92,3% dos leitores do Catraca Livre relatam ter sofrido bullying

Enquanto 59,1% confessam ter feito brincadeiras de mau gosto a colegas da escola ou do trabalho

Por: Redação

Por Rafaela Piccin e Lucas Galdino

A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirmou que a violência é a quarta maior causa de morte de jovens entre 10 e 29 anos no mundo. Segundo relatório “Prevenindo a violência na juventude: uma perspectiva da evidência” preparado pela agência da ONU, em 2015, 200 mil jovens morrem todos os anos vítimas de assassinatos, brigas, violência entre namorados e… bullying!

Sabendo da gravidade do bullying para a questão social e da falta de discussão acerca do assunto, o Catraca Livre se empenhou nesta última semana, entre os dias 26 de setembro e 1º de outubro, para lutar contra a prática através da campanha #BullyingnãoéMIMIMI. Fomos às ruas saber das pessoas suas histórias, divulgamos campanhas que pretendem ajudar quem sofre por ser diferente e até demos dicas de como dar um toque para aquele colega que está praticando bullying com alguém.

Catraca Livre questionou: você já praticou ou sofreu bullying na vida?

Além disso, questionamos aos mais de sete milhões de leitores que nos seguem no Facebook se eles já sofreram ou já praticaram bullying com alguém na escola, no trabalho ou em seus meios sociais. Desse questionário (anônimo, vale ressaltar) recebemos 569 respostas e os números, apesar de óbvios, nos chocaram: 92,3% dos leitores do Catraca Livre relatam que já sofreram piadinhas de mau gosto; diante dos 59,1% que assumem ter praticado algum tipo de gracinha pra cima dos colegas “diferentes”.

Os relatos dos leitores mostram que os “motivos” para a prática do bullying estão, em grande parte das vezes, atrelados a padrões de beleza e de comportamento esperado de cada gênero. Alguns foram reprimidos por ser gordos ou magros demais, altos ou baixos demais, de cabelos crespos, negros e negras, meninos com trejeitos delicados, meninas que gostavam de futebol, entre outros. Pessoas introspectivas e estudiosas também sofreram na mão dos colegas, sem falar no preconceito de classes e na xenofobia, que transforma em vítima muitas pessoas que vêm de outros estados a São Paulo.

Separamos alguns relatos que tocaram toda a redação, confira abaixo: 

Eu sofri bullying na infância, da 3ª à 8ª série [do ensino fundamental], aproximadamente. Talvez parte disso fosse culpa minha, mas, o que aconteceu foi que durante a minha criação eu não saía muito de casa e só mantinha contato com meus irmãos e familiares, o que acabou implicando negativamente no meu “ajuste social” perante um público tão heterogêneo na escola. Mas eu não boto a culpa na minha criação.
Muitas crianças se batiam e zombavam umas as outras por quaisquer motivos e, dado um certo momento, viram em mim a oportunidade de fazer o mesmo. Como eu era extremamente tímido, com vergonha até de me locomover pela escola, preferia não dizer nada e ainda tinha medo de sofrer agressões físicas. Ninguém me zoava sozinho, sempre a pessoa precisava ter um público ou um colega, alguém para rir da piada ou brincadeira de mal gosto, porque não há palhaços onde não há circo. Com o tempo as agressões verbais tornaram-se físicas e vi pessoas se afastarem de mim, simplesmente por não quererem andar com o “zoado da turma”. Como consequência, aprendi a me desvalorizar, me sentir uma barata e ter vergonha de conversar com as pessoas, principalmente as do sexo oposto. Até hoje carrego uma mandíbula meio deslocada, porque alguém quis me bater sem motivo só para dizer que podia, e algumas cicatrizes internas (não-físicas). 

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[Sofri bullying] na escola, devido eu sofrer de compulsão alimentar e atrelado a questões de sexualidade e padrões sociais. Parece que as pessoas para se desviarem dos próprios problemas e frustrações e conquistarem aceitação fazem chacotas e deferem ofensas a outras como forma de se defender da hostilidade do ambiente em que está inserido o que gera um comportamento em cadeia.

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Foi no primeiro ano do ensino médio, em 2009. Na época não era considerado bullying e sim “zoeira”, mas foi ficando pesado. Todo dia eu recebia tapas na cabeça por uma coisa que não sabia o motivo. Na verdade a gente nunca sabe qual é o real motivo, apenas acontece. Isso durou o ano inteiro.
Certo dia, já no segundo ano, essa pessoa havia saído da escola e tudo começou a fluir, só que na hora de ir para a casa, eu estava andando e o vi do outro lado da rua, automaticamente minhas pernas ficaram trêmulas e foi aí que eu percebi o quão grave o bullying é na vida da pessoa. O meu não foi um caso muito grave e mesmo assim tive medo dessa pessoa, até depois dela ter saído da escola.

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Sou gay, mas eu não sabia que era gay, quer dizer, isso não deveria fazer parte dos pensamentos de uma criança de 8, 9, 10 anos. Queria só chegar em casa, fazer minhas lições de casa e ver Cavaleiros do Zodíaco, mas tive de lidar desde cedo, porque estava ‘incomodando’ meus colegas de sala.

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No colégio, a minha adolescência inteira foi um inferno por causa disso. Sofria humilhações, ofensas do tipo: “gorda”, “feia”, “baleia”, “bola de isopor”, as pessoas diziam que tinham nojo de mim e me desprezavam, e eu sempre era solitária e isso afetou até a minha vida dentro de casa.

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Quando eu tinha entre nove e 10 anos. Foi na escola, eu tinha um grupinho de amigos que inventavam apelidos, especialmente por eu ser gordinha, vegetariana desde cedo – por influência da minha mãe – e também por ser muito quieta e na minha, me achavam estranha. No início eram só esses amigos que diziam essas coisas, depois eles começaram a me excluir das atividades e, no ano seguinte, mais pessoas começaram a fazer isso.  Algumas pessoas só me davam olhares feios, outras falavam mal de mim pelas costas e inventavam histórias, coisas assim.

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Bom, comecei a sofrer bullying ainda na pré-escola, quando eu comecei a me “mostrar para as pessoas”. Sempre fui muito tímido, mas ao mesmo tempo afeminado e espalhafatoso. E aí morava o “problema”, por conta disso eu sofria o preconceito. Todos os dias a mesma coisa: “bichinha”, “viadinho”, “maricas”, e vários outros nomes indiscretos aos quais eu considerava ofensivo na época, afinal, eu não sabia literalmente nada sobre o assunto.

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Quando eu era adolescente, entre os 11 e os 17 anos, nunca fui considerada bonita para os padrões (era gorda e tinha acne), e também não era muito feminina, o que gerava comentários maldosos sobre minha sexualidade. Também meus interesses eram diferentes dos meus colegas, sempre gostei de estudar e não era muito de sair à noite (por questões financeiras) e isso gerava deboches.

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Desde criança, até meados da adolescência, era atacada verbalmente e, algumas vezes, até fisicamente. Na verdade, eu não sei… falavam em relação ao meu peso, minha altura, pelo fato de gostar de coisas excêntricas. Eu nunca entendi muito bem o porquê das pessoas fazerem isso comigo.

Superar ou não, eis a questão

Também questionamos aos leitores que sofreram bullying, como é lidar com os ataques sofridos. As respostas não são 100% positivas e muita gente ainda é perseguida pelos fantasmas da perseguição. Confira algumas respostas:

Lidar com o bullying não é fácil, todas as noites eu preferia chorar sozinho, dizer que tudo iria passar e carregava comigo uma frase que lembro até hoje: “não há nada de ruim que possa durar para sempre”. Eu tinha vontade de matar, nunca tentei, mas diversas e diversas vezes pensei em fazer isso ou em fugir para um lugar bem distante. Procurei utilizar a religião para amenizar minha dor, através das mensagens dos evangelhos, do cristianismo. As mensagens são boas, mas o ateísmo me dominou antes que eu pudesse perceber e foi a partir daí que as coisas mudaram um pouco. Eu venci o bullying quando venci aos meus próprios medos. Nunca fui dotado de força física, mas dela não precisei reverter a entropia da minha vida, apenas disse o que pensava.

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Eu praticamente não tinha vontade de ir à escola, inventava um monte de coisa para poder faltar, até que um dia eu mudei de lugar e fui sentar na última carteira da fileira do meio e assim foi amenizando, até a pessoa sair da escola. Uma coisa que eu percebi assim que eu estava no segundo ano do ensino médio, é que eu fiquei muito agressivo com as pessoas que se aproximavam de mim. Meio que eu era “sério” e isso era uma forma de defensiva, que durou até o fim do ensino médio. Isso só mudou em 2012 quando comecei a conhecer pessoas mais legais e com ideais parecidos com as minhas.

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Felizmente quanto ao que passou eu estou muito tranquilo, vejo pelo lado bom, porque passando as coisas pelas quais passei, na rua, na escola, e dentro de casa mesmo, acabei aprendendo sobre respeito, altruísmo, livre arbítrio e coisas do tipo muito antes do que as crianças “normais”. No entanto, pessoalmente falando tenho problemas em consequência do bullying. Tenho medo de ficar perto de muitas pessoas, sou inseguro, tenho a auto-estima baixa e por diversas vezes volto a ser o menino que era empurrado no chão pelo marmanjão na hora do recreio. O mesmo que ouvia “essa Coca-Cola é Fanta”, e posso dizer que essa é uma das sensações mais frustrantes que existe.

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Eu entrei em depressão, me tornei uma pessoa insegura, muito tímida e na minha, chorava muito quando não era em casa era trancada no banheiro do colégio. Já pensei em me matar várias vezes, odiava ir para o colégio para mim é como se eu estivesse indo para o inferno, só ia porque era obrigada mesmo, mas, fui forte o suficiente para dar a volta por cima e seguir em frente deixando isso para trás, mas é difícil. Também não gosto de falar disso porque machuca muito. Hoje sou uma pessoa que não saio de casa, fechada e guardo muita mágoa e tristeza desse tempo. É interessante tocar neste assunto porque as pessoas acham que bullying é palhaçada é “mimimi”, como vocês falam, e não entendem como isso afeta uma pessoa de maneira psicológica e emocional, e isso acontece devido a falta de informação a respeito do assunto, e é importante as pessoas saberem mais a respeito disso para que fiquem atentas e possam tomar uma providencia tando dentro como fora das escolas para que isso não ocorra mais. Afinal defeitos todos nós temos, e antes atacarmos alguém temos que nos olhar no espelho e aprender a conviver com as diferenças é uma coisa que temos que aprender. 

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Eu nunca falei sobre isso com os meus pais, falar com algum professor só piorava a situação. Já me disseram pra ignorar que eles parariam. A verdade é que eu nunca fiz nada pra mudar a situação, apenas me isolei e tentei ficar longe de confusão. Hoje em dia tento pensar que isso já está longe, que essas pessoas provavelmente mudaram e estão diferentes, inclusive eu. Faço o possível pra me sintir superior a elas e evito o contato o máximo. Mas por causa disso tenho muita dificuldade em falar com pessoas novas, por exemplo, em uma escola em que estudei depois levei meses pra fazer amigos, sou sempre conhecida como a garota quieta da sala. Já me pediram para dizer alguma coisa porque nunca tinham ouvido a minha voz. Tenho muito medo de ser gorda novamente e tenho a auto estima baixa. Quando encontro uma daquelas pessoas na rua não sei o que fazer, me escondo. Saio de todos os cursos que faço por me sentir nervosa perto das pessoas e achar que elas não gostam de mim. Ao longo dos anos larguei o curso de inglês no meio, não conseguia pronunciar em voz alta por vergonha. parei de fazer natação, achava que as pessoas riam de mim por não conseguir nadar rápido. curso de culinária, achava que as pessoas estavam olhando tudo de errado que eu fazia e rindo. Larguei o curso de desenho que eu gostava muito porque não tinha nada legal pra falar e todos eram mais velhos que eu, me sentia inferior e menos habilidosa. Por um tempo eu sequer saia sozinha na rua. Nesse momento estou com medo de me acharem idiota por escrever um texto tão longo e de não ter respondido do jeito pedido.

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Entendi que as pessoas que praticavam precisavam mais de ajuda do que eu, ao invés de ficar chateada e tomar aquilo pra mim, eu deveria amar todas elas, afinal, todos temos problemas, às vezes elas descontam em outros, como se fosse uma válvula de escape, é uma coisa extremamente ridícula, que levam as pessoas a sofrerem muito, eu escolhi entender que elas precisavam mais de amor, mas cada um sente de um jeito, dor é muito singular, exclusiva cada sente de um jeito e aprende a lidar de um jeito, a maioria das vezes nem aprendem a lidar.

E quem pratica?

Do outro lado, os leitores que assumiram ter praticado bullying afirmam tê-lo feito com o objetivo de “se enturmar”, “ser popular” ou simplesmente não ser o alvo da “zoação”. Confira algumas respostas:

Sempre fui um idiota na escola, e achava que sendo popular e humilhando as pessoas eu me promoveria.

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Na escola, com vizinhos e todas as pessoas com características que se destacasse era citada de modo pejorativo nas minhas brincadeiras. Eu sempre agia sozinho e acredito que fazia isso para me auto afirmar. Eu sempre tive necessidade de colocar alguém para baixo pra se sentir superior.

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Para me enturmar no ensino fundamental, eu me juntei com um grupo de meninas que praticarem esportes. Eu estava cansada de ser excluída e então eu as seguia pra todo lado. Elas tinham o hábito de ofender um menino um pouco mais velho que nós por causa da orientação sexual dele. Eu as acompanhava e não impedia e me sinto muito culpada.