"Acessibilidade não é acessível financeiramente", desabafa influencer Mari Melo

Tudo começou durante a pandemia e hoje a criadora de conteúdo tem mais de 340 mil seguidores

Beatriz Guedes
Marina Melo é um sucesso nas redes sociais e fala sobre acessibilidade na maquiagem e seu dia a dia como PCD
Créditos: Arquivo Pessoal
Marina Melo é um sucesso nas redes sociais e fala sobre acessibilidade na maquiagem e seu dia a dia como PCD

Criadora de conteúdo, a carioca Marina Melo, de 20 anos, é um sucesso nas redes sociais e já acumula mais de 340 mil seguidores. Tudo começou durante a pandemia, momento em que Marina ainda estava no ensino médio e produzia conteúdos sobre estudos. Hoje, a influenciadora fala sobre acessibilidade no mundo da maquiagem e também mostra o seu dia a dia como uma pessoa com deficiência.

Marina tem fraqueza muscular causada por uma condição chamada Atrofia Muscular Espinhal tipo 2 (AME II). Dessa forma, ela utiliza as redes sociais para fazer resenhas de maquiagem, porém vai mais a fundo e analisa a acessibilidade dos produtos para pessoas com deficiência.

“Eu comecei a estudar coreano, fui falando sobre coreano [nas redes sociais], porque eu adoro a Coreia. Depois eu comecei a falar sobre K-pop e aí eu conheci pessoas com deficiência e o movimento anticapacitista. Eu conheci o termo do preconceito que eu vivia e a luta contra ele. Eu pensei, ‘eu vou começar a falar sobre isso”, relembra Marina.

“Uma das coisas que eu entendi durante esse meu movimento da luta anticapacitista, é que a minha imagem já é uma resistência. Eu não preciso ficar falando sobre anticapacitismo para promover o anticapacitismo”, esclarece a criadora de conteúdo.

Beleza inclusiva

A carioca explica que gosta muito de maquiagem desde criança, mas com o tempo se sentiu incomodada por não conseguir se maquiar sozinha. “Eu percebi que quando era nova eu pedia muita ajuda para maquiar, eu fui crescendo e pensei por que eu estou pedindo ajuda para algo que dá para eu fazer sozinha?”, pontua.  

“O movimento de falar de beleza para pessoas com deficiência começou há menos de um ano, as pessoas não falavam”, explica.
Créditos: Arquivo Pessoal
“O movimento de falar de beleza para pessoas com deficiência começou há menos de um ano, as pessoas não falavam”, explica.

“Não tem problema pedir ajuda, não me importo de pedir, mas eu fico chateada quando eu tenho que pedir suporte porque tem uma solução, só não se importaram em fazer. Isso começou a me irritar e me incomodar, então eu fui falando sobre maquiagem e foi se tornando o que é hoje.

“O movimento de falar de beleza para pessoas com deficiência começou há menos de um ano, as pessoas não falavam. Agora existem criadores de conteúdo com deficiência e existe um movimento onde as marcas querem ter pessoas com deficiência nas suas campanhas, mas esse movimento é muito imperceptível. Quando você pega no geral, não tem”, comenta a influenciadora.

Dia a dia ainda não é acessível 

Marina conta que evita ir a lugares como bares, restaurantes e até mesmo andar na rua por falta de acessibilidade. “Esses dias eu fui em um bar e não tinha como ter acesso ao banheiro PCD porque para chegar tinha uma escada”, exemplifica.

“Eu passei mal nesse dia e foi a primeira vez que eu passei mal em um bar. Eu nem tinha bebido direito, mas tive que pedir um balde para mulher porque eu não podia simplesmente ter acesso ao banheiro PCD. Então a minha saúde foi colocada em risco por falta de acessibilidade”, acrescenta.

“A coisa que as pessoas ao meu redor consideram mais desumana é o tempo de banheiro. Na rua eu não tenho como ir ao banheiro porque os banheiros acessíveis não são acessíveis. Então se eu fico 12 horas fora de casa, eu fico 12 horas sem beber água e 12 horas sem ir ao banheiro”, relata.

Hoje, Marina tem um carro adaptado o que facilita muito a sua vida, porém ela salienta que não é barato. “Agora eu tenho mais liberdade pra fazer essa brincadeira de ‘ah, vamos ali rapidinho’ por conta do meu carro adaptado. Antes eu dependia das pessoas para me colocar no carro normal porque tinham que me pegar no colo. Para guardar a cadeira no carro tem que ter duas pessoas para levantar ela, então eu tinha que ter duas pessoas a minha disposição. E hoje em dia não”, conta.

“Eu consegui o carro esse ano, mas ele é muito caro. Acessibilidade não é acessível financeiramente. Eu adoro essa frase porque é a mais pura verdade”, desabafa Marina. 

Mercado de trabalho

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD): Pessoas com Deficiência 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada em julho do ano passado, revelou que a população brasileira com mais de 2 anos que tem deficiência é estimada em 18,6 milhões de pessoas. Desse número, 26,6% encontram espaço no mercado de trabalho, enquanto a taxa para pessoas sem deficiência é de 60,7%.

Marina é estudante de design gráfico e nunca trabalhou na área, principalmente, pela dificuldade das empresas em compreender sua deficiência e seus limites. ”Quando você tem que ter um trabalho com hora para acabar, hora para começar, tempo de entrega e você não é tão ajustável é muito mais difícil”, declara.

“Acessibilidade não é acessível financeiramente”, reflete.
Créditos: Arquivo Pessoal
“Acessibilidade não é acessível financeiramente”, reflete.

“O número de pessoas com deficiência não formadas no ensino superior é muito alto. Eu vejo as pessoas de RH falando da dificuldade que eles têm para encontrar pessoas com deficiência que entrem nos quesitos necessários. Você tem de um lado um problema de educação e do outro lado você tem um problema das empresas não entenderem o limite de uma pessoa com deficiência”, analisa Marina.

“Toda vez que eu vejo uma pessoa com deficiência trabalhando eu fico tão feliz. Esses dias eu fui para São Paulo e voltando para o Rio, o cara que fez o meu check in era um cadeirante e eu achei aquilo muito legal. A mesa estava adaptada, tudo direitinho. E eu pensei ‘que legal uma pessoa assim como eu trabalhando’, porque é muito difícil isso”, relembra. 

“Você olha para uma pessoa com deficiência e não pensa que ela trabalha. Você olha para uma pessoa com deficiência e tem o estigma de que ela é totalmente incapacitada. Isso acontece muito e é um reflexo muito grande da sociedade”, finaliza a influenciadora.