geral, a fábrica funciona pela manhã, tão logo os pescadores retornam do mar. Quis o acaso que o trabalho daquela segunda-feira ficasse para a tarde quente do verão europeu. Vestidos com equipamentos de proteção (indispensáveis dentro de uma unidade de produção alimentar), somos conduzidos a uma plataforma metálica.
Flagramos a chegada das funcionárias. Lembram músicos a subir ao palco para assumirem os seus instrumentos antes de um concerto. A diferença é que conversam com uma estrepitosa animação. Acenam para os quatro visitantes. Devolvemos com um respeitoso boa tarde coletivo. Trabalham na Pinhais 140 pessoas, sendo mais de 85% delas mulheres.
Essa orquestra afinada executa uma sinfonia que tem por movimentos o mergulho das sardinhas no tanque de salmoura, o corte ágil a descartar-lhes a cabeça e a arrumação da parte nobre em grelhas. Diariamente, são produzidas em média cerca de 25 mil latas de conservas. Cada recipiente contém entre 3 e 5 unidades do pescado, no caso das sardinhas. Elas são cozidas no vapor antes de ganharem complementos de cenoura, tomate e pepino. Ingredientes cortados à mão, pedaço por pedaço, por senhoras que parecem estar na cozinha de casa, a preparar para os seus a refeição do dia a dia. O grand finale: azeite. Em quantidades colossais. Um Douro claro a inundar as latas.
Na dor e na delícia, o espírito familiar
A Pinhais é uma empresa familiar. O clima no chão da fábrica remete a um encontro de parentes. E Matosinhos nunca deixará de ser uma comunidade de pescadores por vocação e laços. O Atlântico a lembra disso. O Monumento Tragédia do Mar, também. No areal da praia, a escultura de José João Brito recorda o naufrágio de quatro traineiras ocorrido em 1º de dezembro de 1947, quando 152 pescadores perderam a vida. E então você entende por que a visita começa com um filme de dilacerar corações, ainda que o desfecho seja positivo. Spoiler? Sim. Ou você acha que pagaria para sair deprimido depois de conhecer uma fábrica de conservas?
No máximo, pode ser sofrida a experiência de embalar uma lata de sardinha. Desenhado à mão, o lindo papel foi maltratado por este repórter. Escapou-me o celofane uma, duas, tantas vezes. Tomada por piedade e alguma vergonha alheia, Magali saiu em meu socorro. Embalou com extrema facilidade, deixando a aplicação do durex a minha única tarefa. “Agora, meta a fita-cola, não posso fazer mais”, disse, tal como uma irmã mais velha a ensinar pacientemente o caçula.
Minha experiência termina melhor à mesa, mas com garfo e faca. Munidos de pão e generosas sardinhas, fartamo-nos delas. Unidos em afeto.
Conservas Pinhais
Onde: Avenida Menéres, 700, Matosinhos, Portugal
Horário: Diariamente, das 9h às 18 h
Quanto: Visita guiada + prova (adultos, € 14; pessoas acima de 65 anos, € 11; crianças de 5 a 12 anos, € 8 crianças até 4 anos, grátis)
Site: conservaspinhais.com
Por Fernando Victorino
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