Jornalista relata experiência com a tourada

O jornalista gaucho Felipe Franco reside em Dublin há 8 meses e tem relatado em seu blog algumas histórias sobre viagens além de suas experiências de intercâmbio e trabalho na Irlanda

Por Felipe Franco 

           De passagem por Madri decidi conferir de perto a famosa e polêmica tourada. Aquela em que soltam um touro na arena, o ferem com objetos cortantes (lança, faca, espada…), o fazem de bobo com um pedaço de pano e depois o matam. Tinha em mente que seriam imagens fortes, mas minha vontade jornalística de ver e tentar entender o “espetáculo” foi mais forte que meu sentimento cultural de repulsa e meu financiamento na compra do ingresso.

           O lado de fora da Plaza de Toros de Las Ventas já estava tomado pelos espectadores uma hora antes do início onde alguns turistas se misturavam a legião de cabecinhas brancas dos senhores espanhóis. A idade avançada do público local foi percebida logo na chegada. Os turistas, identificados facilmente pela frenética captação de fotos, compunham a parte mais jovem da platéia. Portanto, caso não tenha sido um dia atípico, ficou claro que o evento é reverenciado pelos mais velhos. Vi senhores caminhando com ajuda de bengalas, certamente ultrapassando os 70 anos. Crianças praticamente não foram vistas, menos mal.

           O valor dos ingressos estava entre 5 e 150 euros. O setor mais barato, o meu, ficava nas arquibancadas de cima e de frente para o sol enquanto as mais caras ficavam na parte de baixo, próximo ao muro de madeira que separa o público do touro. Com base nos espaços preenchidos na arena, com capacidade para 25 mil espectadores, acredito que lá estavam mais de 20 mil pessoas.

(Foto: Felipe Franco). Plaza de Toros de Las Ventas é a segunda maior arena do mundo

          Às 19 horas soou uma corneta e uma pequena banda marcial posicionada na arquibancada iniciou a trilha de apresentação dos participantes da tourada que pouco a pouco foram desfilando na arena. Toureiros, cavaleiros e auxiliares. O primeiro touro foi solto já com uma espécie de fita presa as costas, provavelmente algo cortante para deixá-lo agitado. Na primeira parte, 4 toureiros chamam o touro de uma ponta a outra da arena para o tradicional olé. Como o animal ainda tem energia, a cautela é maior e seguidamente os toureiros se escondem atrás de pequenas proteções junto ao muro.

          Após soar a corneta novamente, os toureiros se afastam, um cavaleiro entra na arena, se aproxima do touro e crava uma lança na região da nuca. O animal tenta se defender atacando o cavalo que está protegido por uma armadura e vendado, possivelmente para não ter um poder de reação e “enfeiar o espetáculo”. O cavaleiro se retira e os toureiros voltam a brincar com o touro. O público se manifesta com gritos e palmas a cada agressão sofrida pelo animal. Uma senhora próxima a mim, faz anotações e previsões comentadas sobre o que certamente vai acontecer nos próximos minutos. Lentidão na arena também não é tolerada pelos espectadores, se o touro demora em ser provocado os chiados da platéia fazem coro.

(Foto: Felipe Franco). Momento em que o cavaleiro se prepara para cravar a lança na nuca do touro

          A técnica usada pelos toureiros pode ser entendida sem muito mistério. Eles ferem o animal covardemente para fragilizá-lo e encurtar a distância. Além disso, duas ou três vezes durante esta parte, toureiros se revezam na missão de correr em direção ao touro  para pega-lo de surpresa com facas, sempre cravadas na região da nuca. Eles são treinados e entendem perfeitamente o comportamento mecanizado do animal e a hora certa de agir. O pobre bicho vai perdendo a energia, a capacidade de alcance da visão e com isso sendo encurralado.

          Depois da tortura é a vez do toureiro principal entrar e comandar o show. Ele é o espetáculo. Vai se aproximando cada vez mais do touro e fazendo seus malabarismos com o pano vermelho. É ele, o animal e os olhos atentos do público. Voltas de 180º com o touro chifrando o pano arrancam aplausos. O mais incrível sobre o comportamento do animal é que seus movimentos só são estimulados pelo pano vermelho. Ele não pode ver o toureiro. Não consegue se defender. Tem suas fraquezas tecnicamente estudadas. É uma presa fácil.

(Foto: Felipe Franco). O animal fragilizado ataca somente o pano vermelho. A espada espera o momento certo para dar o golpe fatal

          Até este momento se passaram cerca de 20 minutos desde o início da tourada e o próximo passo é a morte. O toureiro busca junto ao muro uma espada, a coloca por debaixo do pano e retorna para o meio da arena com a missão de usá-la como golpe fatal. Depois de esperar o momento ideal, ele a retira detrás do pano e a crava na nuca do animal. Os demais toureiros surgem e cercam o bicho que parece sentir a morte chegando. O toureiro principal com a certeza de que fez um bom trabalho ergue o dedo indicador como se iniciasse a contagem regressiva para o animal cair. Segundos depois, o bicho desaba em um só movimento. O público comemora a façanha como se tivesse sido uma luta de igual para igual. Uma vitória.

          Este foi um dos três animais que vi sendo castigado e morto na arena. Precisei assistir este número para ficar mais próximo de uma conclusão e entender com mais facilidade as lamentáveis etapas da covardia. Um dos animais levou três espadadas até a morte. Lutou o quanto pode. No fim, surge um grupo de cavalos que retira o animal morto deixando um caminho de sangue até a porta de saída. O público levanta-se, relaxa e volta a se sentar. O próximo touro aguarda sua vez. Em 10 minutos o show vai recomeçar.

(Foto: Felipe Franco). Um dos momentos mais aplaudidos pelo público