Por que não se deve criticar jeito que crianças comem na frente delas
Reclamar da alimentação das crianças pode atrapalhar muito mais do que ajudar
Quando se tem filhos, um dos tópicos mais comuns é a alimentação das crianças. Maria come muito, Joana não come nada, Felipe é chato pra comer – o que pode significar diversas coisas.
Atendo mães, pais e seus filhos no meu consultório em Pinheiros, São Paulo, e, na minha experiência, a maioria das queixas tem muito mais a ver com a expectativa irreal dos pais do que com um problema propriamente dito na alimentação das crianças.
Pra piorar a situação, as mães e os pais (principalmente os de primeira viagem) costumam ser um pouco inseguros com tudo, e saem buscando ajuda e inspiração em blogs e instagrans por aí… E sempre tem aquelas mães superdedicadas que postam cada pratinho caprichado que serviram pro seu pequeno, e comentam como seus filhos comeram bem, gerando uma ansiedade enorme nas outras mães: será que meu filho tinha que comer assim?
E automaticamente acreditam que todas as crianças do mundo estão comendo super bem, menos os seus filhos, o que gera muita frustração.
Alimentação x fase da criança
O que nem todo mundo sabe, é que por volta dos dois anos, a velocidade de crescimento cai, o apetite diminui e as crianças estão mais interessadas em brincar e descobrir o mundo ao redor do que em comer. Nessa fase, já conseguem se comunicar e começam a recusar certos alimentos que antes comiam sem nenhum problema. Como se isso não bastasse, agora eles têm alguns alimentos preferidos, e tem dias que só querem comer o que querem comer. E isso é absolutamente normal.
As crianças aprendem muito com exemplos
Os pequenos imitam os pais em tudo: no jeito de falar, de andar, de se comunicar… e, claro, na maneira de se alimentar. Não adianta querer que seu filho coma frutas de sobremesa se os pais sempre comem doces.
Além disso, as crianças levam muito a sério tudo que os pais falam a seu respeito. Quem nunca ouviu alguém dizendo que fulaninho era terrível e, segundos depois, viu fulaninho se jogar no chão e fazer a maior birra do século pra comprovar como a mãe estava certa e ele realmente é terrível? Com a alimentação é igual.
Se falamos que Joana não come nada, no dia em que Joana quiser comer alguma coisa diferente, ela pode ficar confusa e pensar: ué, mas eu não como nada… Não vou decepcionar meus pais comendo hoje né? E aí ‘não comer nada’ vira uma característica dela. Faz parte de quem ela é. Talvez pela vida toda…
Por outro lado, quando falamos que a Maria come muito, ela pode achar que ter fome é errado, comer é errado, sentir o estômago preenchido é ruim. E, com isso, desenvolver vários comportamentos não saudáveis no futuro. Ou ela pode achar que é motivo de orgulho, e que sempre tem que comer até quase explodir. E com isso, adivinha? Desenvolver vários comportamentos não saudáveis no futuro.
Quando falamos que o Felipe é chato pra comer, primeiro de tudo, estamos falando que o Felipe é chato. E ninguém quer ser chato. Além disso, no dia em que o Felipe resolver comer sem reclamar, alguém vai perceber, e provavelmente, fazer um comentário a respeito disso. E isso pode constrangê-lo. Ou confundi-lo. Se eu não sou mais chato pra comer, o que eu sou? Se eu não reclamei hoje, significa que eu não posso reclamar nunca mais?
Sempre que falamos mal do jeito que as crianças comem na frente delas, estamos fazendo afirmações que provavelmente irão prejudicar muito mais do que incentivar uma boa alimentação.
Que tal, da próxima vez, reforçar os comportamentos positivos? Elogiar quando as crianças experimentarem algo diferente, ou se comportarem bem em uma refeição, e deixar pra reclamar ou desabafar as frustrações em um ambiente seguro, sem que elas te ouçam?!
Texto escrito pela nutricionista Luiza Mattar, da plataforma digital @oquehouvecomacouve