Projeto Ateliê Azu utiliza azulejos para colorir bairros de SP

Por: Fernanda Miranda

Azulejos instalados em banheiros, cozinhas e outros cômodos da parte interna de uma casa não atraem o interesse do paulistano Elcio Torres. Para o artista plástico, lugar de azulejo é na rua, diante de todos os olhos, dando um novo significado ao cenário urbano e modificando espaços pouco atrativos.

Se você já esteve em São Paulo e conhece lugares como o Parque Domingos (próximo ao Sesc Santana), o Senac Taboão da Serra ou a estação da CPTM Comendador Ermelino, é provável que tenha visto os painéis de azulejo do Ateliê Azu, projeto fundado por Elcio no começo de 2008.

Sua mais nova intervenção urbana poderá ser vista a partir do próximo sábado, dia 15, quando será inaugurado seu trabalho na escadaria de azulejos entre as ruas Patápio Silva e Medeiros de Albuquerque, na Vila Madalena, em SP.

Os 94 degraus de uma escadaria na Vila Madalena passam por processo de revitalização

Nascido e criado na Penha, zona leste da cidade, Elcio não faz rodeios ao contar ao Catraca Livre sobre o início do seu projeto. Ele explica que nunca havia trabalhado com azulejos até o dia em que sua ex-mulher comprou um apartamento e quis contratar alguém para instalar a cerâmica no banheiro. Só que o preço do serviço era muito caro.

“Deixa que eu faço isso aí”, disse à esposa. Esse foi o “empurrão” necessário para que ele começasse a estudar o ramo com mais profundidade – na época, trabalhava com gravuras. “O banheiro que fiz saiu em uma revista de decoração e passei a ganhar dinheiro com isso. Foi o começo de tudo”, conta.

O Ateliê Azu está localizado na comunidade Vila Santa Inês, no extremo leste da cidade. “Estamos em uma favela a mais de 20 quilômetros do centro. O nosso desafio é trazer pessoas de outras regiões para cá e fazer com que nossos painéis na favela virem um roteiro cultural e atraiam turistas”.

É lá que fica instalada boa parte dos azulejos produzidos no Ateliê. Em 2010, por exemplo, a chamada Escadaria Monte Alegre, uma das mais utilizadas pelos pedestres da comunidade, foi revitalizada e transformada em um espaço com cores, texturas e desenhos.

A transformação da Escadaria Monte Alegre foi o primeiro trabalho do Ateliê Azu na Vila Santa Inês
Créditos: Picasa
A transformação da Escadaria Monte Alegre foi o primeiro trabalho do Ateliê Azu na Vila Santa Inês

Em 2011, foi a vez de outra área na região ser renovada, a Praça Dona Neusa. “A praça não tinha nome e não tinha cor. A partir de 2011 foi nomeada por nós com o nome de Dona Neusa. Aquele espaço, como passagem e ponto de encontro, só existia por intervenção dela, que trabalhava e lutava por melhorias na vida dos moradores da Santa Inês e outros bairros da zona leste”, diz o artista.

Praça Dona Neusa após transformação

Elcio gosta de lembrar que o Ateliê foi um mecanismo encontrado para fortalecer a favela, uma vez que sua empresa gera renda e emprego para os moradores dali. “Quando vou fazer um trabalho, eu preciso de mão de obra. E sempre chamo um conhecido ou vizinho da região e assim eles começam a entender o empreendedorismo”, comenta.

Foi com esse espírito que o artista conheceu o jovem Leandro Araujo, morador da favela que é seu sócio há mais de sete anos.

“Trabalhar no Ateliê mudou a minha relação com São Paulo. Antes eu ficava muito aqui na vila, hoje eu sou da cidade”, diz Leandro. “Conheci muita gente de diferentes regiões ao longo desses anos e acredito que temos que aprimorar essa troca de experiências”.

Os sócios Leandro Araujo (à esquerda) e Elcio Torres

“Azulejo não é fim. Azulejo é meio”. Essa frase costuma ser dita pelos sócios nas muitas entrevistas que fazem à imprensa para lembrar que a cerâmica é uma forma lúdica de dar luz a questões acobertadas de São Paulo. “O azulejo é meio de discussão do lugar que vivo, meio de discussão de como eu me relaciono com meu vizinho e com minha cidade”, afirma Elcio.

Na escadaria da Vila Madalena, serão inseridas obras criadas por nove artistas que atuam em diferentes vertentes, como o poeta da periferia Sérgio Vaz, criador do famoso Sarau da Cooperifa, na zona sul de São Paulo. Uma poesia de Vaz foi gravada em azulejo e inserida em alguns degraus.

Além de sua poesia, a escadaria também receberá o trabalho de Juliana Russo, Valentina FG, Jéssica Oliveira, Elizandra Souza, Laura Guimarães, Dugueto Shabazz, KS Nei e Jorge Rezende.

Frase do artista KS Nei instalada na escadaria da Vila Madalena

A inauguração da nova escadaria será feita durante a realização de mais um encontro do projeto Passeio na Vila, no Armazém da Cidade, onde haverá uma tarde de gastronomia e jazz na rua.